O sociólogo moçambicano Elísio Macamo pediu hoje aos políticos uma estratégia estrutural para o futuro de Moçambique e o fim de “governos autistas”, comentando as eleições gerais de terça-feira, cujos resultados já foram contestados pela oposição.
O maior desafio do poder que sair das eleições em Moçambique é o da “elaboração de uma ideia para o país”, considerou o sociólogo, professor de Estudos Africanos na Universidade de Basileia, na Suíça.
Em entrevista à Lusa, concedida pelo telefone, Macamo não se mostrou otimista: “Infelizmente, não temos essa visão e nesta campanha eleitoral ficou evidente que nenhum candidato, nenhum partido, tem realmente uma visão política para o Estado, no seu todo”.
O futuro Presidente moçambicano precisa de “uma esfera pública muito mais crítica e menos polarizada do que a que existe agora”, disse o sociólogo.
"Precisamos de ter uma ideia clara sobre como tomar decisões relativas, por exemplo, a questões económicas muito importantes. Temos uma tradição de governos autistas em Moçambique, que, pura e simplesmente, confiam apenas naquilo que eles próprios sabem. Não existe uma tradição de convidar pessoas de fora”.
Por outro lado, caso se confirme a vitória do atual Presidente e candidato da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Filipe Nyusi, é preciso “um partido que seja mais democrático”.
Nyusi “precisa de um espaço onde ele próprio seja interpelado como dirigente, como líder, e onde seja desafiado a pensar o país. Infelizmente, neste momento, ele não tem esse partido. A Frelimo não está em nenhuma condição de proporcionar esse contexto de que ele precisa”, reforçou Macamo.
Por exemplo, o atual chefe de Estado, se for reeleito, não terá condições para atuar na questão das dívidas ocultas, contraídas durante o mandato anterior e que envolve um filho do ex-Presidente Armando Guebuza: “Não tem [condições] e isso não é apenas culpa dele”.
Noutro exemplo de opacidade, bastante mais “significativo”, Macamo chama a atenção para o facto de terem sido tomadas decisões “muito importantes” em relação à exploração “offshore” de gás e petróleo em Cabo Delgado, no norte do país, sem qualquer “consulta pública sobre o destino a dar aos proveitos”.
Mais uma vez, nesse contexto, “Nyusi fez o que pôde”, considera o sociólogo.
“É um pouco como naquele ‘saloon’ no faroeste, com a mensagem afixada na parede: ‘Não atirar no pianista. Ele está a fazer o seu melhor’. É o que temos em Moçambique”, ironizou.
Cabo Delgado, que se debate há dois anos com uma rebelião insurgente aparentemente relacionada com o extremismo islâmico e com a assinatura do grupo al Shabab, remete também para os desafios na área da segurança colocados ao próximo poder em Moçambique.
Mocamo sublinha que “não se sabe exatamente” o que está a acontecer na região onde se instalaram algumas das maiores companhias petrolíferas mundiais.
“Não sabemos se, de facto, estamos perante o perigo do extremismo islâmico da al Shabab. A minha impressão em relação a Cabo Delgado é que estamos, também ali, perante um novo tipo de insurgência em África. E não é só em Moçambique que temos isso. Vemos isso no Congo, no Mali, nos Camarões, na Nigéria…”, disse.
O país está ainda a recuperar de uma guerra civil que tem feridas por sarar, até porque a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) já contestou os resultados.
“Tivemos um processo de paz que ignorou completamente a sociedade, feito de forma secreta, sem consultas à população, e o que aconteceu foi a criação de instituições políticas que vão simplesmente atrair os piores políticos para um sistema neopatrimonial, montado para resolver o problema, e está toda a gente feliz com isso”, disse.
“A questão da Renamo devia ter sido resolvida a partir da convocação de uma conferência nacional, que tivesse envolvido todas as forças vivas da sociedade moçambicana para discutir como calibrar o nosso sistema político de maneira a torná-lo menos vulnerável ao tipo de chantagem que a Renamo praticou todo este tempo”, considerou o sociólogo, crítico do partido opositor.
“A Renamo, infelizmente, de partido político tem pouco, porque se acomodou neste papel de fazer chantagem sobre o Estado e essa é a única linguagem que conhece”, declarou ainda.
LUSA – 20.10.2019
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