quinta-feira, 30 de maio de 2019

SOBRE A ENTREVISTA DO PRESIDENTE NYUSI AO CANAL DE MOÇAMBIQUE

SOBRE A ENTREVISTA DO PRESIDENTE NYUSI AO CANAL DE MOÇAMBIQUE
Porque é direito do cidadão estar informado sobre as acções dos seus governantes, de modo livre e independente da manipulação ideológica já habitual, fiquei deveras feliz pela entrevista que o Presidente da República deu ao Canal de Moçambique. Foi uma oportunidade única de ficar a saber o que o nosso representante máximo tem estado a fazer e o que tem pensado, nos quase 5 anos que esteve no leme dos nossos destinos colectivos como Estado. Não irei repetir o que o presidente Nyusi lá disse. Vou apenas resumir em 2 ou 3 parágrafos o que eu lá vi e o que eu lá não vi.
Vi responsabilidade nas respostas de Nyusi, mas também uma ruidosa omissão em profundidade de alguns assuntos sensíveis como o das dívidas ocultas (que é, para mim, muito mais sério do que o do desarmamento da Renamo). Recorrer ao argumento do princípio da separação de poderes ou ao do segredo de Estado para não responder sobre o seu envolvimento pessoal no calote tem toda a legitimidade, sob o ponto de vista de sentido de Estado, ainda mais na sua qualidade de Presidente da República. Nyusi usou um discurso utilitarista que se aproveitou duma inédita oportunidade – o de falar para o povo moçambicano através de um dos media mais críticos ao seu regime – para, sem dizer quase nada, merecer um enormíssimo destaque num ano de eleições que podem testar ainda mais o poder e a legitimidade do seu governo. E ele fez isso com folgada naturalidade porque a cultura de honestidade ainda não faz ganhar ou perder eleições em Moçambique. Infelizmente.
Perceber o que eu disse acima é simples. Quando estamos a cortejar uma dama, por exemplo, nunca alistamos os nossos defeitos no CV que submetemos para que ela nos aceite. Não falamos sobre o nosso alcoolismo crónico ou sobre o nosso histórico malsucedido de namoricos do passado. Quase sempre supervalorizamos as nossas qualidades e minimizamos (ou omitimos) deliberadamente os nossos defeitos. Não é estranho, portanto, que o presidente Nyusi tenha perfumado o que considera estar a fazer muito bem. Não é estranho que ele não tenha elencado na entrevista os obstáculos criados do seu lado (ou pelo seu governo) para que o dossier de desarmamento da Renamo, por exemplo, esteja quase letárgico. Dizer que a culpa é do outro é sempre mais fácil, sobretudo quando a teoria da satanização do adversário tem uma enraizada escola popular tanto na elite política como na opinião pública moçambicana mais desatenta.
Falando em desatenção, poderia escrever um pouco mais sobre o valor estratégico do argumento de Nyusi relativo ao não pagamento das dívidas ocultas com o “dinheiro do gás”. Para quem ainda continua suficientemente atento em relação a este assunto, facilmente se recorda que o governo anterior (de Guebuza, e no qual Nyusi era um dos seus ministros-delfins com a pasta da Defesa) entrou nas empreitadas do MAM e da ProIndicus exactamente por causa da euforia do “dinheiro do gás”. Dissociar uma coisa da outra, por estes dias em que a confirmação do calote parece estar a legitimar o direito da desresponsabilização do Estado, não caberia no meu mais reles conceito de ingenuidade (para não usar um termo mais indelicado). Os dois governos contaram com o “dinheiro do gás”, desde o início, para viabilizar os negócios. Isso é um facto, independentemente da opinião do presidente Nyusi. Aliás, dependendo do que vai (ou pode ser) deliberado nas barras da justiça (nacional e internacional), o “dinheiro do gás” vai (ou poderá) pagar a amortização das dívidas.
Não vi, na entrevista do presidente Nyusi, qualquer tipo de agenda programática e de gestão baseada em resultados por parte do seu governo, tanto nos quase 5 anos já passados como nos próximos 5 a que se propõe candidatar. Parece-me ser um governo que se ficou pelo famoso discurso inaugural da sua tomada de posse como Presidente da República, sendo a sua principal marca administrativa o estado de permanente gestão de crises (as dívidas, a justiça norte-americana e a sul-africana, a Renamo, os ciclones, a contestação intrapartidária). Para além de sucessivas gaffes discursivas, não se consegue enxergar mais nada. A única novidade para o cidadão moçambicano, sobre o seu sombrio presente e futuro, é agora a expressão “por que é que não fazes o seguinte: deixar…”
