Foto: Pedro França/Agência SenadoFoto: Pedro França/Agência Senado
A justiça que burla a Constituição joga a democracia na cova
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Há três anos, o premiado jornalista investigativo Lúcio de Castro descobriu que Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, atuava no ramo do petróleo — um fato até então desconhecido pela opinião pública. PHC era sócio de uma empresa de comércio de produtos petroquímicos. Essa empresa mantinha negócios com empresas investigadas pela Lava Jato, como a Odebrecht e a Braskem, e possuía uma offshore em paraíso fiscal. Lúcio de Castro descobriu também que o filho de FHC era sócio, em outros negócios, de um argentino, braço direito do presidente Mauricio Macri, que se suicidou após se ver envolvido em escândalos de corrupção na Argentina.
À época, o jornalista mostrou que a Polícia Federal havia descoberto e-mail do Instituto FHC recebendo doação da Braskem. Os negócios nebulosos da família de FHC não eram meras suposições. Lúcio de Castro tinha tudo documentado. A reportagem foi oferecida para todos os grandes veículos da imprensa. Nenhum quis publicar. Os possíveis crimes contidos ali ainda não haviam sido prescritos.
À época, o jornalista mostrou que a Polícia Federal havia descoberto e-mail do Instituto FHC recebendo doação da Braskem. Os negócios nebulosos da família de FHC não eram meras suposições. Lúcio de Castro tinha tudo documentado. A reportagem foi oferecida para todos os grandes veículos da imprensa. Nenhum quis publicar. Os possíveis crimes contidos ali ainda não haviam sido prescritos.
Diferentemente do filho de Lula, o filho de FHC jamais teve seu nome martelando nas manchetes do noticiário nem ganhou o apelido de “Cardosinho”. A grande imprensa não queria melindrar o filho do príncipe. Em uma série de tweets publicada nessa semana após novas revelações da Vaza Jato, Lúcio de Castro lembrou como seu trabalho foi ignorado: “a reportagem que fiz mostrava outras tantas conexões da família FHC. Fiz outras tantas de mazelas dos governos Lula e Dilma, mas essas iam adiante. Sempre lembro dessa reportagem como um símbolo pra mim do que é a seletividade. De como nunca foi contra a corrupção. E não vou cansar de repetir: o filho de FHC tinha uma offshore de petróleo num paraíso fiscal.”
Os novos diálogos publicados pelo Intercept mostram que não foi só a imprensa que desviou do assunto. A Lava Jato também preferiu evitar a fadiga. Enquanto procuradores fingiam investigar FHC só para construir uma imagem pública de imparcialidade, o ex-juiz considerava que “melindrar” um apoio desse calibre teria um custo alto. O então juiz Sergio Moro deixou claro para o procurador Deltan Dallagnol que requentar um crime prescrito apenas para forjar imparcialidade não era um bom caminho a se tomar. Os sucessivos e rasgados elogios de FHC à Lava Jato tinham visibilidade internacional, o que sempre foi um ponto importante para os integrantes da força-tarefa. Não valeria a pena perder o apoio de um ex-presidente, ainda mais quando se pretendia prender outro sem provas sólidas. Esse era o cálculo político de Moro. Blindar politicamente a operação cujo trabalho viria a julgar era uma de suas prioridades. Respeitar a Constituição era secundário.
Leia nossa cobertura completaAs mensagens secretas da Lava JatoOs novos diálogos publicados pelo Intercept mostram que não foi só a imprensa que desviou do assunto. A Lava Jato também preferiu evitar a fadiga. Enquanto procuradores fingiam investigar FHC só para construir uma imagem pública de imparcialidade, o ex-juiz considerava que “melindrar” um apoio desse calibre teria um custo alto. O então juiz Sergio Moro deixou claro para o procurador Deltan Dallagnol que requentar um crime prescrito apenas para forjar imparcialidade não era um bom caminho a se tomar. Os sucessivos e rasgados elogios de FHC à Lava Jato tinham visibilidade internacional, o que sempre foi um ponto importante para os integrantes da força-tarefa. Não valeria a pena perder o apoio de um ex-presidente, ainda mais quando se pretendia prender outro sem provas sólidas. Esse era o cálculo político de Moro. Blindar politicamente a operação cujo trabalho viria a julgar era uma de suas prioridades. Respeitar a Constituição era secundário.
Foram muitos os casos em que FHC e seu governo apareceram na Lava Jato. Nenhum deles mereceu investigação profunda. Vamos relembrar alguns. O estaleiro Keppel Fels de Cingapura, um dos maiores do mundo, admitiu ter pago propinas a integrantes do governo FHC para a construção de uma plataforma da Petrobras. Em delação premiada, Emílio Odebrecht disse ter financiado o caixa 2 das duas campanhas presidenciais de FHC. Pedro Barusco e Nestor Cerveró, ex-diretores da Petrobras, revelaram em delação que propinas milionárias foram recebidas pelo governo FHC em negócios da empresa (lembram do “Podemos tirar se achar melhor”?). Fernando Baiano, o operador das propinas do MDB, revelou em delação premiada que a presidência da Petrobras lhe deu ordens para beneficiar a empresa do filho de FHC. Muitos desses supostos crimes não haviam sido prescritos e ficaram por isso mesmo. Hoje sabemos que, em pelo menos em um desses casos, Sergio Moro operou nas sombras para poupar o príncipe tucano, ainda que o intuito não fosse protegê-lo, mas garantir seu apoio. Não foi à toa que FHC chamou as revelações explosivas da Vaza Jato de “tempestade em copo d’àgua”.
Em outra parte dos diálogos, procuradores debatiam sobre a possibilidade de se fazer uma busca e apreensão simultânea nos institutos Lula e FHC. O objetivo não era de ordem técnica, mas de ordem política. Pretendia-se mais uma vez incrementar a narrativa de imparcialidade da Lava Jato. O diálogo prossegue e se chega à conclusão de que a falta de provas contra FHC poderia beneficiar Lula. Ou seja, o que impediu a abertura de investigação criminal e a busca e apreensão contra o Instituto FHC não foi a falta de provas, mas o fato de que isso poderia beneficiar Lula. A imparcialidade era apenas de fachada. O que valia para Luis não valia para Fernando. Era com esse nível de seriedade e profissionalismo que as decisões eram tomadas na Lava Jato.
Mas, conforme revelou o jornalista Reinaldo Azevedo, em parceria de apuração com o Intercept, 17 minutos após Moro reclamar do desempenho de Laura Tessler com Dallagnol, o coordenador da força-tarefa retransmitiu a insatisfação do juiz para o procurador Carlos Fernando Lima. Para aplacar a insatisfação de Moro, Dallagnol sugeriu mudar a escala para evitar que Tessler participasse da audiência de Lula. E foi exatamente o que aconteceu. O ministro da Justiça, portanto, mentiu aos senadores.
A cada diálogo revelado fica mais cristalino como os desejos de Sergio Moro soavam como ordens aos ouvidos dos procuradores. Confirma-se, mais uma vez, que o juiz atuava como o comandante da acusação. Ele se certificava de que a acusação faria o melhor trabalho possível e evitava dar espaço para mais um “showzinho da defesa”.
O fato é que até agora nenhum lavajatista negou peremptoriamente nem uma vírgula dos diálogos vazados. Talvez esse seja o melhor atestado de autenticidade que a Vaza Jato poderia receber.
Os fatos estão sobre a mesa. A quebra da imparcialidade jurídica está dada. Ou a opinião pública reconhece isso como inaceitável ou seguiremos cavando a cova da democracia. O país deseja que esses arbítrios sejam sacramentados como um padrão da justiça brasileira? Os fanáticos pela Lava Jato precisam entender que, no futuro, haverá outros procuradores, outros juízes, outros réus, outro cenário político. Essa justiça freestyle, que burla preceitos constitucionais básicos em nome de um bem maior, pode se virar a qualquer momento contra quem hoje a venera.
Dizem que as pessoas não comeriam as salsichas se soubessem como são feitas. Até a chegada da Vaza Jato, não se sabia exatamente o que acontecia nas entranhas da força-tarefa. Graças ao bom jornalismo, agora se sabe. Continuar ou não comendo essa salsicha vai da consciência de cada um.
Em outra parte dos diálogos, procuradores debatiam sobre a possibilidade de se fazer uma busca e apreensão simultânea nos institutos Lula e FHC. O objetivo não era de ordem técnica, mas de ordem política. Pretendia-se mais uma vez incrementar a narrativa de imparcialidade da Lava Jato. O diálogo prossegue e se chega à conclusão de que a falta de provas contra FHC poderia beneficiar Lula. Ou seja, o que impediu a abertura de investigação criminal e a busca e apreensão contra o Instituto FHC não foi a falta de provas, mas o fato de que isso poderia beneficiar Lula. A imparcialidade era apenas de fachada. O que valia para Luis não valia para Fernando. Era com esse nível de seriedade e profissionalismo que as decisões eram tomadas na Lava Jato.
Moro mentiu no Senado
O ministro da Justiça esteve na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para esclarecer as conversas que teve com Dallagnol. O senador do PSD Nelsinho Trad, do Mato Grosso do Sul, perguntou a Moro se ele interferiu na composição da bancada acusatória do caso do triplex de Lula. O ministro negou.Mas, conforme revelou o jornalista Reinaldo Azevedo, em parceria de apuração com o Intercept, 17 minutos após Moro reclamar do desempenho de Laura Tessler com Dallagnol, o coordenador da força-tarefa retransmitiu a insatisfação do juiz para o procurador Carlos Fernando Lima. Para aplacar a insatisfação de Moro, Dallagnol sugeriu mudar a escala para evitar que Tessler participasse da audiência de Lula. E foi exatamente o que aconteceu. O ministro da Justiça, portanto, mentiu aos senadores.
A cada diálogo revelado fica mais cristalino como os desejos de Sergio Moro soavam como ordens aos ouvidos dos procuradores. Confirma-se, mais uma vez, que o juiz atuava como o comandante da acusação. Ele se certificava de que a acusação faria o melhor trabalho possível e evitava dar espaço para mais um “showzinho da defesa”.
A cada diálogo revelado fica mais cristalino como os desejos de Sergio Moro soavam como ordens aos ouvidos dos procuradores.Moro disse aos senadores que não lembra de ter feito esse pedido, mas também não negou. A linha de defesa do ex-juiz e da Lava Jato carece de um sentido lógico. Eles insistem em não reconhecer a autenticidade dos diálogos e ao mesmo tempo os justificam como se fossem autênticos. Pior: estão dando corda, ainda que indiretamente, para as teorias de conspiração mais absurdas que brotam na internet e no jornalismo de aluguel. A tentativa de associar o Intercept a criminosos é uma groselha servida em mamadeira de piroca. É uma tentativa desesperada de criminalizar o jornalismo que não tem rabo preso com os poderosos.
O fato é que até agora nenhum lavajatista negou peremptoriamente nem uma vírgula dos diálogos vazados. Talvez esse seja o melhor atestado de autenticidade que a Vaza Jato poderia receber.
Os fatos estão sobre a mesa. A quebra da imparcialidade jurídica está dada. Ou a opinião pública reconhece isso como inaceitável ou seguiremos cavando a cova da democracia. O país deseja que esses arbítrios sejam sacramentados como um padrão da justiça brasileira? Os fanáticos pela Lava Jato precisam entender que, no futuro, haverá outros procuradores, outros juízes, outros réus, outro cenário político. Essa justiça freestyle, que burla preceitos constitucionais básicos em nome de um bem maior, pode se virar a qualquer momento contra quem hoje a venera.
Dizem que as pessoas não comeriam as salsichas se soubessem como são feitas. Até a chegada da Vaza Jato, não se sabia exatamente o que acontecia nas entranhas da força-tarefa. Graças ao bom jornalismo, agora se sabe. Continuar ou não comendo essa salsicha vai da consciência de cada um.
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Ilustração: João Brizzi e Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Marcelo Camargo/Agência BrasilIlustração: João Brizzi e Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Marcelo Camargo/Agência Brasil
Procuradores do Ministério Público Federal, em mensagens privadas trocadas em grupos com integrantes da Lava Jato, criticaram Sergio Moro duramente pelo que consideraram uma agenda pessoal e política do juiz. Eles foram além no decorrer e logo depois da campanha eleitoral de 2018: para os procuradores, Moro infringia sistematicamente os limites da magistratura para alcançar o que queria.
“Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados”, disse a procuradora Monique Cheker em 1º de novembro, uma hora antes de o ex-juiz anunciar ter aceito o convite de Jair Bolsonaro para se tornar ministro da Justiça. Integrantes da força-tarefa da Lava Jato lamentavam que, ao aceitar o cargo (algo que ele havia prometido jamais fazer), Moro colocou em eterna dúvida a legitimidade e o legado da operação. Os óbvios questionamentos éticos envolvidos na ida do juiz ao ministério poderiam, afinal, dar maior credibilidade às alegações de que a Lava Jato teria motivações políticas.
“Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados”, disse a procuradora Monique Cheker em 1º de novembro, uma hora antes de o ex-juiz anunciar ter aceito o convite de Jair Bolsonaro para se tornar ministro da Justiça. Integrantes da força-tarefa da Lava Jato lamentavam que, ao aceitar o cargo (algo que ele havia prometido jamais fazer), Moro colocou em eterna dúvida a legitimidade e o legado da operação. Os óbvios questionamentos éticos envolvidos na ida do juiz ao ministério poderiam, afinal, dar maior credibilidade às alegações de que a Lava Jato teria motivações políticas.
Uma vez que o alinhamento de Moro com o bolsonarismo se tornou claro, até os maiores apoiadores do ex-juiz dentro da Lava Jato passaram a expressar um descontentamento antigo com as transgressões dele. Mesmo o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol (que sempre defendeu Moro), e o decano do grupo, Carlos Fernando dos Santos Lima, íntimo do então juiz, confessaram preferir que ele não aderisse ao governo Bolsonaro.
Um dia antes do anúncio de Moro, em 31 de outubro, quando circulavam fortes boatos de que Moro participaria do governo Bolsonaro, a procuradora Jerusa Viecili, integrante da força-tarefa em Curitiba, escreveu no grupo Filhos do Januario 3: “Acho péssimo. Só dá ênfase às alegações de parcialidade e partidarismo.”
