Fugir à responsabilidade
É difícil ficar impávido e sereno quando se lê notícias como esta:
“ELEIÇÕES/NYUSI PEDE RIGOR E ISENÇÃO NA ACTUAÇÃO DOS TRIBUNAIS
O Presidente da República, Filipe Nyusi, pediu aos tribunais para actuarem com rigor e isenção durante o período eleitoral que culminará com a realização, a 15 de Outubro do ano em curso, das eleições presidenciais, legislativas, das assembleias provinciais, e, pela primeira vez, dos governadores provinciais. “Se por um lado este é um período verdadeiramente festivo onde todos cidadãos exercem livremente a sua cidadania, por outro registam-se algumas violações a lei exigindo intervenção das autoridades competentes. Nesse sentido, os tribunais são chamados a agir com rigor, isenção e imparcialidade, garantindo que a lei seja cumprida”, disse.
Falando ontem, em Maputo, após conferir posse a Adelino Muchanga para um segundo mandato na qualidade de Presidente do Tribunal Supremo (TS), o mais alto órgão da hierarquia dos tribunais judiciais, Nyusi lançou, igualmente, o desafio da responsabilização dos ataques que ocorrem na província de Cabo Delgado, norte do país. “Se por um lado registam-se progressos assinaláveis no diálogo com a Renamo, preocupa-nos os ataques armados protagonizados por malfeitores no norte da província de Cabo Delgado. As suas acções criminosas devem ser exemplarmente sancionadas pelos órgãos competentes. Nesse sentido instamos aos órgãos da administração da justiça a agir com rigor na responsabilização daqueles que atentam contra a vida e integridade das pessoas”, disse.
AIM 24/07/19“.
O Presidente da República, Filipe Nyusi, pediu aos tribunais para actuarem com rigor e isenção durante o período eleitoral que culminará com a realização, a 15 de Outubro do ano em curso, das eleições presidenciais, legislativas, das assembleias provinciais, e, pela primeira vez, dos governadores provinciais. “Se por um lado este é um período verdadeiramente festivo onde todos cidadãos exercem livremente a sua cidadania, por outro registam-se algumas violações a lei exigindo intervenção das autoridades competentes. Nesse sentido, os tribunais são chamados a agir com rigor, isenção e imparcialidade, garantindo que a lei seja cumprida”, disse.
Falando ontem, em Maputo, após conferir posse a Adelino Muchanga para um segundo mandato na qualidade de Presidente do Tribunal Supremo (TS), o mais alto órgão da hierarquia dos tribunais judiciais, Nyusi lançou, igualmente, o desafio da responsabilização dos ataques que ocorrem na província de Cabo Delgado, norte do país. “Se por um lado registam-se progressos assinaláveis no diálogo com a Renamo, preocupa-nos os ataques armados protagonizados por malfeitores no norte da província de Cabo Delgado. As suas acções criminosas devem ser exemplarmente sancionadas pelos órgãos competentes. Nesse sentido instamos aos órgãos da administração da justiça a agir com rigor na responsabilização daqueles que atentam contra a vida e integridade das pessoas”, disse.
AIM 24/07/19“.
São duas coisas que me incomodam nesta notícia. A primeira é a desvalorização da palavra. Um Presidente que antes mesmo de a campanha eleitoral começar já está em campanha, portanto, a criar todas as condições para que aqueles que perderem tenham razões para não concordarem com os resultados, tem o desplante de exortar os órgãos de justiça “a agir com rigor, isenção e imparcialidade...”. O que significam estas palavras exactamente no contexto da “onda vermelha” que é, de certeza, parcialmente financiada pelo próprio Estado? É muita desonestidade junta.
A segunda coisa é mais bicuda. Não me parece prudente festejar alguém como “obreiro da paz” por, aparentemente, resolver um conflito quando há um outro, mais premente, mais actual e que se desenrola perante a maior perplexidade das instituições que esse mesmo indivíduo controla. A questão é duplamente bicuda. Conforme já escrevi várias vezes, enquanto houver grupos que contestam a liderança com a qual ele negociou a paz é difícil dar crédito ao processo negocial. E isto não é porque a paz não esteja ainda garantida. É porque quem a negociou não previu a possibilidade de alguém pular para fora e, dessa maneira, comprometer o que foi negociado. A questão aqui não é a Renamo (que como sabemos é e sempre foi uma confusão total). A questão é o governo que negoceia com quem não é capaz de garantir o cumprimento do negociado.
Não sei de que “progressos assinaláveis” é que ele está a falar quando volta e meia aparece alguém a dizer que vai matar o líder da oposição, portanto, a pessoa com quem ele negociou. Mas aqui surge outro problema, nomeadamente o problema que desde logo viciou todo o processo: em circunstâncias normais, as instituições de justiça deviam agir contra os indivíduos que proferem esse tipo de ameaças, mas o problema é que todo o processo negocial assenta na normalização desse tipo de ameaça! O malogrado líder da Renamo forçou a negociação cuspindo na cara dessas instituições sob o olhar impávido e sereno dos “doadores” que ao invés de insistirem (como o teriam feito nos seus próprios países) no cumprimento da lei, deram legitimidade às reivindicações da Renamo reinventando-se como grupo de contacto e financiando, de certeza, parte do processo. Era possível reconhecer as reivindicações (legítimas) da Renamo sem ratificar o seu recurso à violência contra o Estado. Só o Criador de “culturas superiores” é que sabe o que levou os “doadores” a agirem em completo desrespeito pelo processo democrático.
Mas o mais assustador é o que o Presidente diz sobre a situação em Cabo Delgado. Ele fala de malfeitores que devem ser levados à justiça. Não parece ter noção da gravidade da situação. Para isso acontecer, ele tinha que ter forças de segurança capazes de levar esses malfeitores à justiça. Ele (devia) sabe(r) que não tem. Mas o problema até nem é a incapacidade das forças de segurança de fazerem isso. O problema é que o problema de Cabo Delgado não é de “polícia e ladrão”. É outra coisa que nenhum de nós (ainda) entende, apesar dos esforços louváveis de alguns estudiosos. A prioridade aqui não vai para os órgãos de justiça. Vai para o próprio governo que precisa de identificar o problema, propor uma abordagem sensível à essa identificação e, a partir daí, definir o papel dos outros órgãos. É isso que o governo não faz há anos (pelo menos desde que o problema ganhou contornos violentos) e teima em não fazer, não sei porquê. Teima em não o fazer e, ao que parece, nem está preocupado com isso porque prefere banhar-se na glória duma “paz” inexistente.
Até hoje não percebo porque, por exemplo, o ministério do interior não convida os vários moçambicanos que estudam este problema para um encontro que discute este assunto. Não estou a pedir para ser chamado porque não entendo nada do assunto. Estou a falar de gente como Yussuf Adam, Liazzat Bonate, Zenaida Machado, Mablinga Shikhani, Rafael da Conceição e vários outros que, de certeza, têm coisas interessantes a partilhar com quem deve identificar o problema. O autismo político mata, só que infelizmente mata principalmente inocentes.
Ignorar o conhecimento abalizado faz parte da fuga à responsabilidade.
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