Agora, e só para fechar… Respeito imenso a delicadeza destes assuntos para uma figura como a do presidente Nyusi. É difícil dizer (somente) a verdade nessa condição, sobretudo quando somos parte indissociável do problema. Por conseguinte, parabenizo o presidente Nyusi por ter sabido enfatizar os factos que jogavam a seu favor e por ter conseguido minimizar ou ignorar os factos que lhe são inconvenientes. O que é de lamentar é quando fazemos um esforço deliberado (mesmo que dissimulado) para impedir que o cidadão conheça a verdade sobre todos estes podres. Mais perigoso ainda é quando dizemos coisas que, a prior, sabemos ser falsas ou mentirosas… esperando que os outros as assumam como verdades. Ainda muito grave é irmos à imprensa para dizer coisas que são falsas ou para negar coisas que são verdadeiras.
Comentários
  • Félix Esperança Excelente!
  • Bruno da Glória ''parabenizo o presidente Nyusi por ter sabido enfatizar os factos que jogavam a seu favor e por ter conseguido minimizar ou ignorar os factos que lhe são inconvenientes''
  • Mauro X Paulo Neste texto fazes muito esforco para nao lancar o PR a cova de leoes que ele merece estar. A politica e agressiva, e a analise dela pior ainda. Eu parabenizo-te por este texto do ponto de vista humano e de relacoes publicas. Bem no fundo, acredito que teu cepticismo real e mais deep. Mas isso ja e especulacao minha. Daquilo que eu diria: "ca entre nos..."
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  • Da Cruz Fizeste uma boa leitura ao comportamento do PR... mas o que dizer das perguntas do editor do jornal? Parece me que este fez as perguntas demasiadas directas e de modo um tanto a quanto baixo . Talvez isso explica a maneira sorrateira que o PR foi obrigado a responder.
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    Ocultar 15 respostas
    • Mauro X Paulo Ser directo e ser baixo hoje em dia?
    • Jacinto Siqueira As perguntas foram claras e directas.
      O problema e' do mentiroso que esteve a responder.
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    • Da Cruz Nem sempre as perguntas devem ser directas como as que vi no jornal. Não estava a entrevistar um cidadão qualquer e acima de tudo, que tem processo no tribunal. Tudo o que se diz sobre o envolvimento dele nas dívidas ocultas por exemplo, não se sabe ainda ser ou não verdade. É preciso saber fazer a pergunta de maneira que não pareça acusação. Espero que tenha me feito entender.
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    • Mauro X Paulo "Nao estava a entrevistar um cidadao qualquer".... Eu acho que perante a lei somos todos iguais...ou supostamente iguais. Essa nocao e problematica. O PR nao fois desrespeitado. Foi interrogado como qualquer cidadao que merece respeito merece. Ele nao e especial. E so PR com contas assuntos por responder.
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    • Emilio Sousa Mauro X Paulo, uma rectificação: foi entrevistado, não interrogado
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    • Da Cruz Ali parecia interrogação a um cidadão que se tem provas Sobre a sua conduta. . Há que se ter um decoro e ciência pra arrancar respostas assuntos delicados.
    • Emilio Sousa Certo!
    • Da Cruz Mauro se ele fosse igual a Todos nós, não teria certas prerrogativas legais que o protegem. Não não é um PR enquanto investido de poderes, um cidadão que se atira a ele de qualquer maneira.
    • Mauro X Paulo Esse valor todo que voces dao aos vossos politicos e juizes, e que condicionam nossa miseria. O PR aceitou a entrevista, e sabia onde se metia. Logo, o problema e dele. Eu nao vejo PR como algo especial. E e ai onde o terceiro Mundo se lixa, pois no 1o Mundo nao eassim. Os politicos devem satisfacoes e de forma bem agressiva quando nao o fazem correctaente.
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    • Da Cruz É de lei. Não é querer por seu eu. Quando ele sair do poder sim será mais um. Eheheh abraços.
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    • Jacinto Siqueira "tudo que se diz sobre o envolvimento dele nas dívidas ocultas por exemplo, não se sabe ainda ser verdade e ou não"