A procuradora Laura Tessler, também da força-tarefa, concordou com a avaliação: “Tb acho péssimo. MJ nem pensar… além de ele não ter poder para fazer mudanças positivas, vai queimar a LJ. Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto… se juntar a ele vai queimar o Moro.” Viecili completou: “E queimando o moro queima a LJ”. Outro procurador da operação, Antônio Carlos Welter, enfatizou que a postura de Moro era “incompatível com a de Juiz”:
Um dia antes do anúncio de Moro, em 31 de outubro, quando circulavam fortes boatos de que Moro participaria do governo Bolsonaro, a procuradora Jerusa Viecili, integrante da força-tarefa em Curitiba, escreveu no grupo Filhos do Januario 3: “Acho péssimo. Só dá ênfase às alegações de parcialidade e partidarismo.”
A procuradora Laura Tessler, também da força-tarefa, concordou com a avaliação: “Tb acho péssimo. MJ nem pensar… além de ele não ter poder para fazer mudanças positivas, vai queimar a LJ. Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto… se juntar a ele vai queimar o Moro.” Viecili completou: “E queimando o moro queima a LJ”. Outro procurador da operação, Antônio Carlos Welter, enfatizou que a postura de Moro era “incompatível com a de Juiz”:
31 de outubro de 2018 – Filhos do Januario 3
Isabel Groba – 09:24:41 – É o fim ir se encontrar com Bolsonaro e semana que vem ir interrogar o Lula.
Jerusa Viecili – 09:25:20 – Concordo com tudo, Isabel!
Laura Tessler – 09:25:27 – Tb!
Laura Tessler – 09:26:01 – Pelo amor de Deus!!!! Alguém fala pro Moro não ir encontrar Bolsonaro!!!
Antônio Carlos Welter – 09:44:35 – Deltan Min do STF é um cargo no judiciário, que seria o reconhecimento máximo na carreira. Como ministro da justiça vai ter que explicar todos os arroubos do presidente, vai ter que engolir muito sapo e ainda vai ser profundamente criticado por isso. Veja que um dos fundamentos do pedido feito ao comitê da Onu para anular o processo do Lula é justamente o de falta de parcialidade do juiz. E logo após as eleições ele é convidado para ser Ministro. Se aceitar vai confirmar para muitos a teoria da conspiração. Vai ser um prato cheio. As vezes, o convite, ainda que possa representar reconhecimento (merecido), vai significar para muita gente boa e imparcial, que nos apoia, sem falar da imprensa e o PT, uma virada de mesa, de postura, incompatível com a de Juiz.
No dia seguinte, 1º de novembro, quando ficou claro que Moro seria anunciado como ministro da Justiça, outros procuradores do MPF não envolvidos com a Lava Jato aderiram ao coro. Conversando no grupo BD, do qual faziam parte procuradores de vários estados, eles dispararam duras críticas ao ex-juiz:
1º de novembro de 2018 – BD
Ângelo – 10:00:07 – Cara, eu não confio no Moro, não. Em breve vamos nos receber cota de delegado mandando acrescentar fatos à denúncia. E, se não cumprirmos, o próprio juiz resolve. Rs.
Monique – 10:00:30 – Olha, penso igual.
Monique – 10:01:36 – Moro é inquisitivo, só manda para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP (variasssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos resultados alcançados pela lava jato
Ângelo – 10:02:13 – Ele nos vê como “mal constitucionalmente necessário”, um desperdício de dinheiro.
Monique – 10:02:30 – Se depender dele, seremos ignorados.
Ângelo – 10:03:02 – Afinal, se já tem juiz, por que outro sujeito processual com as mesmas garantias e a mesma independência? Duplicação inútil. E ainda podendo encher o saco.
Monique – 10:03:43 – E essa fama do Moro é antiga. Desde que eu estava no Paraná, em 2008, ele já atuava assim. Alguns colegas do MPF do PR diziam que gostavam da pro atividade dele, que inclusive aprendiam com isso.
Ângelo – 10:04:30 – Fez umas tabelinhas lá, absolvendo aqui para a gente recorrer ali, mas na investigação criminal – a única coisa que interessa -, opa, a dupla polícia/ juiz eh senhora.
Monique – 10:04:31 – Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados.
É particularmente significativo que procuradores tenham chamado algumas absolvições de Moro de “tabelinhas” – destinadas a criar uma falsa percepção de imparcialidade –, já que as absolvições haviam sido citadas pelo ex-juiz e por Deltan Dallagnol justamente para refutar acusações de que Moro era o verdadeiro chefe dos procuradores.
Quando Moro foi finalmente confirmado como ministro da Justiça, o procurador Sérgio Luiz Pinel Dias, que atua na Lava Jato no Rio de Janeiro, digitou no grupo MPF GILMAR MENDES que, daquele momento em diante, seria muito difícil “afastar a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro”:
1º de novembro de 2018 – Grupo MPF GILMAR MENDES
Thaméa Danelon – 10:19:01 – Bom dia pessoal. Qual a opinião de vcs sobre Moro no MJ?
José Augusto Simões Vagos – 10:44:57 – Acho inoportuno
Sérgio Luiz Pinel Dias – 10:50:51 – Thamea e colegas, pessoalmente acho ruim para o legado da LJ, por melhor que sejam as intenções dele de tentar influir por dentro. . . . Para mim, LJ, além de ser um símbolo, é um método de atuação das nossas instituições, que nos permitiu, até aqui, surfar juntos em uma excelente onda. Mas será difícil, muito difícil, hoje e provavelmente no futuro, com a assunção de Moro ao MJ, afastar a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro. Vejo, por esse motivo, com muita preocupação esse passo do Moro.
Mônica Campos de Ré – 10:54:12 – Concordo!
A procuradora Isabel Cristina Groba Vieira, da Lava Jato em Curitiba, opinou no grupo Filhos do Januario 3: “É realmente péssimo. O nome da LJ não pode ser conspurcado.”
‘Erro crasso’
As críticas a Moro vinham se acumulando desde muito antes do anúncio oficial de que ele seria empregado de um presidente de trajetória marcada por apologia à tortura, à ditadura e a declarações misóginas e homofóbicas. A três dias do segundo turno das eleições, em 25 de outubro, os procuradores Jerusa Viecili e Paulo Roberto Galvão lamentaram que Moro e que a própria força-tarefa passassem a impressão de favorecer a candidatura de Bolsonaro.
Galvão se mostrava especialmente preocupado com o silêncio da força-tarefa em relação às declarações do político contra a liberdade de imprensa e ao seu desprezo pelo devido processo legal. Essas posições eram criticadas pela Lava Jato quando verbalizadas por outros políticos. Galvão se incomodava também com o silêncio dos colegas frente aos ataques dirigidos contra os protestos anti-Bolsonaro que ocorriam em universidades, assim como Jerusa Viecili:
Galvão se mostrava especialmente preocupado com o silêncio da força-tarefa em relação às declarações do político contra a liberdade de imprensa e ao seu desprezo pelo devido processo legal. Essas posições eram criticadas pela Lava Jato quando verbalizadas por outros políticos. Galvão se incomodava também com o silêncio dos colegas frente aos ataques dirigidos contra os protestos anti-Bolsonaro que ocorriam em universidades, assim como Jerusa Viecili:
25 de outubro de 2018 – grupo Filhos do Januário 3
Jerusa Viecili – 14:45:52 – Pessoal, desculpem voltar ao assunto (sou voto vencido), mas, somente esta semana, várias pessoas, inclusive alguns colegas e servidores, me questionaram a ausência de manifestação da FT diante de alguns posicionamentos dos candidatos à presidência. Fato é que sempre nos posicionamos diante de várias ameaças ao nosso trabalho e, nos últimos dias, temos ficado silentes, mesmo com ameaças de candidatos à independência do Ministério Público (nomeação de PGR fora da lista tríplice) e à liberdade de imprensa. Em outros tempos, por motivos outros, mas igualmente relevantes e perigosos, divulgamos nota, convocamos coletiva e ameaçamos renunciar (!). Agora, jornalistas escrevem no Twitter que a LAVA JATO é caso de desaparecido político, pois já alcançou o que queria. Acho muito grave ficarmos em silêncio quando um dos candidatos manifesta-se contra a nomeação do PGR da lista tríplice, diante de questões ideológicas. Mais grave ainda, assistirmos passivamente, ameaças à liberdade de imprensa quando nós somos os primeiros a afirmar a importância da imprensa para o sucesso da Lava Jato. Igualmente grave, candidatos divulgarem nomes de futuros ministros que são alvos de investigações e processos por corrupção. Nossa omissão também tem peso e influência. Eu sinceramente não quero (e isso a penas a história dirá) que a Lava Jato seja vista, no futuro, como perseguição ao PT e, muito menos, como co-responsável pelos acontecimentos eleitorais de 2018. . . .
Três horas depois, o procurador Paulo Roberto Galvão disse no mesmo grupo: “Pessoal, nós somos procuradores da República. Cumprimos a nossa função no combate à corrupção, e não poderíamos ter feito diferente, ainda que soubéssemos que daí poderia advir um eleito antidemocrático (e sabíamos pois estudamos e conhecíamos o risco Berlusconi)”. Para ele, a força-tarefa não poderia ser acusada de ter tentando influenciar as eleições presidenciais, porque só fez o seu trabalho. “Infelizmente, Moro indiretamente e Carlos Fernando diretamente erraram ao deixar transparecer preferência (o primeiro) ou dizer abertamente de sua preferência (o segundo)”, ponderou.
Um dia depois, Jerusa Viecili insistiu no assunto: “Já desvirtuam o que falamos contra a corrupção ser a favor do Bolsonaro. mas não vou mais insistir. o fato é que a FT sempre comentou tudo (desde busca e apreensão em favela, lei de abuso de autoridade, anistia, indulto, panelinha, etc …) e agora não comenta independencia do MP, liberdade de imprensa e BA em universidade”.
Moro assume, as reclamações aumentam
Fotos: Mauro Pimentel/AFP/Getty Images
Na noite do segundo turno, antes de ser anunciado o resultado, procuradores da Lava Jato e outros membros do MPF se mostraram irritados no grupo BD com a esposa de Moro. Mesmo depois de o ex-juiz já ter “cumpriment[ado] o eleito”, Rosângela comemorou explicitamente a vitória de Bolsonaro em suas redes sociais:
28 de outubro de 2018 – grupo BD
Alan Mansur PRPA – 20:21:05 – Esposa de Moro comemorando a vitória de Bolso nas redes
José Robalinho Cavalcanti – 20:21:29 – Erro crasso.
José Robalinho Cavalcanti – 20:22:09 – Compromete moro. E muito
Janice Agostinho Barreto Ascari – 20:25:30 – Moro já cumprimentou o eleito. Como perde a chance de ficar de boa, pqp
Luiz Fernando Lessa – 20:25:56 – esse povo do interior
Luiz Fernando Lessa – 20:26:02 – é muito simplório
Confirmada a vitória de Bolsonaro, o procurador Luiz Fernando Lessa ironizou a ânsia de Moro em fazer parte do governo. Ainda no grupo BD, ele se dirigiu ao então presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti: “Robalinho, já tem lugar na posse, do lado do Mourão? Com as tuas medalhas?”
As críticas à parcialidade e ao partidarismo do juiz foram se intensificando à medida que a especulação acerca de um cargo para Moro no governo Bolsonaro aumentava. Comentando uma postagem do site O Antagonista, que tratava de uma suposta intenção de Bolsonaro de nomear Moro ao STF e integrar a força-tarefa ao governo sob um “conselhão” a ser presidido por Deltan Dallagnol, o procurador Paulo Galvão reclamou no grupo Filhos do Januario 3: “impressionante como toda vez que moro fala fora dos autos fala bobagem.” Quando Laura Tessler respondeu com uma defesa moderada de Moro (“Ele quis estancar os boatos, mas sem fechar as portas”), Jerusa Viecili respondeu: “o ‘sem fechar as portas’ é que é perigoso para um juiz.”
No dia 31 de outubro, véspera do anúncio, a preocupação dos procuradores deu lugar à raiva e até pânico quando foi postado no grupo Winter is Coming um artigo de O Globo com a notícia que Moro viajaria ao Rio de Janeiro para um encontro com Bolsonaro na casa do presidente recém-eleito. Enquanto o sempre leal Deltan defendia Moro sozinho, os outros procuradores manifestavam sua indignação:
31 de outubro de 2018 – Winter is Coming
Janice Ascari – 08:06:11 – Moro se perdeu na vaidade. Que pena.
João Carlos de Carvalho Rocha – 08:10:31 – Ele se perdeu e pode levar a Lava Jato junto. Com essa adesão ao governo eleito toda a operação fica com cara de “República do Galeão”, uma das primeiras erupções do moralismo redentorista na política brasileira e que plantou as sementes para o que veio dez anos depois.
Às 9h36, Ascari completaria, no mesmo grupo: “Se Moro topar ser MJ, para mim será a sinalização de estar de olho na próxima campanha presidencial.”
Simultaneamente, o assunto mobilizava o grupo Filhos do Januario 3.
31 de outubro de 2018 – Filhos do Januario 3
Jerusa Viecili – 08:48:20 – Espero que não seja verdade
Jerusa Viecili – 08:48:20 – https://glo.bo/2JrHJrR
Deltan Dallagnol – 08:51:47 – Ótima decisão pras leniências tb
Deltan Dallagnol – 08:52:47 – Ele vai checar lá. Ficou 1 ano sozinho. Acho que pessoal será sensível, mas veremos
Deltan Dallagnol – 08:54:16 – Acho que não vai converter nem desconverter ng do que já acha sobre a LJ, nesse ponto
Jerusa Viecili – 08:55:38 – Não é sobre converter as pessoas. É sobre preservar a LJ.
Laura Tessler – 08:57:25 – Tb acho péssimo. MJ nem pensar… além de ele não ter poder para fazer mudanças positivas, vai queimar a LJ. Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto… se juntar a ele vai queimar o Moro
Jerusa Viecili – 08:59:58 – E queimando o moro queima a LJ
Isabel Groba – 09:18:58 – É realmente péssimo. O nome da LJ não pode ser conspurcado.
Andrey Mendonça – 09:19:27 – Para ministro do stf, acho otimo. Para ministro da justiça acho que vai dar azo – com razão – a argumentos de politização da lava jato.
