Proposta que muda as regras para aposentadoria entra em fase decisiva na Câmara, onde o Governo precisa de 308 votos para ser aprová-la em plenário. Presidente da Casa espera votar em primeiro turno ainda nesta terça-feira
Brasília
Everaldo Santos tem 56 anos. Há 32 contribui para a Previdência Social. É garçom desde que se “entende por gente”, como ele diz. Na verdade, antes trabalhou como lavrador no interior da Bahia, de onde veio para Brasília ainda jovem. Mas essa é uma atividade que prefere esquecer. “Cansava muito, sofri na mão de patrões que não registravam e pagavam praticamente só com a comida”. Ao chegar à capital federal, aos 17 anos, fez diversos bicos como garçom, mas só passou a contribuir para a previdência aos 24 anos. O cansaço está estampado nos ombros levemente arqueados para baixo e em um par de olheiras de quem dorme no máximo quatro horas por noite. “Tenho dois trabalhos para sobreviver e ajudo em festas nas minhas folgas”.
O experiente garçom que trabalha em um restaurante e em uma cafeteria no plano piloto de Brasília sonhava em se aposentar daqui a três anos, dispensar um dos empregos e curtir mais os quatro netos e sua mulher. “A coroa já se aposentou. Ela me cobra toda noite para ficar mais em casa. Ainda não dá”. Eles dependem dos quase 2.500 reais mensais para pagar as contas – parte desse valor é recebido por fora, sem registro oficial. Com a reforma da Previdência do Governo Jair Bolsonaro (PSL), da maneira que está em vias de ser votada na Câmara dos Deputados, Santos só se aposentará daqui a seis anos, aos 62. “Os ricos dizem que eles vão sofrer, mas quem vai sofrer mais somos nós, os mais pobres”. Pelos seus cálculos, sua aposentadoria será um pouco maior do que um salário mínimo, isso se até lá novas regras não forem criadas.
Além do tempo a mais de trabalho, por causa da regra de transição que o atingiu, Santos poderá ver sua alíquota de contribuição saltar de 7,5% para 8,25% e corre o risco de ficar sem o abono salarial que recebe. Na carteira de trabalho seu salário é de 1.700 reais. Hoje, quem recebe até dois salários mínimos (1.996 reais) pode retirar o abono de 998 reais uma vez ao ano. O texto, aprovado com folga na comissão especial na semana passada, prevê que só receberá o abono quem tiver renda de até 1.364,43 reais. “Como eu sempre falo, a gente só perde. Essa conversa de fim dos privilégios, para mim não cola. Mas fazer o quê?”, reclamou.
Enquanto trabalhadores como Santos se queixam, a classe política chega a alguns acordos. Após uma série de reuniões no fim de semana e nesta segunda-feira, haverá uma tentativa de se votar a reforma terça e quarta-feira no plenário da Câmara —o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), espera votá-la em primeiro turno ainda nesta terça. "Agora, cada hora é decisiva para aprovar a reforma", disse Maia, antes de uma reunião de líderes na Câmara. “Segundo turno é mais rápido que o primeiro, só pode ter destaque supressivo. Superado o primeiro turno, o segundo turno é mais simples. Se a gente conseguir o número de parlamentares para votar e começar a votação do principal hoje à noite e na madrugada e seguir com os destaques amanhã [quarta], a gente passa a ter a quinta e a sexta para votar o segundo turno. Como sou sempre otimista, acho que a gente vote antes de sábado”, avaliou o presidente.
Para tentar agilizar a votação antes do recesso parlamentar, que começa no dia 18, o presidente Bolsonaro desistiu de apoiar as mudanças defendidas por policiais, como havia feito na semana passada. A justificativa é que uma lei da década de 1970 já garantiria a integralidade dos vencimentos dos profissionais da segurança, um dos pleitos das categorias. Essa decisão pode resultar em mandatário como o dos últimos dias, quando representantes de sindicatos de policiais chamaram o presidente de “traidor” nos corredores da Câmara. “Estamos trabalhando para que o nosso lado, para que não haja nenhum destaque”, explicou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
A aprovação da proposta da emenda constitucional 06/2019 depende de ao menos 308 votos entre os 513 parlamentares. Entre os mais otimistas, como a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), a conta é que haja 340 apoios. Ainda assim, o Governo Bolsonaro decidiu exonerar três de seus quatro ministros que são deputados federais para que eles garantissem votos extras à reforma. O ministro Onyx Lorenzoni, e os responsáveis pela Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), e pelo Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), retomarão seus mandatos nesta semana e lá ficarão até que a reforma seja votada em dois turnos. O único que não deixará sua cadeira é ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB-RS), porque há segurança de que seu suplente e correligionário, Darcísio Perondi, apoiará a mudança. Perondi é vice-líder do Governo Bolsonaro e defensor assíduo da reforma.
Enquanto no Planalto e no Congresso Nacional as contas são sobre o número de votos dos deputados e sobre a “potência” da economia (hoje está em torno de 960 bilhões de reais em dez anos), para alguns dos contribuintes o cálculo é sobre o tempo a mais de trabalho e quanto isso representará para as suas finanças no dia a dia.
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