quarta-feira, 1 de maio de 2019

Revolta venezuelana colidiu com a realidade

01.05.2019 às 8h34

CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS

Mobilização insuficiente da oposição e bloqueio informativo governamental ajudaram ao fracasso daquela a que Juan Guaidó chamou “Operação Liberdade”. O presidente interino promete continuar a resistir, mas Nicolás Maduro parece firme no poder

correspondente em Caracas
O desafio da oposição venezuelana chocou esta terça-feira contra a realidade, que nos diz que a capacidade de sobrevivência do regime criado pelo defunto Hugo Chávez não tem limites, porque se faz à custa do povo. A última e mais surpreendente ofensiva lançada pelo Presidente interino, Juan Guaidó, e pelo dirigente opositor Leopoldo López — libertado de madrugada pelos agentes da polícia política que o vigiavam em prisão domiciliária —, não logrou travar a “usurpação” de Nicolás Maduro, numa jornada que os venezuelanos não esquecerão por muito tempo.
Apesar da derrota parcial, que levou López a refugiar-se na embaixada de Espanha, acompanhado pela sua mulher e a sua filha, e 25 militares a recorrerem à legação diplomática brasileira, Guaidó repetiu, num discurso feito já durante a noite, que “Maduro não tem o apoio nem o respeito das Forças Armadas, muito menos do povo venezuelano”.
O líder opositor, que estará num “lugar seguro”, segundo colaboradores seus, apelou à continuação da luta pacífica nas ruas. “No dia Primeiro de Maio continuaremos na rua, nos pontos concentração, vemo-nos nas ruas!”, garantiu aos seus seguidores, que durante terça-feira estiveram congregados em pelo menos 60 lugares, mas não de forma multitudinária.
“Hoje é um dia histórico para o país, o do início da fase definitiva do fim da usurpação. O protesto gera resultados, as Forças Armadas ouvem-nos. Chamaram-nos e fomos ao seu encontro em poucas horas. Podemos conseguir a mudança na Venezuela”, insistiu Guaidó, que reafirmou o seu apelo aos militares para darem seguimento àquela a que chamou Operação Liberdade.

MUDANÇA NOS SERVIÇOS SECRETOS

A sublevação parecia sufocada na noite de terça para quarta-feira (na Venezuela são menos cinco horas do que em Portugal) o que propiciou uma intervenção televisiva de Maduro após 16 horas de silêncio quebrado apenas por um tweet. Sem explicar porquê, Maduro revelou que decidiu nomear como chefe do Serviço Bolivariano de Informações (Sebin, por onde passa grande parte da repressão dos adversários) o criticado general Gustavo González López, destituído desse mesmo cargo em outubro de 2018, após a morte por alegado “suicídio”, na sede da instituição, do vereador Fernando Albán, além de um confuso incidente com a caravana presidencial.
O seu substituto até há horas foi o comandante Cristhoper Figuera, formado em Cuba, que tem laços estreitos com Maduro. Ao longo do dia soube-se, porém, que criticara o desempenho governamental do líder bolivariano. Maduro assegurou que os comandos do Sebin foram os primeiros a abandonar la “escaramuça do golpe de Estado”. Foram precisamente agentes do Sebin que libertaram, de madrugada, Leopoldo López, na sequência de um indulto decretado por Guaidó.
“Vamos continuar a sair vitoriosos em todas as conjunturas que surjam”, repetiu Maduro, que acusou López de ser “um verdadeiro assassino e fascista” e de dirigir, com o “autoproclamado” Guaidó, a operação. “Estes cobardes estão a fugir de embaixada em embaixada”, acusou Maduro. “O povo da Venezuela escutou o meu chamamento”, gabou-se, apesar de apenas algumas centenas de pessoas se terem dirigido às imediações do palácio de Miraflores, sede da presidência. O delfim de Chávez diz que eram 50 mil.
Maduro terminou o seu discurso acusando os Estados Unidos de terem o Governo mais louco da história. “Se relermos os tweets de Donald Trump e da sua pandilha… que desequilíbrio mental e que ódio tem esta gente! Afirmaram que havia um avião reservado para eu ir para Cuba e que os russos ordenaram que não o fizesse. Que falta de seriedade, senhor Pompeo!”, disse Maduro, referindo-se às alegações do secretário de Estado de Trump.
Também atacou o representante de Washington nas Nações Unidas: “Bolton também deu ordens para apoiar o golpe e Trump explodiu em mentiras e impropérios. Nunca houve um Governo como este. Nunca antes. Devemos responder com a nossa verdade”, concluiu, antes de convocar os seus adeptos para se manifestarem com mais força durante este dia 1 de maio.

BLOQUEIO INFORMATIVO

Apenas pequenos focos resistiam, ontem à noite (madrugada em Portugal), na Venezuela. Nada que ver com o “exemplo do Sudão”, onde uma mobilização de mais de um milhão de pessoas tmou a rua para derrubar o Presidente. Um pesadelo para os de Guaidó, à medida que as horas passavam e a repressão e a desinformação afastavam das ruas boa parte dos apoiantes da oposição.
O blackout informativo ordenado pelo regime afetou telefones, redes sociais, Youtube e Periscope. Até a reconhecida emissora Radio Caracas Radio, foi encerrada pela entidade reguladora Conatel. Mais tarde saíram do ar canais como a CNN e a BBC, elevando a oito o número de redes internacionais censuradas este ano. Para as televisões locais, pertencentes ao Estado venezuelano ou a ele vergadas, ontem foi apenas a véspera do Dia do Trabalhador.

Sem comentários:

Enviar um comentário

MTQ