Andrey Mendonça – 09:20:24 – Lembro de um promotor italiano em um artigo q falava sobre maos limpas. Terminava dizendo: e nunca entrem na política
Isabel Groba – 09:22:30 – Isso! E pra ser Ministro do STF precisa abrir vaga. Então, ainda que em futuro próximo, isso ficaria para um momento posterior. E, depois, como Ministro pode rechaçar medidas reacionárias que venham.
Isabel Groba – 09:23:17 – Como Ministro do STF
À medida que apareciam na imprensa as notícias de que Moro estava negociando com Bolsonaro um superministério com poderes expandidos, o procurador Ângelo Augusto Costa chamou a atenção do grupo BD para o precedente perigoso que estava sendo criado: “Não eh muita coisa? Acho que o próprio Bolsonaro vai ficar com medo. Rs. Isso sem falar de quem vem depois. Moro, ok, mas nada eh eterno. Esse super MJ pode virar uma máquina de perseguição política.”
Mesmo os poucos defensores que o juiz ainda tinha passaram a admitir o que era antes impensável assim que a notícia de que ele havia aceitado o ministério se espalhou: as constantes reclamações do PT – de perseguição por parte da Lava Jato e de partidarismo e motivação política por parte de Moro – ganhariam credibilidade, e que todo o trabalho da Lava Jato seria contaminado pela aventura política de Moro:
1º de novembro de 2018 – grupo BD
Monique Cheker – 10:50:46 – Um general da ativa não teria “argumento de autoridade” para atropelar o sistema acusatório. Moro fará com diploma em Harvard e com o nome da lava jato.
Monique Cheker – 10:51:23 – Mas concordo com a fala de Robalinho de que já passamos coisas piores
Janice Ascari – 10:55:15 – Moro aceitou
Janice Ascari – 10:55:19 – https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/moro-aceita-ministerio/?utm_source=twitter:newsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-sociais:112018:e&utm_content=:::&utm_term=
Luiza – 10:56:16 – Moro aceitou
Alan Mansur – 10:57:25 – GloboNews diz que Moro aceitou e fará uma nota daqui a pouco
Monique Cheker – 11:00:03 – Pessoal da AGU surtando…
Monique Cheker – 11:00:03 – “@onyxlorenzoni Deputado. A AGU é função essencial à Justiça prevista na CF. Não precisa ser vinculada a nenhum ministério. @jairbolsonaro”
Monique Cheker – 11:00:03 – TT que estão espalhando
Ângelo Augusto Costa – 11:00:39 – De alegria, né?
Ângelo Augusto Costa – 11:00:51 – Próximo passo eh lista tríplice
Alan Mansur – 11:00:56 – Tem toda a técnica e conhecimento para ser um excelente ministro da Justiça. E tentar colocar em prática tudo que ele acredita. Porém, o fato de ter aceitado, neste momento, entrar na política e desta forma, é muito ruim pra imagem de imparcialidade do sistema de justiça e MP em geral.
Alan Mansur – 11:01:59 – Será ainda mais marcado por parcialidade. E sempre ficará o comentário, Moro fez tudo isso para assumir o poder.
Alan Mansur – 11:02:46 – Pelo lado da técnica, ele será um excelente Ministro e acho que vai ajudar em muito a organização do sistema. Mas teremos que lidar com esta crítica constante
Minutos depois, os procuradores do grupo BD começaram a se preocupar em como a nomeação de Moro serviria de munição para o PT contra a Lava Jato. “Acho que o PT deve estar em festa agora, para justificar todo o discurso deles”, escreveu Alan Mansur. Peterson de Paula Pereira, procurador da República no Distrito Federal, disse que a decisão de Moro mostrava como ele atuava contra o ex-presidente Lula: “Fica claro que ele tinha Lula como troféu”. Para Monique Cheker, o movimento do ex-juiz passava uma imagem de que ele estava fazendo uma “escadinha” política com a Lava Jato:
1º de novembro de 2018 – grupo BD
Monique Cheker – 11:27:01 – Diferente se fosse ao STF direto. Seria perfeito. Políticos precisam obedecer prazos de desincompatibilidade. Por que não juízes e membros do MP? O distanciamento é importante numa república. Não basta ser honesto, tem que parecer honesto. Enfim.
Alan Mansur 11:28:04 – [imagem não encontrada]
Monique Cheker – 11:28:23 – E a “escadinha” disso tudo foi terrível: Moro ajudou a derrubar a esquerda, sua esposa fez propaganda para Bolsonaro e ele agora assume um cargo político. Não podemos olhar isso e achar natural
Em 6 de novembro, dias depois de Moro ter aceitado o convite, mesmo Deltan Dallagnol, o procurador mais leal a Moro, confessou estar preocupado com os danos causados à reputação e à credibilidade do trabalho realizado por cinco anos pela operação Lava Jato. Ele e a procuradora Janice Ascari concordaram em uma conversa entre os dois que a conduta de Moro gerava “uma preocupação sobre alegações de parcialidade que virão”. Mesmo assim, os dois continuariam a defendê-lo.
6 de novembro de 2018 – chat privado
Deltan Dallagnol – 11:50:41 – Jan, não sei qual sua posição sobre a saída do Moro pro MJ, mas temos uma preocupação sobre alegações de parcialidade que virão. Não acredito que tenham fundamento, mas tenho medo do corpo que isso possa tomar na opiniã pública. Na minha perspectiva pessoal, hoje, Moro e LJ estão intimamente vinculados no imaginário social, então defender o Moro é defender a LJ e vice-versa. Ainda que eu tenha alguma ponderação pessoal sobre a saída dele, que fiz diretamente a ele, é algo que seria importante – se Vc concordar – defender… Quanto à delação do Palocci, tema em que podem entrar, expliquei essa questão na minha entrevista da Folha de umas semanas atrás, não sei se chegou a ver, então mando aqui… bjus
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/deltan-dallagnol-critica-discurso-hipocrita-a-favor-da-lava-jato.shtml
Janice Ascari – 12:55:05 – Oi querido, nosso pensamento é convergente. Também me preocupo com esse aspecto da parcialidade dele, porque põe em dúvida, também, o trabalho do MPF. Pretendo, além de, claro, defender a LJ como sempre faço (até quando não concordo com algumas coisas rsrs), mostrar que o Ministério da Justiça tem muita coisa com que se preocupar além da LJ, que continuará com Moro ou sem Moro.
Num outro grupo integrado por procuradores e assessores de imprensa da força-tarefa no Paraná, um dos jornalistas revela que Carlos Fernando dos Santos Lima “torcia” para que Moro recusasse o convite do presidente de extrema-direita: “CF mesmo, disse estar torcendo pra ele não aceitar”. “Creio que o que eu tinha para falar, já está falado. Agora é rezar para que ele não aceite”, prosseguiu Santos Lima, de acordo com o relato de seu assessor.
Em resposta a nossos contatos, o porta-voz da força-tarefa da Lava Jato enviou o que já se tornou sua resposta padrão, evitando qualquer comentário sobre o conteúdo da reportagem e preferindo insinuar falsa e levianamente que as conversas podem não ser autênticas: “O trecho do material enviado à Força-Tarefa não permite constatar o contexto e a veracidade do conteúdo. Autoridades públicas foram alvo de ataque hacker criminoso, o que torna impossível aferir se houve edições no material alegadamente obtido. A Lava Jato é sustentada com base em provas robustas e em denúncias consistentes, analisadas e validadas por diferentes instâncias do Judiciário. Os integrantes da Força-Tarefa pautam suas ações pessoais e profissionais pela ética e pela legalidade.”
A procuradora Monique Cheker disse que “não tem registro da mensagem enviada e, portanto, não reconhece a suposta manifestação”. “A procuradora ainda afirma que são públicas e notórias as incontáveis manifestações de apoio à operação Lava Jato e ao então juiz Sérgio Moro”, acrescentou sua assessoria. O procurador regional da República Luiz Fernando Lessa esclareceu que, desde recentes ataques ao Telegram, não possui mais o aplicativo nem as mensagens trocadas por meio dele, de modo que não reconhece as mensagens. Demais procuradores que não fazem parte da força-tarefa foram procurados e não responderam até a publicação deste texto. Eventuais comentários serão publicados se forem enviados ao Intercept.
O Intercept publicou a primeira reportagem sobre a #VazaJato há menos de três semanas. Desde então, o trabalho jornalístico realizado pelo Intercept – bem como pela Folha de S.Paulo e pelo jornalista Reinaldo Azevedo, da BandNews – demonstrou de forma clara que Sergio Moro violou repetidamente as normas éticas da magistratura, não exercendo seu poder judicial “pautado pela ética e pela legalidade”, mas cometendo diversos desvios éticos e atropelando os procedimentos legais.
Ao passo que essas revelações chocaram boa parte dos brasileiros, a imagem que emerge das conversas é que, entre os procuradores, o comportamento antiético e politizado de Moro já era há muito conhecido. Quando ficou claro que os desvios de Moro poderiam causar prejuízos ao trabalho da força-tarefa, os procuradores passar a expressar suas críticas – ao menos quando pensavam estar falando de forma privada – de forma bastante clara, sincera e raivosa.
Correção em 29 de junho de 2019, 9h40
Devido a um erro de digitação, marcamos uma conversa do grupo BD como se ele tivesse ocorrido em 1º de novembro de 2019, quando, na verdade, a data era 1º de novembro de 2018. Isso já foi corrigido.
Correção: 29 de junho de 2019, 10h30
A primeira versão desse texto indicava que a procuradora Monique Checker atua no Ministério Público Federal em Barueri e Osasco, São Paulo. Na verdade, ela trabalha no Ministério Público Federal de Petrópolis, RJ. Isso já foi corrigido.
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Foto: Marlene Bergamo/Folhapress.Foto: Marlene Bergamo/Folhapress.
A Vaza Jato é um abalo na extrema direita: só se derrota o autoritarismo desnudando suas entranhas
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A Vaza Jato tem trazido à tona a falta de ética e a parcialidade presentes na mais importante operação anticorrupção da história do Brasil. Não é novidade para ninguém que conchavos e relações corruptas institucionais atravessam o sistema político e legal brasileiro. O que surpreende, contudo, é até onde uma parte da população e da sociedade civil está disposta a compactuar com a imoralidade. Como disse recentemente o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro em seu Twitter, é a tragédia da verdade: “ainda que eles não possam impedir que a verdade seja revelada, eles podem fazer com que ela tenha pouca ou nenhuma consequência”.
A Vaza Jato atua como um divisor de águas no plano moral. Se por algum tempo foi possível se apegar a um verniz de honestidade e às boas intenções da operação, as conversas vazadas não deixam dúvidas de que houve conluio na prisão de Lula. Aqueles que ainda sustentam o argumento de que a atuação de Sergio Moro no processo se deu dentro da normalidade – ou que compram a tese do ex-juiz de que toda a repercussão das conversas é puro “sensacionalismo” – estão fazendo uma opção ética e política de não abandonar o barco.
Minhas lições diárias sobre como um tipo de brasileiro mediano reage diante das informações Vaza Jato vem do grupo de WhatsApp do meu condomínio. Diferentemente de outros grupos bolsonaristas que participei no passado para fins acadêmicos, o grupo do prédio me parece um bom termômetro, pois reúne pessoas de camadas médias de vários posicionamentos políticos.
Os fins justificam os meios sujos da Lava Jato porque, há tempos, a questão em jogo não é a justiça, mas um comportamento de torcida marcado pelo fanatismo em uma cruzada do “bem” contra o “mal”.
No grupo, abundam mensagens de Moro como justiceiro que fez o que tinha que fazer para detonar “a quadrilha”. No país em que linchamentos ainda ocorrem com frequência e que execuções da polícia são aplaudidas pelo presidente eleito, não deveria surpreender que a Lava Jato seja vista por muitos como um aparato justiceiro personalista. Na sanha antipetista, quanto mais vazam conversas que demonstram a parcialidade de Moro, mais se admira o herói que age sozinho contra o PT e o Lula desenhados, nos últimos anos, como os responsáveis por todos os males do país.
No livro “Como Morrem as Democracias”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt nos lembram que quando demagogos e autoritários governam um país o que resta das instituições democráticas é apenas uma carcaça: por dentro foi tudo corroído por políticos que intimidam a imprensa, rejeitam o resultado das eleições e tratam rivais como terroristas a serem eliminados.
Por fora, a atuação de Sérgio Moro na Lava Jato é instrumento democrático anticorrupção de transparência política, mas, por dentro, se revela como um mecanismo de erosão da democracia, do esgotamento dos parâmetros legais, do ataque à imprensa livre e da justaposição de valores ideológicos que visam punir oponentes e proteger aliados.
Mas a casa caiu. E até a carcaça democrática – na qual boa parte da imprensa hegemônica se apegava para defender a operação – colapsou. Por muito tempo, o Jornal Nacional, por exemplo, podia alegar neutralidade na cobertura da operação, cuja lisura se colocava acima de qualquer suspeita. Sob o ponto de vista político e legal, sempre houve reivindicações de que o processo de Lula era ideológico, mas é igualmente verdade que juristas estavam divididos na interpretação de evidências do caso. Tal suposta postura de imparcialidade agora não é mais possível de ser mantida porque os diálogos estão acessíveis a todos. E os espectadores podem ver com mais clareza as opções editoriais, o que é dito, como é dito e, principalmente, o que não é dito.
Leia nossa cobertura completaAs mensagens secretas da Lava JatoMinhas lições diárias sobre como um tipo de brasileiro mediano reage diante das informações Vaza Jato vem do grupo de WhatsApp do meu condomínio. Diferentemente de outros grupos bolsonaristas que participei no passado para fins acadêmicos, o grupo do prédio me parece um bom termômetro, pois reúne pessoas de camadas médias de vários posicionamentos políticos.
Os fins justificam os meios sujos da Lava Jato porque, há tempos, a questão em jogo não é a justiça, mas um comportamento de torcida.No grupo, parece persistir um acordo tácito da imoralidade, que ignora o conteúdo das conversas e defende Sergio Moro a qualquer preço. A lógica desses fiéis escudeiros é totalmente contraditória: os mesmos que dizem que os fins justificam os meios (tudo bem fazer uns acordos por Telegram para prender “uma organização criminosa” – o PT) não dão credibilidade à Vaza Jato e ao conteúdo nefasto por ela revelado justamente por acreditar que os “meios” são ilegais e criminosos – mesmo que o Intercept nunca tenha revelado sua fonte.