      É EXATAMENTE por isso que lhe perguntaram DIRECTAMENTE se tinha se beneficiado do dinheiro. Ele não precisa esperar pelo fim da investigação pra saber se também roubou o taco. :)
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    • Da Cruz Penso Que o Edgar foi claro nesse ponto. Leiam de novo o texto.
    • Nairinho Mabote Peço exemplo de uma questão "baixa"
    • Metical Birira Jovo Eu só sei que ele é um cidadão que é pago pelo povo, então tem dever de responder as questões inerente ao povo. Se as questões foram directas ou indirectas isso não importa.
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    • Geraldo Manjate Por favor veja entrevistas de grandes canais como BBC,CNN, Sic, RTP... vai entender como se fazem as perguntas o jornalistas do canal esteve muito bem, estamos habituados aos Gustavos Mavies e Anguilazes que fazem uma pergunta tímida e deixa o chefe do estado devagar ao seu bel prazer isso é comício.
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  • Angela Maria Serras Pires Só ao entendo o seguinte : as respostas foram de mainato , burro e básico , vocês estão a disfarçar ou acham mesmo que existiu ciência ??? Por favor , envergonhou nos a todos tanta mediocridade
  • Blessed Paulo Simbe Porque é que você não faz o seguinte: DEIXAR… Até porque isso é embaraçoso...
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  • Clementino Raice Quanto as verdads omitidas, o tempo se encarregara' d rvela-las.

    "...sao coisas q nao podemos procurar as coisas..."
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  • Dercio Arlindo Manhica Excelente resumo!!
  • Hermínio Doce Grande análise!
  • Paulo Sergio Tricamegy Uma vez ouvi uma entrevista do Nyusi na BBC-hard talk 
    Fiquei envergonhado .
    Fiquei feliz porque nos momentos a seguir a ouvir a entrevista não apareceu ninguém a perguntar qual é a minha terra , acredito que pela primeira vez teria tido vergonha de di
    zer que sou Mocambicano .
    É que um povo que permite ser governado por tamanho analfabeto, não merece respeito.
    Eduardo Barroso, o teu comentário é muito bom, literariamente excelente como alguém já eacreveu, mas o trabalho de um intelectual não pode ser isento e baseado na “honestidade” quando aborda uma questão como o momento político de Moçambique.
    O Jornal assume uma tremenda responsabilidade ao ajudar a branquear um indivíduo como Nyusi.Fe-lo deste modo em relação a uma gang que tem
    um país refem ha décadas .Esta ação do Canal, analisada com um mínimo de criticismo e sépticismo, levanta mim dúvidas se o director não está “comprado”
    Porque eles sabem este gajo a única coisa que sabe fazer e mentir e desfilar a sua ignorância .
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  • Sansão Manhique Como já sabemos, a frel vai ganhar as eleições presidenciais, de um jeito ou do outro, eu só rogava para nos arrumarem um outro candidato. FJN é tudo que eles tem? Ele já provou que não é a pessoa certa para estar no leme deste barco.
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  • Planos De Deus Kkkkkkkkkkkkkkkk. 

