quarta-feira, 26 de junho de 2019

Timor-Leste foi “traído” por “um país amigo” por interesses económicos, segundo Xanana Gusmão


Em causa está um esquema de escutas montado em 2004 pelos serviços secretos australianos em escritórios do governo timorense durante as negociações para um novo tratado para o Mar de Timor.
Quando tomou conhecimento da existência das escutas, Díli contestou o tratado e apresentou uma queixa contra a espionagem
GREGÓRIO CUNHA/LUSA
Autor
  • Agência Lusa
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O antigo Presidente da República de Timor-Leste, Xanana Gusmão, afirmou esta quarta-feira que o país se sentiu traído por “um país amigo”, a Austrália, aquando do uso dos serviços secretos do combate ao terrorismo em função de grandes interesses económicos.
“Sentimo-nos traídos por um país, supostamente amigo, e com o qual contávamos reconstruir [Timor-Leste]”, afirmou Xanana Gusmão, em Lisboa, na apresentação do livro “Passar dos Limites – A História Secreta da Austrália no Mar de Timor”, da escritora australiana Kim McGrath e que aborda a ação daquele país insular em território timorense nos últimos 50 anos.
A existência de um esquema de escutas montado em 2004 pelos serviços secretos australianos em escritórios do governo timorense, em Díli, durante as negociações para um novo tratado para o Mar de Timor, foi denunciada por um ex-agente dos serviços secretos australianos, conhecido como “Testemunha K” (a sua identidade nunca foi revelada publicamente).
A “Testemunha K” e o seu advogado, Bernard Collaery, são acusados de conspiração pelas autoridades em Camberra, crime que tem uma pena máxima de dois anos de prisão e estão a ser julgados num tribunal australiano.
Nesse sentido, Xanana Gusmão, o primeiro Presidente de Timor-Leste desde a independência da Indonésia, lançou um apelo ao Governo australiano.
“É nesta revolta íntima, que arde cá dentro, que, humildemente, faço aqui um apelo público à razão para que o Governo da Austrália reconsidere e pare com a injustiça que está a ser praticada contra Bernard Colleary e contra a testemunha K”, afirmou, na cerimónia que decorreu durante o quinto encontro ministerial do g7+, em Lisboa.
“Não era a segurança do Estado que estava em causa, mas o facto de se ter utilizado a inteligência militar para espiar assuntos de negócio entre a riquíssima Austrália e o paupérrimo Timor-Leste”, afirmou o antigo chefe de Estado, acrescentando: “Não era uma questão de segurança. Nós tínhamos acabado a guerra. Se tínhamos algumas armas, que já não funcionavam, não tínhamos armas. Aquilo não era uma questão de segurança da Austrália, nós não íamos invadir a Austrália”.
De acordo com os relatos, através das escutas, o governo australiano obteve informações que permitiriam favorecer as intenções australianas nas negociações com Timor-Leste da fronteira marítima e pelo controlo da zona Greater Sunrise, uma rica reserva de petróleo e gás.
O tratado, que acabou por ser assinado, apontava que cada país teria 50% da área a explorar, embora a maior parte das reservas se encontrasse dentro de território timorense.
Quando tomou conhecimento da existência das escutas, Díli contestou o tratado e apresentou uma queixa contra a espionagem de Camberra junto do Tribunal Arbitral de Haia, argumentando que, devido às ações do Governo australiano, o acordo era ilegal.

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