Os fins justificam os meios sujos da Lava Jato porque, há tempos, a questão em jogo não é a justiça, mas um comportamento de torcida marcado pelo fanatismo em uma cruzada do “bem” contra o “mal”.
No grupo, abundam mensagens de Moro como justiceiro que fez o que tinha que fazer para detonar “a quadrilha”. No país em que linchamentos ainda ocorrem com frequência e que execuções da polícia são aplaudidas pelo presidente eleito, não deveria surpreender que a Lava Jato seja vista por muitos como um aparato justiceiro personalista. Na sanha antipetista, quanto mais vazam conversas que demonstram a parcialidade de Moro, mais se admira o herói que age sozinho contra o PT e o Lula desenhados, nos últimos anos, como os responsáveis por todos os males do país.
No livro “Como Morrem as Democracias”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt nos lembram que quando demagogos e autoritários governam um país o que resta das instituições democráticas é apenas uma carcaça: por dentro foi tudo corroído por políticos que intimidam a imprensa, rejeitam o resultado das eleições e tratam rivais como terroristas a serem eliminados.
Por fora, a atuação de Sérgio Moro na Lava Jato é instrumento democrático anticorrupção de transparência política, mas, por dentro, se revela como um mecanismo de erosão da democracia, do esgotamento dos parâmetros legais, do ataque à imprensa livre e da justaposição de valores ideológicos que visam punir oponentes e proteger aliados.
Mas a casa caiu. E até a carcaça democrática – na qual boa parte da imprensa hegemônica se apegava para defender a operação – colapsou. Por muito tempo, o Jornal Nacional, por exemplo, podia alegar neutralidade na cobertura da operação, cuja lisura se colocava acima de qualquer suspeita. Sob o ponto de vista político e legal, sempre houve reivindicações de que o processo de Lula era ideológico, mas é igualmente verdade que juristas estavam divididos na interpretação de evidências do caso. Tal suposta postura de imparcialidade agora não é mais possível de ser mantida porque os diálogos estão acessíveis a todos. E os espectadores podem ver com mais clareza as opções editoriais, o que é dito, como é dito e, principalmente, o que não é dito.
Semana passada, Sergio Moro declarou, em sessão no Senado Federal, que não havia pedido afastamento da procuradora Laura Tessler da equipe da audiência com Lula. Moro reclamou ao chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, que o desempenho em inquirições de Tessler não era bom, e Dallagnol encaminhou o comentário ao procurador Carlos Fernando Lima, conforme revelou o jornalista Reinaldo Azevedo, em parceria com o Intercept. Laura Tessler deixou o caso Lula após a troca de mensagens. Na repercussão dos diálogos, o Jornal Nacional optou por omitir o fato mais importante da história: Tessler foi, sim, afastada do depoimento. A emissora está fazendo uma opção – que não é inédita na história – em apoiar o autoritarismo.
O problema de posicionamentos como o do Jornal Nacional é que eles são também responsáveis não apenas pela apatia moral do grupo do WhatsApp do condomínio, como também pelas hordas fanáticas bolsonaristas. São responsáveis por não fazer nada para barrar o crescimento desses grupos.
Ao observar a repercussão da Vaza Jato, não me restam dúvidas de que o maior desafio que hoje tempos no campo progressista é conseguir medir a extensão do núcleo duro bolsonarista. É justamente esse núcleo, disposto a tudo em sua saga ensandecida contra o “mal”, que precisa retrair e voltar a ser inexpressivo.
Disputar não significa brigar com o vizinho que enviou o meme de Moro herói no condomínio, mas conseguir falar com aquele que não respondeu. É tentar atingir milhões de brasileiros que podem não ter conhecimento formal acerca do papel dos operadores do direito, mas que entendem que juiz deveria ser imparcial. É para essas pessoas que precisamos falar.
Disputa se faz com informação. Otimista incurável que sou, penso que a Vaza Jato é um antídoto contra o autoritarismo, que hoje se fortalece por meio de táticas que incluem uma ampla cooperação entre diversos meios. Se a estrutura institucional legal está sendo corroída aos poucos, é também a conta-gotas que o conteúdo das conversas vai sendo divulgado, reconquistando a confiança no jornalismo e ajudando a formar um cordão democrático que revele a verdade e ajude a reconstruir a parte do tecido social que foi rompida nos últimos anos.
O problema de posicionamentos como o do Jornal Nacional é que eles são também responsáveis não apenas pela apatia moral do grupo do WhatsApp do condomínio, como também pelas hordas fanáticas bolsonaristas. São responsáveis por não fazer nada para barrar o crescimento desses grupos.
Ao observar a repercussão da Vaza Jato, não me restam dúvidas de que o maior desafio que hoje tempos no campo progressista é conseguir medir a extensão do núcleo duro bolsonarista. É justamente esse núcleo, disposto a tudo em sua saga ensandecida contra o “mal”, que precisa retrair e voltar a ser inexpressivo.
Otimista incurável que sou, penso que a Vaza Jato é um antídoto contra o autoritarismo.Só é possível derrotar a extrema direita constrangendo-a e a deixando isolada. Desnudar as artimanhas do ministro da Justiça – que até então conseguia ainda manter uma aura de lisura ética – é uma arma fundamental nessa batalha que visa a disputar politicamente quem ainda é disputável. É para essas pessoas que precisamos falar.
Disputar não significa brigar com o vizinho que enviou o meme de Moro herói no condomínio, mas conseguir falar com aquele que não respondeu. É tentar atingir milhões de brasileiros que podem não ter conhecimento formal acerca do papel dos operadores do direito, mas que entendem que juiz deveria ser imparcial. É para essas pessoas que precisamos falar.
Disputa se faz com informação. Otimista incurável que sou, penso que a Vaza Jato é um antídoto contra o autoritarismo, que hoje se fortalece por meio de táticas que incluem uma ampla cooperação entre diversos meios. Se a estrutura institucional legal está sendo corroída aos poucos, é também a conta-gotas que o conteúdo das conversas vai sendo divulgado, reconquistando a confiança no jornalismo e ajudando a formar um cordão democrático que revele a verdade e ajude a reconstruir a parte do tecido social que foi rompida nos últimos anos.
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Entrevista: ‘Os militares estão num governo de opereta. Eles se submeteram a constantes vexames’, diz pesquisador
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Os estudos de João Roberto Martins Filho são a prova de que, no Brasil, os conflitos se repetem, nunca cessam. Quando ele iniciou o mestrado, nos anos 1970, o país estava sob domínio dos militares e, nas ruas, a oposição mais ruidosa emergia da ala estudantil. Na época jovem acadêmico e fã de História, Martins se interessou pelo tema e se debruçou sobre documentos, entrevistas e livros para entender os grupos de estudantes na ditadura militar. O resultado lhe rendeu tese de mestrado na Unicamp, mas o principal fruto que colheu foi o fascínio pelo plano de fundo da pesquisa: as disputas internas das Forças Armadas do Brasil, assunto pouco explorado na academia.
Nos anos seguintes, Martins Filho se tornou uma referência no tema. Foi ele que, no doutorado, refutou a ideia de que havia apenas dois grupos que explicavam o regime — o moderado, dos castelistas, e o linha-dura. Na sua tese, adotada até hoje por outros estudiosos, mostrou como as divisões internas nas casernas eram numerosas e complexas.
Nos anos seguintes, Martins Filho se tornou uma referência no tema. Foi ele que, no doutorado, refutou a ideia de que havia apenas dois grupos que explicavam o regime — o moderado, dos castelistas, e o linha-dura. Na sua tese, adotada até hoje por outros estudiosos, mostrou como as divisões internas nas casernas eram numerosas e complexas.
Hoje, 25 anos depois, o pesquisador se concentra em atividade similar, mas para tratar do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro. Com adaptações ao método de outrora — agora, além de pesquisas, leituras e conversas, também vasculha redes sociais — ele busca mapear os diferentes interesses entre os militares no poder. Suas conclusões não são animadoras: se, de um lado, o alto escalão do Exército que apoiou Bolsonaro na campanha não está feliz com o governo, de outro, o baixo escalão está insatisfeito com o próprio Exército. Para Martins Filho, não é difícil imaginar que, num cenário de extrema crise, Bolsonaro possa usar de sua influência entre os postos inferiores do Exército para provocar uma revolta, uma inquietação popular.
A percepção do pesquisador tem fundamento: o comportamento errático de Bolsonaro. No mês passado, quando enfrentava sua pior crise de popularidade e via protestos em massa contra os cortes na educação, o presidente apoiou manifestações favoráveis a seu governo que tinham como alvo pilares democráticos como a Câmara dos Deputados e o Superior Tribunal Federal. “Nada impede que, ao se sentir ameaçado, dentro da sua tradicional irresponsabilidade, o presidente também faça acenos para os escalões inferiores do Exército”, conta Martins Filho ao Intercept. “Seria um desastre. E essa possibilidade só existe porque o Exército, em vez de ficar profissionalmente fora da política, decidiu apoiar Bolsonaro.”
Martins Filho acredita que parte da tensão que vivemos agora se deve ao fato de que os militares — sobretudo o Exército — erraram ao voltar ao protagonismo da política. Hoje são oito representantes das Forças Armadas nos ministérios, número maior do que todos os governos da ditadura militar. Para ele, os militares endossaram, em nome do antipetismo, com o claro objetivo de afastar a centro-esquerda do poder, um candidato que, agora percebem, é despreparado para funções básicas do cargo. “Me parece que os militares entraram nesse projeto para criar uma imagem positiva entre a população, mas, na prática, foi um tiro pela culatra”, diz.
Pouco antes do regresso das Forças Armadas ao centro do poder, Martins Filho se concentrava em estudar práticas repressoras da ditadura. Professor titular da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo, ele destrinchava a colaboração do governo da Inglaterra com o do Brasil para criar um aparelho de repressão com salas de tortura no Rio de Janeiro. Com espanto, viu, em 2015, políticos e eleitores de classe média celebrarem a figura do torturador Coronel Brilhante Ustra durante o rito que culminou o impeachment de Dilma Rousseff. Ali percebeu que era hora de mudar seu foco para o presente. “Ninguém pode dizer que a classe média não sabia quem era Bolsonaro”, fala Martins Filho. “Um homem capaz de elogiar tortura, de elogiar ditadura, de dizer que ia metralhar os petistas, expulsar os petistas do Brasil. Todo mundo sabia quem era esse homem. Uma vez eleito com 58 milhões de votos, continuou sendo quem era. E é nesse ponto que estamos.”
Conversei com Martins Filho por uma hora e meia no começo de junho. Ele falou da demissão do general Santos Cruz, da relação do governo com Mourão e outros generais e dos possíveis riscos que Bolsonaro representa à democracia.
Intercept – Qual é o tamanho real da influência do presidente entre os militares?
João Roberto Martins Filho – Com exceção da eleição de 2014, quando teve votação mais expressiva, Bolsonaro sempre se elegeu deputado federal com aproximadamente cem mil votos, não muito mais ou muitos menos do que isso. Foram seis eleições com retrospecto parecido. Seu eleitorado sempre foi a família militar, sargentos e soldados. Ele passou 28 anos falando para esse pessoal. Nesse caminho fez coisas absurdas, como elogiar o governo militar.
No inquérito, o oficial responsável diz que Jair Bolsonaro era um homem de extrema ambição financeira. Não era feito para carreira militar. Mas, como o eleitorado dele era de famílias militares, sempre ficou com pé em cada coisa. Sentia que era militar sendo um político. Uma vez que assume o poder, é o mesmo jogo. Ele pensa, acima de tudo, nele próprio. Interessa a ele manter a corte de militares na medida que fortaleça o poder dele. Quando tentam controlá-lo, ele mobiliza outro setor, o da extrema direita. O que acho errado é chamar essa ala de extrema direita de ideológica. Ideológico todos eles são. O que levou todos a apoiar o Bolsonaro foi o antipetismo.
Durante as eleições, as Forças Armadas demonstraram apoio a Bolsonaro. Muitos oficiais fizeram até campanha. Você diria que hoje a relação entre as duas partes não é tão sólida quanto parecia na época das eleições?
A questão fundamental era afastar a centro-esquerda, e Bolsonaro conseguiu. Quase perdeu a eleição, mas conseguiu. Se não houvesse acontecido o atentado em Juiz de Fora durante a campanha, não sabemos o que poderia acontecer. O fato é que, uma vez entendido que ele era a única opção para afastar a centro-esquerda, os oficiais engoliram muitas coisas. A sucessão de fatos que veio depois, porém, é lastimável. É impossível achar que oficiais da Aeronáutica, da Marinha e do Exército não se incomodem com as declarações e as posturas do presidente, nem que não sejam mais inteligentes do que Bolsonaro.
Sinto que há oficiais que ridicularizam algumas bandeiras como esta última de Bolsonaro, a de transformar Angra dos Reis numa Cancun. Como que alguém com mínimo de inteligência pode achar que isso é a bandeira de um Presidente da República? Então acho que, ao apoiar Bolsonaro como alternativa para derrotar centro-esquerda, os militares deram um crédito de confiança, mas, desde então, ele tem se revelado um presidente que envergonha o país. Isso também tem efeito dentro das Forças Armadas.
De onde vem o antipetismo das Forças Armadas? Em recente entrevista à Folha de S.Paulo e ao El País, Lula mencionou que modernizou instalações, que comprou equipamentos para os militares e que tinha bom diálogo com os oficiais. Quando a situação começou a ficar hostil para os petistas dentro das casernas?
O antipetismo é uma atitude irracional de parte dos setores da Forças Armadas, principalmente do Exército. Como tal, tem uma série de motivações. Eu diria que as Forças Armadas aderiram ao moralismo de classe média na luta anticorrupção, como se tivessem finalmente achado o motivo de toda a corrupção do país no PT. Por outro lado existe o preconceito de classe média que nunca foi resolvido, mesmo na época de boa popularidade de Lula, que nunca admitiu que um trabalhador chegasse à presidência da República, embora durante o governo de Lula e de parte do governo de Dilma as Forças Armadas tenham se adaptado à direção civil por meio do Ministério da Defesa.
Hoje tanto Bolsonaro quanto os ministros afirmam que não existe uma ala militar no governo. Você, ao contrário, parece entender que não só há uma óbvia ala militar como ela também possui conflitos internos. Quais são os motivos de rusgas?