    Eu também tive a.mesma percepção.
  • Silvy Ustá Edgar não tive acesso a entrevista podes postar
  • Camilo Langa Excellent!
  • Lucas Rangisse Parabenizo Edgar pela.atencao prestada no acto da entrevista de Nyusi e ter exatamente decifrado a ideia que ele tinha de uma forma genérica ludibriar a opinião publica...
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  • Adriano Novela Eu como nada esperava, não me bato com essa entrevista.
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    • Moniz S. Walunga Adriano Novela, verdade! Também, o ter aceite (ou solicitado) a entrevista a um semanário tudo como “inimigo” aka “pasquim” na linguagem dos propagandistas do sistema ja por si so’ e’ tentativa de ludibriar a opinião publica! Esta’ a tentar ser democrático quando nem de longe ele não e’, e também tentar aligeirar o peso da sua participação activa no calote e nos males que grassam este Pais! E’ ano de eleições, ele sabe que, apesar de no conclave da Matola terem saído todos “mais unidos” na expressão predilecta deles, mas não tem 100% garantias que esses mesmos camaradas vão lhe garantir o voto! Enfim, e entrevista de malandrice politica desenhada para um povo considerado distraído por esta gente!
  • Amuibo Vaggs Vaggs Análise aprofunda dos factos.
  • Luciano Justino Chemane Excelente abordagem!
  • Olavo Victor Excelente análise
  • Geraldo Manjate Sinceramente, eu fiquei claro sobre o "individuo Q", presidente Nyusi recebeu algo das dividas as suas respostas " a roçar a petulância" deixam tudo cru, alguém que não teme não deve, se não recebeu não custa nada dizer, não acredito em influenciar o poder judicial um juiz que se guia por entrevistas para decidir não serve para justiça.
  • Moniz S. Walunga Edgar Barroso, no menino da banda! Yeah, gostei desta analise! Disseste tudo aquilo que um intelectual, no sentido mais lato da palavra c poderia dizer, de forma educada, ao nível de um texto dirigido a um governante de topo! E’ profundo o texto. 
    Hanha makweru
  • Claudio Zunguene Edgar Barroso, sempre igual a si. O PR Nyusi tem muitos desafios pela frente e um deles e acalmar a opiniao publica sobre os factors " quentes" que a todos interessa ver esclarecidos. A ver vamos como tudo acaba. Parabens pela excelente exposicao de ideias.
  • Mwana Woshokera Kansilaneia Demorei ver o post.
    Mas logo que notei que é post do mano de Zalala perdido pelo mundo fora com seu smart Kika... parei um tempinho e prestei tanta atenção para lê-lo. E de certeza, notei que o smart Kika está mesmo a trabalhar seriamente. 
    Mano Edgar Barroso, mais uma vez, estás de parabéns

    👌
  • Romao Sibambo Mas ilustres!
    O que nos falta acontecer para percebermos que precisamos de sair do burraco que este Governo nos entulhou? 


    Sou de opinião que deviamos nos unir e achamos um cidadão idoneo para que, com o nosso apoio concorra como independente e ao ganhar.

    Montar um Governo que vede a comercialização de cimento e madeira para que sejam de uso exclusivo do MOPHRH 

    De modo a empregar-se Arquitectos, Engenheiros, Pedreiros para construirem habitações para todo Povo, Escolas, Hospitais, Fabricas, Supermercados,Jardins, Parques, Campos para prática de desporto e tudo que nos faz falta. 

    Porque sinceramente os Políticos que temos são cegos. 

    Temos muito cimento e madeira mas nossos petizes estudam no chão e ao relento só porque para se construir salas esperamos doações de chineses, FMI, BM, BAR, etc será faz sentido isto?

    Políticos andarem de Rangers e Mercedez enquanto o Povo anda ensardinhado em camiões? 

    Pagarem-se altos salarios e isentarem-se de impostos e ao Povo pagarem migalhas e cobrarem até importação de generos alimentícios e vestuario? 

    A JUVENTUDE PRECISA SE UNIR E TOMAR O PODER.

    NEM QUE TENHAMOS QUE RECORRER À UM REFERENDO MAS PRECISAMOS VEDAR A COMERCIALIZAÇAO DE CIMENTO E MADEIRA.

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