No governo militar, sempre se procura dizer que os militares atuam unidos. Hoje é a mesma coisa. Você nunca vai ver um militar reconhecer que há conflitos, “partidos”, digamos assim. Mas o fato dos generais falarem sempre à imprensa significa que eles assumiram papel fundamental no governo Bolsonaro. Então, a primeira constatação é que houve, infelizmente, uma volta dos militares à política. Esse retorno foi organizado pelo então comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas (ele ocupou o cargo de 5 fevereiro de 2015 a 11 de janeiro de 2019).
Você percebe essa intenção pelas declarações que ele começou a dar depois da queda da Dilma Rousseff em 2016. Quando ela caiu, houve uma mudança de postura do Exército. O Exército aderiu institucionalmente à candidatura Bolsonaro. Os militares que hoje estão no governo formam uma ala militar, queiram ou não. A segunda constatação é que, ao se tornar parte do governo, eles inevitavelmente entram na luta política. Todo o governo tem luta política interna. O que não está claro é como eles vão se acomodar a esse conflito externo, com a ala civil.
Os militares precisam se adaptar ao conflito com a ala de Olavo de Carvalho, você diz?
Isso. Mesmo que os militares não quisessem ser uma ala militar, há uma ala civil, uma ala de extrema direita, a que segue os ensinamentos de Olavo de Carvalho — a exemplo dos filhos de Bolsonaro e o ministro das relações exteriores —, que está medindo força há meses com a ala militar. Ultimamente, resolveram ficar quietos, mas é algo que não deve durar muito. Pois é só essa ala civil perceber alguma influência maior dos militares que vão voltar a atacar.
E entre os próprios militares, por trás do falso discurso de unidade, há grandes conflitos?
A questão é saber se os militares do alto comando, mais profissionais e pouco envolvidos em política, vão se distanciar do governo Bolsonaro com o desenrolar do processo político. Poderia haver, assim, um distanciamento entre os militares que são muito próximos ao Bolsonaro, palacianos, e os militares da ativa. Outro problema do Exército é saber se o Bolsonaro, em algum momento, vai precisar usar as bases políticas dele. Isso significaria também apelar às forças inferiores do Exército. Aí já houve sinais de que pode haver algum tipo de inflamação, principalmente nas redes sociais. Isso se Bolsonaro se sentisse ameaçado. Não sabemos se isso acontecerá ou não.
Existe o risco de uma revolta de baixas patentes inflamada pelo próprio Bolsonaro?
É uma situação extrema. Só surgiu a ameaça quando os militares divulgaram o que chamaram de versão da reforma da previdência militar. Muitos ali perceberam que era, na verdade, um projeto de reestruturação de carreira. Essa postura pegou muito mal nos postos de major pra baixo, porque não trazia benefícios para os oficiais e praças e sargentos, trazia apenas para os postos mais altos. Houve um surto de manifestações nas redes sociais desses setores inferiores. Sabemos disso porque o comandante do Exército foi obrigado a se manifestar.
Há uma latência e uma contradição desses fatores que ficaram claras nesse episódio da reforma. Os militares, principalmente sargentos, também têm queixas constantes sobre como os oficiais usam sargentos e soldados para fazerem serviços pessoais. Isso pega muito mal. Muitos deles atuam como empregados domésticos sendo militares. O Bolsonaro sabe explorar essa revolta muito bem. É isso que está em jogo, e muitas pessoas não sabem disso. Para virar uma rebelião, seria numa situação extrema, algo que não estamos vendo agora. Mas é uma potencialidade. Bolsonaro pode apelar para o eleitorado dele, composto sobretudo pelo baixo escalão, e acontecer alguma rebelião. O primeiro eleitorado dele é essa turma, a oficialidade baixa, os sargentos, que não tinham como se expressar e se expressavam através dele.
Qual seria o estrago dessa revolta de baixa patente?
Seria o pior dos estragos. Já há um estrago: o fato de que os militares foram levados ao centro da vida política. Foram xingados e atacados como nunca tinham sido em outro governo, desses que ele, Bolsonaro, vive atacando. Nos últimos 24 anos, nenhuma autoridade desses governos — FHC, Lula e Dilma — ofendeu generais em público como aliados do Bolsonaro fizeram. O pior dos estragos seria mexer com a hierarquia dentro das Forças Armadas. Como o governo é populista, que morde e depois assopra, capaz de articular pressões em protestos, como fizeram com Rodrigo Maia no último dia 26, com bonecos e tudo, nada impede que, ao se sentir ameaçado, dentro da sua tradicional irresponsabilidade, o presidente também faça acenos para os escalões inferiores do Exército. Isso seria um desastre. E essa possibilidade só existe porque o Exército, em vez de ficar profissionalmente fora da política, decidiu apoiar Bolsonaro.
Que impacto poderia ter a reforma da previdência dos militares?
É uma incógnita, eles não só se desprestigiaram muito ao tentar escapar da reforma da previdência, como também criaram uma divisão. Conversei com militares da reserva em relação a essa proposta e, entre os que estão de major pra baixo e os que estão acima de major, não se sabe como vai estar. O tema desapareceu. Quando o tema voltar, vamos ver a repercussão.
Qual o interesse da entrada do Exército na política? O que interessa a eles agora que estão lá?
O Exército nunca perdeu ideia de que é uma espécie de pai da nação. E sempre se referiu ao artigo 142 da Constituição, que fala da Garantia da Lei e da Ordem, interpretando-o como se dissesse que, em último caso, a Constituição permite uma intervenção. O fato é que não, a Constituição não permite. Ela permite intervenção militar em locais determinados por solicitação de um dos poderes da República, nunca a Constituição permitiria que os militares viessem para salvar a pátria.
Na prática, nada disso aconteceu. Os militares estão num governo de opereta. Eles se submeteram a constantes vexames. Além de serem xingados, Bolsonaro arrastou o Exército e as Forças Armadas para comemorar o Golpe de 64. Isso foi transmitido para todo mundo, não era o que os militares queriam. O Exército sempre fez isso discretamente. Ele associou os militares à ditadura militar, o que foi um golpe baixo. Então, me parece que os militares entraram nesse projeto para criar uma imagem positiva entre a população, mas, na prática, foi um tiro pela culatra.
No caso da Aeronáutica e da Marinha, os interesses são outros?
Hoje você tem uma aberração que é o general como ministro da Defesa. Quando foi criado o Ministério da Defesa, o maior medo da Marinha era que caísse na mão do Exército. Porque o ministério foi criado para ser civil. Então, a Marinha engoliu o ministério, mas não apoiava. Uma vez criado o ministério da Defesa, houve muitas quedas de ministros, mas surgiu uma cultura de comando civil dos militares. A primeira coisa é essa. Nessa onda conservadora, tanto na Marinha quanto na Aeronáutica, a grande maioria votou em Bolsonaro, mas os comandos das duas percebem que o Exército está tendo um papel que sempre, historicamente, acharam exagerado, o de salvador da pátria. A Marinha recusa retoricamente esse papel. Depois, a Marinha também tem um projeto enorme, o do submarino nuclear, e a Força Aérea tem um projeto muito grande também, tecnológico, o dos caças suecos. São projetos que vão se estender por muitos anos, vão acabar quando não tiver mais governo Bolsonaro. Eles percebem que é perigosa a associação a um governo específico. Isso não quer dizer que não tenham entrado na onda conservadora e apoiado a candidatura Bolsonaro. Se você observar, o governo também tem almirantes, brigadeiros e coronéis, mas são pessoas que estão em cargos burocráticos e em quantidade bem menor do que em relação ao Exército. Na verdade, o que ocorre é que o governo Bolsonaro é associado a generais, não a almirantes ou brigadeiros. Nessa altura, então, a Marinha e a Força Aérea devem achar que fizeram bem. É um governo errático.
Como você avalia a atuação do Ministério da Defesa nesses primeiros meses de governo? Está sendo como o esperado?
A criação do ministério (ocorrida em 1999) foi um avanço nas relações entre civis e militares, inegavelmente, com todos os problemas. Tenho esperança que, com o passar do tempo, prepondere lá e no comando do Exército uma visão mais realista do que é o governo Bolsonaro e, assim, ocorra algum recuo para o profissionalismo. Tenho conversado com oficiais da reserva, que acabaram de sair, inclusive, e alguns deles, os mais lúcidos, consideram que a conta do fracasso do governo Bolsonaro vai ser jogado em cima do Exército. Isso é muito ruim para a imagem deles. Embora o Exército diga que é sempre bem avaliado na pesquisa de opinião pública, houve, pela primeira vez desde 1985, uma queda de popularidade na última pesquisa.
Visto de fora, pelo Twitter e pelas declarações dos olavistas, o general Hamilton Mourão atua como uma espécie de indesejado contraponto à ideologia bolsonarista. Era esperado que ele agisse assim? Faz parte da estratégia de Bolsonaro ou Mourão está, de fato, incendiando as articulações do governo?
Acho que existe uma contradição. O Mourão se coloca como alternativa se o governo Bolsonaro não der certo. Como ele também foi eleito, não pode ser demitido. Bolsonaro já deixou claro que demite sem escrúpulos, o que é uma característica da política no Brasil. Mas, veja, o Mourão declarou que tinha oito assessores antes do mandato. Ele elabora projetos e programas, ele foi treinado pra não soar como aquele general rude e ignorante. O Mourão passou a ter imagem de alguém equilibrado, que faz contraponto às barbaridades que Bolsonaro fala.
Como você avalia a relação entre Bolsonaro e Mourão? Mourão, embora vice, é mais respeitado pelas Forças Armadas do que o presidente. Ele não parece ser um cara muito submisso…
O Roberto Requião, que foi muito importante no parlamento, fez um perfil psicológico do Bolsonaro como deputado de baixo clero que passou por inúmeros partidos e que era uma pessoa que tava sempre reagindo a qualquer pessoa que era mais capacitada do que ele. Ele tinha uma insegurança básica. Pode-se dizer que o Congresso inteiro é mais capacitado do que o Bolsonaro. Foi uma falha, aliás, não terem cassado o mandato dele por falta de decoro parlamentar. Havia base para isso. Então, a atitude do Bolsonaro com o Mourão, muito diferente de FHC com seu vice, de Lula com seu vice, até de Dilma com seu vice, ainda que este caso seja bem complexo, é justamente o medo de que o Mourão passe a perna nele. Isso nos leva a crer que ele é profundamente inseguro. Ele e os filhos acham que a rasteira está perto. O Mourão, para ele, é uma espécie de sombra, alguém que pode dar facada nas costas a qualquer momento. Ele não pode brigar com Mourão, porque ele é um fantasma pra ele e pros aliados mais próximos.
Na sessão de votação pelo impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro fez uma saudação a Brilhante Ustra, um dos responsáveis por torturar pessoas na época da ditadura. Durante as eleições também vimos apoiadores do político usarem camisetas de Ustra. Como o senhor avalia essa normalização ou relativização de um comportamento abominável, como o ato de tortura, por parte de um chefe de estado e de muitos que o elegeram?
É evidente, está mais do que provado, até por inúmeras fontes absolutamente incontornáveis, que houve tortura no Brasil. Execuções, atos bárbaros, assassinatos e desaparecimentos, não há como negar. Há um documento oficial, um relatório da Comissão da Verdade. A coisa mais gritante é que Bolsonaro foi aplaudido pela classe média que tava assistindo à sessão do impeachment na Avenida Paulista. Ninguém pode dizer que a classe média não sabia quem era Bolsonaro. Um homem capaz de elogiar tortura, de elogiar ditadura, dizer que tinham matado 30 mil pessoas, que ia metralhar os petistas, expulsar os petistas do Brasil. Todo mundo sabia quem era esse homem. Uma vez eleito com 58 milhões de votos, continuou sendo quem era. Chegou a ponto de visitar Israel e dizer que Holocausto tem que ser perdoado. Tem certa dose de ignorância aí, de burrice, pode-se dizer, mas ele não tem o menor respeito pelo conhecimento histórico, não sabe nada de História do Brasil. Se fizessem uma sabatina com ele, tiraria uma nota sofrível em História, de qualquer período. Uma das coisas que queima o Exército no governo Bolsonaro é como esse homem passou na academia de Agulhas Negras, como não foi reprovado em História. É uma coisa interessante de se perguntar.
Durante a campanha, Bolsonaro citava bordões que prometiam acabar com comunistas. Esse inimigo imaginário se consolidou na mente de seus apoiadores, de modo que, ainda hoje, pelas correntes de WhatsApp, o principal alvo dos grupos bolsonaristas são partidários do comunismo, tidos como a escória da sociedade. Bolsonaro realmente crê nisso ou é uma estratégia?
É difícil saber. Ele é uma pessoa… Eu nunca colocaria a característica de pessoa inteligente, ele é uma pessoa esperta. Quando falava essas barbaridades, conseguia dois objetivos: mantinha o eleitorado dele e aparecia na mídia. O Bolsonaro só saía da obscuridade quando falava uma barbaridade. Isso teve preço caro porque hoje, em todo lugar do mundo que ele vai, pegam essa frases dele e mostram o que ele é. Talvez ele acredite no que diga. Mas é bem possível que não importa para ele o que é verdade histórica. Para ele o que importa é se aquilo que o vai falar pegará bem com os seguidores dele ou não. Você não vai ver ninguém das Forças Armadas tão reacionário assim, embora houvesse o general Luiz Rocha Paiva, uma espécie de caricatura. O apoio ao governo militar é feito com algum cuidado por parte dos militares. Bolsonaro nunca foi ponderado. No começo da carreira, chegou a falar que fuzilaria o Fernando Henrique Cardoso, à época na Presidência.
Dois dias depois da publicação da reportagem que mostrava diálogo ilegal entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, o general Villas Bôas divulgou em suas redes uma mensagem de apoio ao agora ministro Moro. O que isso representa?
No contexto dessas revelações de mensagens que em nenhum momento tiveram sua veracidade questionada, num momento de alta especulação sobre quem teve capacidade de hackear as mensagens nessas dimensões e num momento de crítica geral da inconstitucionalidade da atuação da tabelinha entre juiz Moro e promotor Dallagnol, causou uma estranheza muito grande a declaração do ex-comandante do Exército Villas Bôas, tido por muito tempo como um cara ponderado, em apoio ao ministro Moro. E essa aproximação de Moro aos generais tem se firmado há algum tempo. Acredito que o general Villas Bôas continua expressando opiniões que são as mesmas do alto comando. Se não forem, o alto comando tem que de alguma forma deixar claro opiniões diferentes, mas acho que isso não acontece. Há generais, próximos ao grupo do Palácio do Planalto, que são praticamente irmãos siameses do Bolsonaro, com destaque para o general Heleno. Mas não era de esperar isso do Villas Bôas, embora ele seja assessor do Heleno no Palácio do Planalto. Até segunda ordem, Villas Bôas amplificou a opinião do Exército. É estranha a postura do Villas Bôas porque ela é uma clara intervenção na política, o que não é de se esperar em qualquer situação numa ordem democrática.
Você já deve estar cansado de responder essa pergunta, mas é preciso esclarecermos: há risco para democracia?
Olha, você tendo um líder populista com tendências fascistas — embora eu prefira chamar isso e analisar o fenômeno brasileiro como “bolsonarismo”, expressão brasileira da extrema direita no mundo —, já é uma ameaça à democracia em si. Uma ameaça de golpe de estado vejo mais afastada. O grande projeto do Exército era usar o governo Bolsonaro para se mostrar como responsável, mas isso não está dando certo.
Sua carreira acadêmica começou com estudos sobre movimentos estudantis durante a militarização do estado, entre 1964 e 1968. Como você vê agora esse levante a favor da educação e contra o governo de Bolsonaro?
O modo como o governo Bolsonaro conduziu a política educacional fez surgir uma oposição ao governo dele, de um novo tipo. Não é uma oposição partidária. Quem foi na manifestação viu que todos os grupos da esquerda estavam presentes, mas nenhum deles quis liderar, um movimento de massa, amplo, em defesa da educação, e o governo Bolsonaro, na ignorância dele, não percebeu que as famílias brasileiras, independente da classe social, almejam ter o filho na universidade e enxergam claramente que as políticas do governo vão diminuir essa possibilidade e vão enfraquecer o ensino superior. Então esse movimento tende a dar muito trabalho ao governo Bolsonaro. É um movimento de tipo novo.
Você acha que a demissão do general Santos Cruz muda o clima dentro do Exército?
Acompanhei a cobertura dos três principais jornais e dos telejornais sobre o episódio. Logo se construiu a versão de que foi uma vitória da ala ideológica ou olavista do governo. A meu ver a coisa é mais complicada. Há efetivamente uma direita civil no governo Bolsonaro, que disputa poder com a ala militar. Mas ideologicamente não vejo diferença entre eles. Evidente que os militares não gostaram de ser atacados com palavras de baixo calão por Olavo de Carvalho. Foi a reação do general Santos Cruz a isso que provocou sua demissão, pois o colocou em rota de colisão com os filhos de Bolsonaro e este acabou tomando o partido deles contra seu velho amigo, um homem conservador mas de opiniões fortes.
Mas a explicação que destaca uma suposta vitória olavista não é limitada apenas porque são todos ideológicos. Ela também não explica por que o ministro da Defesa estava presente no momento da comunicação da decisão (o general Heleno também estava, mas ele não conta, pois é uma espécie se irmão siamês do presidente). Ou seja, o ministro da Defesa deve ter indicado o nome do general Ramos, ainda na ativa e comandante do Sudeste, o mesmo que em meados de março deste ano enviou convite para a cerimônia de aniversário da Revolução Democrática de 31 de março de 1964, alguns dias antes que o próprio presidente ordenasse comemorações do evento. O general é um homem de confiança do ministro da Defesa e do comandante do Exército. Não parece ter a independência de opinião do general que sai. Resta conferir. No final, sai um militar, mas os militares permanecem fortes.
A percepção do pesquisador tem fundamento: o comportamento errático de Bolsonaro. No mês passado, quando enfrentava sua pior crise de popularidade e via protestos em massa contra os cortes na educação, o presidente apoiou manifestações favoráveis a seu governo que tinham como alvo pilares democráticos como a Câmara dos Deputados e o Superior Tribunal Federal. “Nada impede que, ao se sentir ameaçado, dentro da sua tradicional irresponsabilidade, o presidente também faça acenos para os escalões inferiores do Exército”, conta Martins Filho ao Intercept. “Seria um desastre. E essa possibilidade só existe porque o Exército, em vez de ficar profissionalmente fora da política, decidiu apoiar Bolsonaro.”
Martins Filho acredita que parte da tensão que vivemos agora se deve ao fato de que os militares — sobretudo o Exército — erraram ao voltar ao protagonismo da política. Hoje são oito representantes das Forças Armadas nos ministérios, número maior do que todos os governos da ditadura militar. Para ele, os militares endossaram, em nome do antipetismo, com o claro objetivo de afastar a centro-esquerda do poder, um candidato que, agora percebem, é despreparado para funções básicas do cargo. “Me parece que os militares entraram nesse projeto para criar uma imagem positiva entre a população, mas, na prática, foi um tiro pela culatra”, diz.
Pouco antes do regresso das Forças Armadas ao centro do poder, Martins Filho se concentrava em estudar práticas repressoras da ditadura. Professor titular da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo, ele destrinchava a colaboração do governo da Inglaterra com o do Brasil para criar um aparelho de repressão com salas de tortura no Rio de Janeiro. Com espanto, viu, em 2015, políticos e eleitores de classe média celebrarem a figura do torturador Coronel Brilhante Ustra durante o rito que culminou o impeachment de Dilma Rousseff. Ali percebeu que era hora de mudar seu foco para o presente. “Ninguém pode dizer que a classe média não sabia quem era Bolsonaro”, fala Martins Filho. “Um homem capaz de elogiar tortura, de elogiar ditadura, de dizer que ia metralhar os petistas, expulsar os petistas do Brasil. Todo mundo sabia quem era esse homem. Uma vez eleito com 58 milhões de votos, continuou sendo quem era. E é nesse ponto que estamos.”
Conversei com Martins Filho por uma hora e meia no começo de junho. Ele falou da demissão do general Santos Cruz, da relação do governo com Mourão e outros generais e dos possíveis riscos que Bolsonaro representa à democracia.
Intercept – Qual é o tamanho real da influência do presidente entre os militares?
João Roberto Martins Filho – Com exceção da eleição de 2014, quando teve votação mais expressiva, Bolsonaro sempre se elegeu deputado federal com aproximadamente cem mil votos, não muito mais ou muitos menos do que isso. Foram seis eleições com retrospecto parecido. Seu eleitorado sempre foi a família militar, sargentos e soldados. Ele passou 28 anos falando para esse pessoal. Nesse caminho fez coisas absurdas, como elogiar o governo militar.
Bolsonaro era desprezado nos escalões maiores. O general Ernesto Geisel falava que Bolsonaro era um péssimo militar, por exemplo.Nos escalões mais altos, como coronel e tenente-coronel, ele sempre foi considerado um péssimo exemplo porque mal chegou a capitão e publicou uma carta à revista Veja para reclamar de salários. Só não foi punido porque se percebeu uma grande insatisfação nos setores mais baixos do Exército e houve certo receio de transformar o caso num pólo de agitação. Então ele acabou sendo afastado da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e com isso não poderia mais progredir na carreira. Bolsonaro era desprezado nos escalões maiores. O general Ernesto Geisel falava que Bolsonaro era um péssimo militar, por exemplo.
No inquérito, o oficial responsável diz que Jair Bolsonaro era um homem de extrema ambição financeira. Não era feito para carreira militar. Mas, como o eleitorado dele era de famílias militares, sempre ficou com pé em cada coisa. Sentia que era militar sendo um político. Uma vez que assume o poder, é o mesmo jogo. Ele pensa, acima de tudo, nele próprio. Interessa a ele manter a corte de militares na medida que fortaleça o poder dele. Quando tentam controlá-lo, ele mobiliza outro setor, o da extrema direita. O que acho errado é chamar essa ala de extrema direita de ideológica. Ideológico todos eles são. O que levou todos a apoiar o Bolsonaro foi o antipetismo.
Durante as eleições, as Forças Armadas demonstraram apoio a Bolsonaro. Muitos oficiais fizeram até campanha. Você diria que hoje a relação entre as duas partes não é tão sólida quanto parecia na época das eleições?
A questão fundamental era afastar a centro-esquerda, e Bolsonaro conseguiu. Quase perdeu a eleição, mas conseguiu. Se não houvesse acontecido o atentado em Juiz de Fora durante a campanha, não sabemos o que poderia acontecer. O fato é que, uma vez entendido que ele era a única opção para afastar a centro-esquerda, os oficiais engoliram muitas coisas. A sucessão de fatos que veio depois, porém, é lastimável. É impossível achar que oficiais da Aeronáutica, da Marinha e do Exército não se incomodem com as declarações e as posturas do presidente, nem que não sejam mais inteligentes do que Bolsonaro.
Sinto que há oficiais que ridicularizam algumas bandeiras como esta última de Bolsonaro, a de transformar Angra dos Reis numa Cancun. Como que alguém com mínimo de inteligência pode achar que isso é a bandeira de um Presidente da República? Então acho que, ao apoiar Bolsonaro como alternativa para derrotar centro-esquerda, os militares deram um crédito de confiança, mas, desde então, ele tem se revelado um presidente que envergonha o país. Isso também tem efeito dentro das Forças Armadas.
De onde vem o antipetismo das Forças Armadas? Em recente entrevista à Folha de S.Paulo e ao El País, Lula mencionou que modernizou instalações, que comprou equipamentos para os militares e que tinha bom diálogo com os oficiais. Quando a situação começou a ficar hostil para os petistas dentro das casernas?
O antipetismo é uma atitude irracional de parte dos setores da Forças Armadas, principalmente do Exército. Como tal, tem uma série de motivações. Eu diria que as Forças Armadas aderiram ao moralismo de classe média na luta anticorrupção, como se tivessem finalmente achado o motivo de toda a corrupção do país no PT. Por outro lado existe o preconceito de classe média que nunca foi resolvido, mesmo na época de boa popularidade de Lula, que nunca admitiu que um trabalhador chegasse à presidência da República, embora durante o governo de Lula e de parte do governo de Dilma as Forças Armadas tenham se adaptado à direção civil por meio do Ministério da Defesa.
‘O Exército aderiu institucionalmente à candidatura Bolsonaro.’Um terceiro motivo, e esse é bastante concreto, foi a questão da Comissão Nacional da Verdade, as investigações que ela fez e o relatório que ela divulgou culpando toda a cadeia de comando das cinco Presidências da República, os generais, entre 1964 e 1985. E o quarto motivo foi o fato de que o PT, numa reunião de diretório nacional, aprovou uma moção dizendo que deveria ter mexido no currículo das escolas militares, entre outras medidas que não tomou. Esse moção foi aprovada no congresso nacional do PT e foi completamente inoportuna. Isso porque o PT teve três mandatos e meio pra ter uma política de defesa e essa política foi, digamos, em grande parte favorável às Forças Armadas. Não tinha sentido dizer o que não foi feito e provocar uma grande área de atrito com as Forças armadas que já tinham essa postura antipetista. O PT fez muito pelas Forças Armadas, as instalações foram modernizadas, houve novas construções, houve manutenção, houve a retomada do submarino nuclear, houve o projeto dos submarinos convencionais em acordo com a França, houve o fechamento do acordo com os caças da Suécia, houve uma série de projetos do Exército aprovados. Do ponto de vista das verbas no investimento das Forças Armadas, a época do PT foi uma época de ouro.
Hoje tanto Bolsonaro quanto os ministros afirmam que não existe uma ala militar no governo. Você, ao contrário, parece entender que não só há uma óbvia ala militar como ela também possui conflitos internos. Quais são os motivos de rusgas?
No governo militar, sempre se procura dizer que os militares atuam unidos. Hoje é a mesma coisa. Você nunca vai ver um militar reconhecer que há conflitos, “partidos”, digamos assim. Mas o fato dos generais falarem sempre à imprensa significa que eles assumiram papel fundamental no governo Bolsonaro. Então, a primeira constatação é que houve, infelizmente, uma volta dos militares à política. Esse retorno foi organizado pelo então comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas (ele ocupou o cargo de 5 fevereiro de 2015 a 11 de janeiro de 2019).
Você percebe essa intenção pelas declarações que ele começou a dar depois da queda da Dilma Rousseff em 2016. Quando ela caiu, houve uma mudança de postura do Exército. O Exército aderiu institucionalmente à candidatura Bolsonaro. Os militares que hoje estão no governo formam uma ala militar, queiram ou não. A segunda constatação é que, ao se tornar parte do governo, eles inevitavelmente entram na luta política. Todo o governo tem luta política interna. O que não está claro é como eles vão se acomodar a esse conflito externo, com a ala civil.
Os militares precisam se adaptar ao conflito com a ala de Olavo de Carvalho, você diz?
Isso. Mesmo que os militares não quisessem ser uma ala militar, há uma ala civil, uma ala de extrema direita, a que segue os ensinamentos de Olavo de Carvalho — a exemplo dos filhos de Bolsonaro e o ministro das relações exteriores —, que está medindo força há meses com a ala militar. Ultimamente, resolveram ficar quietos, mas é algo que não deve durar muito. Pois é só essa ala civil perceber alguma influência maior dos militares que vão voltar a atacar.
E entre os próprios militares, por trás do falso discurso de unidade, há grandes conflitos?
A questão é saber se os militares do alto comando, mais profissionais e pouco envolvidos em política, vão se distanciar do governo Bolsonaro com o desenrolar do processo político. Poderia haver, assim, um distanciamento entre os militares que são muito próximos ao Bolsonaro, palacianos, e os militares da ativa. Outro problema do Exército é saber se o Bolsonaro, em algum momento, vai precisar usar as bases políticas dele. Isso significaria também apelar às forças inferiores do Exército. Aí já houve sinais de que pode haver algum tipo de inflamação, principalmente nas redes sociais. Isso se Bolsonaro se sentisse ameaçado. Não sabemos se isso acontecerá ou não.
Existe o risco de uma revolta de baixas patentes inflamada pelo próprio Bolsonaro?
É uma situação extrema. Só surgiu a ameaça quando os militares divulgaram o que chamaram de versão da reforma da previdência militar. Muitos ali perceberam que era, na verdade, um projeto de reestruturação de carreira. Essa postura pegou muito mal nos postos de major pra baixo, porque não trazia benefícios para os oficiais e praças e sargentos, trazia apenas para os postos mais altos. Houve um surto de manifestações nas redes sociais desses setores inferiores. Sabemos disso porque o comandante do Exército foi obrigado a se manifestar.
Há uma latência e uma contradição desses fatores que ficaram claras nesse episódio da reforma. Os militares, principalmente sargentos, também têm queixas constantes sobre como os oficiais usam sargentos e soldados para fazerem serviços pessoais. Isso pega muito mal. Muitos deles atuam como empregados domésticos sendo militares. O Bolsonaro sabe explorar essa revolta muito bem. É isso que está em jogo, e muitas pessoas não sabem disso. Para virar uma rebelião, seria numa situação extrema, algo que não estamos vendo agora. Mas é uma potencialidade. Bolsonaro pode apelar para o eleitorado dele, composto sobretudo pelo baixo escalão, e acontecer alguma rebelião. O primeiro eleitorado dele é essa turma, a oficialidade baixa, os sargentos, que não tinham como se expressar e se expressavam através dele.
Qual seria o estrago dessa revolta de baixa patente?
Seria o pior dos estragos. Já há um estrago: o fato de que os militares foram levados ao centro da vida política. Foram xingados e atacados como nunca tinham sido em outro governo, desses que ele, Bolsonaro, vive atacando. Nos últimos 24 anos, nenhuma autoridade desses governos — FHC, Lula e Dilma — ofendeu generais em público como aliados do Bolsonaro fizeram. O pior dos estragos seria mexer com a hierarquia dentro das Forças Armadas. Como o governo é populista, que morde e depois assopra, capaz de articular pressões em protestos, como fizeram com Rodrigo Maia no último dia 26, com bonecos e tudo, nada impede que, ao se sentir ameaçado, dentro da sua tradicional irresponsabilidade, o presidente também faça acenos para os escalões inferiores do Exército. Isso seria um desastre. E essa possibilidade só existe porque o Exército, em vez de ficar profissionalmente fora da política, decidiu apoiar Bolsonaro.
Que impacto poderia ter a reforma da previdência dos militares?
É uma incógnita, eles não só se desprestigiaram muito ao tentar escapar da reforma da previdência, como também criaram uma divisão. Conversei com militares da reserva em relação a essa proposta e, entre os que estão de major pra baixo e os que estão acima de major, não se sabe como vai estar. O tema desapareceu. Quando o tema voltar, vamos ver a repercussão.
Qual o interesse da entrada do Exército na política? O que interessa a eles agora que estão lá?
O Exército nunca perdeu ideia de que é uma espécie de pai da nação. E sempre se referiu ao artigo 142 da Constituição, que fala da Garantia da Lei e da Ordem, interpretando-o como se dissesse que, em último caso, a Constituição permite uma intervenção. O fato é que não, a Constituição não permite. Ela permite intervenção militar em locais determinados por solicitação de um dos poderes da República, nunca a Constituição permitiria que os militares viessem para salvar a pátria.
‘O que ocorre é que o governo Bolsonaro é associado a generais, não a almirantes ou brigadeiros’.Essa ideia de salvador da pátria continua a existir no Exército. Só que, num ambiente democrático, o Exército foi se adaptando ao ambiente civil. O Exército entrou na política porque, em primeiro lugar, tinha um projeto conservador que era afastar o PT. Isso se percebe em qualquer entrevista, eles realmente odeiam o PT. E, depois, o Exército também tem um segundo objetivo que é mostrar como ajudar o país a encontrar estabilidade. Acho que idealmente não seria pela via de um governo Bolsonaro, mas o mais importante era afastar a centro-esquerda. A partir daí, segundo eles, o Brasil se encaminharia. O Exército então mostraria que tem quadros que podem ajudar o país a sair do buraco.
Na prática, nada disso aconteceu. Os militares estão num governo de opereta. Eles se submeteram a constantes vexames. Além de serem xingados, Bolsonaro arrastou o Exército e as Forças Armadas para comemorar o Golpe de 64. Isso foi transmitido para todo mundo, não era o que os militares queriam. O Exército sempre fez isso discretamente. Ele associou os militares à ditadura militar, o que foi um golpe baixo. Então, me parece que os militares entraram nesse projeto para criar uma imagem positiva entre a população, mas, na prática, foi um tiro pela culatra.
No caso da Aeronáutica e da Marinha, os interesses são outros?
Hoje você tem uma aberração que é o general como ministro da Defesa. Quando foi criado o Ministério da Defesa, o maior medo da Marinha era que caísse na mão do Exército. Porque o ministério foi criado para ser civil. Então, a Marinha engoliu o ministério, mas não apoiava. Uma vez criado o ministério da Defesa, houve muitas quedas de ministros, mas surgiu uma cultura de comando civil dos militares. A primeira coisa é essa. Nessa onda conservadora, tanto na Marinha quanto na Aeronáutica, a grande maioria votou em Bolsonaro, mas os comandos das duas percebem que o Exército está tendo um papel que sempre, historicamente, acharam exagerado, o de salvador da pátria. A Marinha recusa retoricamente esse papel. Depois, a Marinha também tem um projeto enorme, o do submarino nuclear, e a Força Aérea tem um projeto muito grande também, tecnológico, o dos caças suecos. São projetos que vão se estender por muitos anos, vão acabar quando não tiver mais governo Bolsonaro. Eles percebem que é perigosa a associação a um governo específico. Isso não quer dizer que não tenham entrado na onda conservadora e apoiado a candidatura Bolsonaro. Se você observar, o governo também tem almirantes, brigadeiros e coronéis, mas são pessoas que estão em cargos burocráticos e em quantidade bem menor do que em relação ao Exército. Na verdade, o que ocorre é que o governo Bolsonaro é associado a generais, não a almirantes ou brigadeiros. Nessa altura, então, a Marinha e a Força Aérea devem achar que fizeram bem. É um governo errático.
Como você avalia a atuação do Ministério da Defesa nesses primeiros meses de governo? Está sendo como o esperado?
A criação do ministério (ocorrida em 1999) foi um avanço nas relações entre civis e militares, inegavelmente, com todos os problemas. Tenho esperança que, com o passar do tempo, prepondere lá e no comando do Exército uma visão mais realista do que é o governo Bolsonaro e, assim, ocorra algum recuo para o profissionalismo. Tenho conversado com oficiais da reserva, que acabaram de sair, inclusive, e alguns deles, os mais lúcidos, consideram que a conta do fracasso do governo Bolsonaro vai ser jogado em cima do Exército. Isso é muito ruim para a imagem deles. Embora o Exército diga que é sempre bem avaliado na pesquisa de opinião pública, houve, pela primeira vez desde 1985, uma queda de popularidade na última pesquisa.
Visto de fora, pelo Twitter e pelas declarações dos olavistas, o general Hamilton Mourão atua como uma espécie de indesejado contraponto à ideologia bolsonarista. Era esperado que ele agisse assim? Faz parte da estratégia de Bolsonaro ou Mourão está, de fato, incendiando as articulações do governo?
Acho que existe uma contradição. O Mourão se coloca como alternativa se o governo Bolsonaro não der certo. Como ele também foi eleito, não pode ser demitido. Bolsonaro já deixou claro que demite sem escrúpulos, o que é uma característica da política no Brasil. Mas, veja, o Mourão declarou que tinha oito assessores antes do mandato. Ele elabora projetos e programas, ele foi treinado pra não soar como aquele general rude e ignorante. O Mourão passou a ter imagem de alguém equilibrado, que faz contraponto às barbaridades que Bolsonaro fala.
‘Pode-se dizer que o Congresso inteiro é mais capacitado do que o Bolsonaro’.Para o país seria muito ruim as duas opções: esse governo que já temos e a outra a de um governo chefiada por um general que acabou de sair do Exército. É evidente que os empresários, a mídia, o setor da agricultura, os donos do poder estão considerando a possibilidade Mourão, mas, para uma perspectiva democrática, nenhuma das duas é boa. Era melhor deixar o governo Bolsonaro mostrando que o Brasil é um governo de direita do que dar uma recauchutada com um governo de alguém mais preparado, que é o Mourão.
Como você avalia a relação entre Bolsonaro e Mourão? Mourão, embora vice, é mais respeitado pelas Forças Armadas do que o presidente. Ele não parece ser um cara muito submisso…
O Roberto Requião, que foi muito importante no parlamento, fez um perfil psicológico do Bolsonaro como deputado de baixo clero que passou por inúmeros partidos e que era uma pessoa que tava sempre reagindo a qualquer pessoa que era mais capacitada do que ele. Ele tinha uma insegurança básica. Pode-se dizer que o Congresso inteiro é mais capacitado do que o Bolsonaro. Foi uma falha, aliás, não terem cassado o mandato dele por falta de decoro parlamentar. Havia base para isso. Então, a atitude do Bolsonaro com o Mourão, muito diferente de FHC com seu vice, de Lula com seu vice, até de Dilma com seu vice, ainda que este caso seja bem complexo, é justamente o medo de que o Mourão passe a perna nele. Isso nos leva a crer que ele é profundamente inseguro. Ele e os filhos acham que a rasteira está perto. O Mourão, para ele, é uma espécie de sombra, alguém que pode dar facada nas costas a qualquer momento. Ele não pode brigar com Mourão, porque ele é um fantasma pra ele e pros aliados mais próximos.
Na sessão de votação pelo impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro fez uma saudação a Brilhante Ustra, um dos responsáveis por torturar pessoas na época da ditadura. Durante as eleições também vimos apoiadores do político usarem camisetas de Ustra. Como o senhor avalia essa normalização ou relativização de um comportamento abominável, como o ato de tortura, por parte de um chefe de estado e de muitos que o elegeram?
É evidente, está mais do que provado, até por inúmeras fontes absolutamente incontornáveis, que houve tortura no Brasil. Execuções, atos bárbaros, assassinatos e desaparecimentos, não há como negar. Há um documento oficial, um relatório da Comissão da Verdade. A coisa mais gritante é que Bolsonaro foi aplaudido pela classe média que tava assistindo à sessão do impeachment na Avenida Paulista. Ninguém pode dizer que a classe média não sabia quem era Bolsonaro. Um homem capaz de elogiar tortura, de elogiar ditadura, dizer que tinham matado 30 mil pessoas, que ia metralhar os petistas, expulsar os petistas do Brasil. Todo mundo sabia quem era esse homem. Uma vez eleito com 58 milhões de votos, continuou sendo quem era. Chegou a ponto de visitar Israel e dizer que Holocausto tem que ser perdoado. Tem certa dose de ignorância aí, de burrice, pode-se dizer, mas ele não tem o menor respeito pelo conhecimento histórico, não sabe nada de História do Brasil. Se fizessem uma sabatina com ele, tiraria uma nota sofrível em História, de qualquer período. Uma das coisas que queima o Exército no governo Bolsonaro é como esse homem passou na academia de Agulhas Negras, como não foi reprovado em História. É uma coisa interessante de se perguntar.
Durante a campanha, Bolsonaro citava bordões que prometiam acabar com comunistas. Esse inimigo imaginário se consolidou na mente de seus apoiadores, de modo que, ainda hoje, pelas correntes de WhatsApp, o principal alvo dos grupos bolsonaristas são partidários do comunismo, tidos como a escória da sociedade. Bolsonaro realmente crê nisso ou é uma estratégia?
É difícil saber. Ele é uma pessoa… Eu nunca colocaria a característica de pessoa inteligente, ele é uma pessoa esperta. Quando falava essas barbaridades, conseguia dois objetivos: mantinha o eleitorado dele e aparecia na mídia. O Bolsonaro só saía da obscuridade quando falava uma barbaridade. Isso teve preço caro porque hoje, em todo lugar do mundo que ele vai, pegam essa frases dele e mostram o que ele é. Talvez ele acredite no que diga. Mas é bem possível que não importa para ele o que é verdade histórica. Para ele o que importa é se aquilo que o vai falar pegará bem com os seguidores dele ou não. Você não vai ver ninguém das Forças Armadas tão reacionário assim, embora houvesse o general Luiz Rocha Paiva, uma espécie de caricatura. O apoio ao governo militar é feito com algum cuidado por parte dos militares. Bolsonaro nunca foi ponderado. No começo da carreira, chegou a falar que fuzilaria o Fernando Henrique Cardoso, à época na Presidência.
Dois dias depois da publicação da reportagem que mostrava diálogo ilegal entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, o general Villas Bôas divulgou em suas redes uma mensagem de apoio ao agora ministro Moro. O que isso representa?
No contexto dessas revelações de mensagens que em nenhum momento tiveram sua veracidade questionada, num momento de alta especulação sobre quem teve capacidade de hackear as mensagens nessas dimensões e num momento de crítica geral da inconstitucionalidade da atuação da tabelinha entre juiz Moro e promotor Dallagnol, causou uma estranheza muito grande a declaração do ex-comandante do Exército Villas Bôas, tido por muito tempo como um cara ponderado, em apoio ao ministro Moro. E essa aproximação de Moro aos generais tem se firmado há algum tempo. Acredito que o general Villas Bôas continua expressando opiniões que são as mesmas do alto comando. Se não forem, o alto comando tem que de alguma forma deixar claro opiniões diferentes, mas acho que isso não acontece. Há generais, próximos ao grupo do Palácio do Planalto, que são praticamente irmãos siameses do Bolsonaro, com destaque para o general Heleno. Mas não era de esperar isso do Villas Bôas, embora ele seja assessor do Heleno no Palácio do Planalto. Até segunda ordem, Villas Bôas amplificou a opinião do Exército. É estranha a postura do Villas Bôas porque ela é uma clara intervenção na política, o que não é de se esperar em qualquer situação numa ordem democrática.
Você já deve estar cansado de responder essa pergunta, mas é preciso esclarecermos: há risco para democracia?
Olha, você tendo um líder populista com tendências fascistas — embora eu prefira chamar isso e analisar o fenômeno brasileiro como “bolsonarismo”, expressão brasileira da extrema direita no mundo —, já é uma ameaça à democracia em si. Uma ameaça de golpe de estado vejo mais afastada. O grande projeto do Exército era usar o governo Bolsonaro para se mostrar como responsável, mas isso não está dando certo.
Sua carreira acadêmica começou com estudos sobre movimentos estudantis durante a militarização do estado, entre 1964 e 1968. Como você vê agora esse levante a favor da educação e contra o governo de Bolsonaro?
O modo como o governo Bolsonaro conduziu a política educacional fez surgir uma oposição ao governo dele, de um novo tipo. Não é uma oposição partidária. Quem foi na manifestação viu que todos os grupos da esquerda estavam presentes, mas nenhum deles quis liderar, um movimento de massa, amplo, em defesa da educação, e o governo Bolsonaro, na ignorância dele, não percebeu que as famílias brasileiras, independente da classe social, almejam ter o filho na universidade e enxergam claramente que as políticas do governo vão diminuir essa possibilidade e vão enfraquecer o ensino superior. Então esse movimento tende a dar muito trabalho ao governo Bolsonaro. É um movimento de tipo novo.
Você acha que a demissão do general Santos Cruz muda o clima dentro do Exército?
Acompanhei a cobertura dos três principais jornais e dos telejornais sobre o episódio. Logo se construiu a versão de que foi uma vitória da ala ideológica ou olavista do governo. A meu ver a coisa é mais complicada. Há efetivamente uma direita civil no governo Bolsonaro, que disputa poder com a ala militar. Mas ideologicamente não vejo diferença entre eles. Evidente que os militares não gostaram de ser atacados com palavras de baixo calão por Olavo de Carvalho. Foi a reação do general Santos Cruz a isso que provocou sua demissão, pois o colocou em rota de colisão com os filhos de Bolsonaro e este acabou tomando o partido deles contra seu velho amigo, um homem conservador mas de opiniões fortes.
Mas a explicação que destaca uma suposta vitória olavista não é limitada apenas porque são todos ideológicos. Ela também não explica por que o ministro da Defesa estava presente no momento da comunicação da decisão (o general Heleno também estava, mas ele não conta, pois é uma espécie se irmão siamês do presidente). Ou seja, o ministro da Defesa deve ter indicado o nome do general Ramos, ainda na ativa e comandante do Sudeste, o mesmo que em meados de março deste ano enviou convite para a cerimônia de aniversário da Revolução Democrática de 31 de março de 1964, alguns dias antes que o próprio presidente ordenasse comemorações do evento. O general é um homem de confiança do ministro da Defesa e do comandante do Exército. Não parece ter a independência de opinião do general que sai. Resta conferir. No final, sai um militar, mas os militares permanecem fortes.
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Ilustração: The Intercept BrasilIlustração: The Intercept Brasil
Anunciamos nossa parceria jornalística com a Folha no arquivo da Vaza Jato – e as impropriedades reveladas na primeira reportagem conjunta com o jornal
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Desde antes de começar a publicar a série sobre o arquivo secreto em relação ao então juiz Sergio Moro e a Lava Jato, o Intercept já sabia que precisaria contar com parceiros para reportar a enorme quantidade de complexas histórias de interesse público encontradas nos materiais. Hoje, anunciamos nossa primeira parceria institucional: a Folha de S.Paulo começa a publicar, neste domingo, uma série de reportagens que tem como origem as mensagens trocadas pelos procuradores da força-tarefa e o ministro Moro, enviadas ao Intercept Brasil por uma fonte anônima.
Durante os últimos dias, os repórteres da Folha tiveram acesso ao acervo da Vaza Jato e trabalharam lado a lado com nossos repórteres e editores, pesquisando as mensagens e analisando seu conteúdo. Ao examinar o material – que é o mesmo que baseou as reportagens publicadas pelo Intercept até agora – a reportagem da Folha, como eles anunciaram hoje no seu próprio editorial, “não detectou nenhum indício de adulteração”, contrariando as insinuações do ministro Sergio Moro, do procurador Deltan Dallagnol e de seus colegas (nem o ministro Moro nem a força-tarefa alguma vez alegaram, e muito menos demonstraram, que qualquer material publicado foi alterado, lançando insinuações vagas em uma tentativa de minar a confiabilidade do arquivo).
No texto, a Folha lembra que “Após as primeiras reportagens sobre as mensagens, publicadas pelo Intercept, no dia 9, Moro e os procuradores reagiram defendendo sua atuação na Lava Jato, mas sem contestar a autenticidade dos diálogos revelados.” A versão só seria mudada dias depois, quando Moro e os procuradores, escreve a Folha, “passaram a colocar em dúvida a integridade do material, além de criticar o vazamento das mensagens”, sem, no entanto apresentarem “nenhum indício de que as conversas reproduzidas sejam falsas ou tenham sido modificadas.”
Exatamente como nós fizemos quando recebemos o arquivo, a Folha utilizou vários métodos jornalísticos para confirmar a autenticidade do acervo. A Folha explica, hoje, em seu editorial: “Os repórteres, por exemplo, buscaram nomes de jornalistas da Folha e encontraram diversas mensagens que de fato esses profissionais trocaram com integrantes da força-tarefa nos últimos anos, obtendo assim um forte indício da integridade do material.”
A primeira reportagem publicada pela Folha em conjunto com nossos repórteres reforça mais uma vez a série de artigos que estamos levando ao público nessa primeira leva de textos: a proximidade entre o ex-juiz Moro e os procuradores da Lava Jato era tamanha que Moro não pode mais alegar ter feito seu trabalho com isenção e independência, deveres básicos de qualquer juiz que tem por ofício respeitar a lei.
Em seu texto, o jornal conta como os procuradores se articularam para proteger Sergio Moro e evitar novas tensões entre o então juiz da Lava Jato e o Supremo Tribunal Federal, apenas um dia depois de Moro ter sido repreendido pelo STF por ter divulgado ilegalmente uma conversa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff.
O atrito com o Supremo foi causado pelo que Moro chamou de “bola nas costas” da Polícia Federal: no dia 22 de março de 2016, a PF tornou públicos documentos da Odebrecht de um processo que corria em Curitiba. O material foi divulgado pelo jornalista Fernando Rodrigues antes que Moro pusesse tudo em sigilo novamente. A divulgação de vários nomes de investigados com foro privilegiado obrigaria o ex-juiz a remeter parte do processo ao STF, coisa que Moro não parecia disposto a fazer.
Leia nossa cobertura completaAs mensagens secretas da Lava JatoNo texto, a Folha lembra que “Após as primeiras reportagens sobre as mensagens, publicadas pelo Intercept, no dia 9, Moro e os procuradores reagiram defendendo sua atuação na Lava Jato, mas sem contestar a autenticidade dos diálogos revelados.” A versão só seria mudada dias depois, quando Moro e os procuradores, escreve a Folha, “passaram a colocar em dúvida a integridade do material, além de criticar o vazamento das mensagens”, sem, no entanto apresentarem “nenhum indício de que as conversas reproduzidas sejam falsas ou tenham sido modificadas.”
Exatamente como nós fizemos quando recebemos o arquivo, a Folha utilizou vários métodos jornalísticos para confirmar a autenticidade do acervo. A Folha explica, hoje, em seu editorial: “Os repórteres, por exemplo, buscaram nomes de jornalistas da Folha e encontraram diversas mensagens que de fato esses profissionais trocaram com integrantes da força-tarefa nos últimos anos, obtendo assim um forte indício da integridade do material.”
A primeira reportagem publicada pela Folha em conjunto com nossos repórteres reforça mais uma vez a série de artigos que estamos levando ao público nessa primeira leva de textos: a proximidade entre o ex-juiz Moro e os procuradores da Lava Jato era tamanha que Moro não pode mais alegar ter feito seu trabalho com isenção e independência, deveres básicos de qualquer juiz que tem por ofício respeitar a lei.
Em seu texto, o jornal conta como os procuradores se articularam para proteger Sergio Moro e evitar novas tensões entre o então juiz da Lava Jato e o Supremo Tribunal Federal, apenas um dia depois de Moro ter sido repreendido pelo STF por ter divulgado ilegalmente uma conversa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff.
O atrito com o Supremo foi causado pelo que Moro chamou de “bola nas costas” da Polícia Federal: no dia 22 de março de 2016, a PF tornou públicos documentos da Odebrecht de um processo que corria em Curitiba. O material foi divulgado pelo jornalista Fernando Rodrigues antes que Moro pusesse tudo em sigilo novamente. A divulgação de vários nomes de investigados com foro privilegiado obrigaria o ex-juiz a remeter parte do processo ao STF, coisa que Moro não parecia disposto a fazer.
Moro reclamou com Deltan Dallagnol no Telegram. “Tremenda bola nas costas da Pf”, disse. “E vai parecer afronta [ao STF].” Horas depois, após discutirem juntos uma estratégia – em mais uma prova de que juiz e procuradores trabalhavam em conjunto fora dos autos, o que é ilegal –, Deltan escreveu novamente a Moro, sugerindo que não tinha havido má-fé por parte da PF. “Continua sendo lambança”, respondeu o juiz. “Não pode cometer esse tipo de erro agora.” Deltan respondeu: “Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações.”
Minutos depois de conversar com Moro no chat do Telegram, Deltan procurou o delegado Márcio Anselmo, que chefiava as investigações sobre a Odebrecht, e disse: “Moro está chateado.” Anselmo respondeu horas mais tarde reconhecendo que tinha sido apressado, mas minimizou – ele não via motivo para “todo esse alvoroço”. Deltan respondeu: “O receio é que isso seja usado pelo STF contra a operação e contra o Moro. O momento é que ficou ruim”, disse. “Vem porrada.”
No dia seguinte, Moro voltou ao Telegram e, numa conversa pessoal com Deltan, pediu que o procurador ajudasse a conter o grupo antipetista Movimento Brasil Livre. Eles protestavam em frente ao apartamento do ministro Teori Zavascki em Porto Alegre, com faixas com os dizeres “traidor” e “pelego do PT”.
Moro teclou a Deltan: “Nao.sei se vcs tem algum contato mas alguns tontos daquele movimento brasil livre foram fazer protesto na frente do condominio.do ministro. Isso nao ajuda evidentemente.” Deltan disse que tentaria se informar, mas ponderou: “Não sendo violento ou vandalizar, não acho que seja o caso de nos metermos nisso por um lado ou outro.” Mais tarde, o procurador avisou Moro que que o MBL estava “chateado” com a força-tarefa devido a sua recusa em se juntar explicitamente à chamada do grupo para o impeachment de Dilma, mas alertou que o MPF não tinha contato com o MBL.
Dois inquéritos e uma ação penal que corriam em Curitiba, incluindo a lista da Odebrecht, foram enviados ao STF em fins de março. Poucas semanas depois, Teori devolveu os inquéritos a Curitiba, mantendo no STF somente as planilhas da Odebrecht que listavam políticos com foro, como manda a lei, as mesmas que Moro não queria mandar ao Supremo.
Nós sabemos que não é comum que os jornalistas compartilhem seus mais importantes furos com outros meios de comunicação, preferindo reportá-los por conta própria. Mas nós vemos o arquivo fornecido por nossa fonte como um bem público crucial, que pertence ao povo brasileiro, não apenas a nós.
Decidimos compartilhar esse material com outras redações e jornalistas – e hoje anunciamos a Folha – porque nossa prioridade é informar o público da maneira mais confiável, justa e completa sobre o que esses funcionários públicos – que até ontem movimentavam um grande poder nas sombras – faziam quando acreditavam que ninguém jamais descobriria suas ações.
O papel de uma imprensa livre em uma democracia é garantir que aqueles que exercem o maior poder o façam apenas com transparência, porque todos os humanos inevitavelmente abusam do poder quando lhes é permitido usá-lo no escuro. Tudo o que fizemos com este arquivo até este ponto, e tudo o que continuaremos a fazer, é dedicado a este objetivo e ao interesse público. Trabalhar em parceria com a Folha e outros meios jornalísticos ajudará o público a ter acesso e a entender esses materiais o mais rápido e com a maior responsabilidade possível.
Minutos depois de conversar com Moro no chat do Telegram, Deltan procurou o delegado Márcio Anselmo, que chefiava as investigações sobre a Odebrecht, e disse: “Moro está chateado.” Anselmo respondeu horas mais tarde reconhecendo que tinha sido apressado, mas minimizou – ele não via motivo para “todo esse alvoroço”. Deltan respondeu: “O receio é que isso seja usado pelo STF contra a operação e contra o Moro. O momento é que ficou ruim”, disse. “Vem porrada.”
No dia seguinte, Moro voltou ao Telegram e, numa conversa pessoal com Deltan, pediu que o procurador ajudasse a conter o grupo antipetista Movimento Brasil Livre. Eles protestavam em frente ao apartamento do ministro Teori Zavascki em Porto Alegre, com faixas com os dizeres “traidor” e “pelego do PT”.
Moro teclou a Deltan: “Nao.sei se vcs tem algum contato mas alguns tontos daquele movimento brasil livre foram fazer protesto na frente do condominio.do ministro. Isso nao ajuda evidentemente.” Deltan disse que tentaria se informar, mas ponderou: “Não sendo violento ou vandalizar, não acho que seja o caso de nos metermos nisso por um lado ou outro.” Mais tarde, o procurador avisou Moro que que o MBL estava “chateado” com a força-tarefa devido a sua recusa em se juntar explicitamente à chamada do grupo para o impeachment de Dilma, mas alertou que o MPF não tinha contato com o MBL.
Dois inquéritos e uma ação penal que corriam em Curitiba, incluindo a lista da Odebrecht, foram enviados ao STF em fins de março. Poucas semanas depois, Teori devolveu os inquéritos a Curitiba, mantendo no STF somente as planilhas da Odebrecht que listavam políticos com foro, como manda a lei, as mesmas que Moro não queria mandar ao Supremo.
Nós sabemos que não é comum que os jornalistas compartilhem seus mais importantes furos com outros meios de comunicação, preferindo reportá-los por conta própria. Mas nós vemos o arquivo fornecido por nossa fonte como um bem público crucial, que pertence ao povo brasileiro, não apenas a nós.
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O papel de uma imprensa livre em uma democracia é garantir que aqueles que exercem o maior poder o façam apenas com transparência, porque todos os humanos inevitavelmente abusam do poder quando lhes é permitido usá-lo no escuro. Tudo o que fizemos com este arquivo até este ponto, e tudo o que continuaremos a fazer, é dedicado a este objetivo e ao interesse público. Trabalhar em parceria com a Folha e outros meios jornalísticos ajudará o público a ter acesso e a entender esses materiais o mais rápido e com a maior responsabilidade possível.
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