Costuma-se dizer que não há duas sem três.
Recentemente descrevemos as peripécias que tinham originado o Despacho Presidencial n.º 52/19, de 9 de Abril, que revogava o Despacho Presidencial n.º 12/19 de 14 de Janeiro.
Ambos os despachos tinham sido assinados pelo presidente da República no espaço de três meses. No primeiro, o presidente tinha autorizado a compra de dezenas de aviões Boeing para renovar a frota da TAAG (Linhas Aéreas de Angola), enquanto no segundo revogava essa autorização e mandava obter a rescisão contratual com a empresa americana.
Também informámos que esta mudança da atitude presidencial tinha sido precipitada pela visita do FMI (Fundo Monetário Internacional) a Luanda, no âmbito do programa de apoio à economia nacional que esta organização está a proceder. Os membros do FMI tinham sido claramente adversos a esta operação, que consideravam um dispêndio de dinheiro injustificado na presente conjuntura de endividamento e estagnação da economia angolana.
Acrescia que a compra dos aviões levantava dúvidas sobre os benefícios da futura privatização da TAAG, mais parecendo um presente aos futuros donos, antecipando-se um daqueles esquemas corruptos em que os governantes angolanos se tornaram especialistas.
O assunto parecia ter sido encerrado pelo despacho de Abril, cabendo às equipas negociais angolanas obter o melhor resultado possível com a Boeing no sentido de cancelar o contrato.
Contudo, os vários interesses continuaram a mexer-se. Segundo informações de fontes credíveis chegadas ao Maka Angola, João Lourenço poderá, mais uma vez, ter de “dar o dito por não dito” e autorizar, afinal, a compra dos aviões. No fundo, como escrevia o bardo inglês Shakespeare, houve “muito barulho para nada”.
É sabido que a Boeing se encontra numa situação de grande pressão devido aos acidentes que ocorreram na Indonésia e na Etiópia com os seus novos modelos 737. O seu CEO (equivalente a Presidente do Conselho de Administração Executivo), Dennis Muilenburg, acaba de ter uma difícil assembleia-geral onde foi fustigado por vários accionistas preocupados com o futuro da companhia e a sua prestação em termos de segurança. Os céus estão turbulentos para a companhia norte-americana Boeing. Por isso, segundo as nossas fontes, quando os altos executivos da Boeing tomaram conhecimento da decisão de cancelamento de João Lourenço, desenvolveram uma estratégia comercialmente agressiva para evitar que tal acontecesse, agindo em dois tabuleiros.
Em primeiro lugar, os americanos efectuaram um elaborado lobby (permitido por lei) junto do FMI para que esta instituição abandonasse a posição adversa ao negócio e deixasse de levantar obstáculos ao mesmo. Em segundo lugar, foi chamada a atenção às autoridades angolanas das dificuldades de não cumprir um contrato já assinado e validado. Na verdade, alegou a Boeing, os aviões já estavam a ser produzidos, companhias subcontratadas, peças encomendadas, trabalhadores disponibilizados. Os danos emergentes resultantes da rescisão contratual seriam tão elevados que nem sequer compensariam o gesto. Isto queria dizer que, no fim, Angola ia ter o pior de dois mundos: pagava e não obtinha aviões.
Note-se que não é a primeira vez que Angola ou os seus dirigentes não cumprem contratos internacionais e surgem graves problemas. Temos o caso Cobalt/Sonangol, Unitel/Portugal Telecom e o da garantia soberana do BESA, que só não gerou problemas com o Estado português devido à sua subserviência e mansidão. No entanto, estes vários casos são responsáveis pela criação de uma imagem negativa de Angola junto da comunidade financeira internacional. O país assina contratos que não cumpre.
A verdade é que João Lourenço terá sido sensível a esta argumentação da Boeing, e o FMI terá deixado cair as suas objecções, por isso, segundo as nossas fontes, muito em breve sairá novo despacho presidencial a revogar o anterior que revogava o passado e a mandar o presidente do Fundo Soberano pagar o contrato com a Boeing. Será assim o Fundo Soberano a suportar os custos, tal como estava previsto. No fim da história, Angola vai comprar os aviões à Boeing com o dinheiro do Fundo Soberano.
Outra fonte governamental não confirma nem desmente o envolvimento do Fundo Soberano na compra dos aviões. “Não há solução à vista. O governo vai envolver o FMI na busca de uma solução que não comprometa o downpayment [dinheiro já pago à Boeing] e ao mesmo tempo não comprometa a relação com o FMI”, refere a fonte.
Sobre a intervenção do Fundo Soberano no pagamento dos aviões, a mesma fonte diz apenas “não sei qual é a solução técnica, se já a encontraram e se é que já está aprovada”.
Esta situação coloca obviamente João Lourenço em apuros, pois parece que não sabe governar. Aparentemente, foram os próprios ministros que criaram estes embaraços ao presidente. Archer Mangueira, das Finanças, sempre se opôs ao negócio, achando que ia criar pressões desnecessárias no tesouro angolano, enquanto Ricardo Abreu foi o grande impulsionador do mesmo. Com um governo dividido, Lourenço corre de um lado para o outro, mal assessorado e cometendo erros de palmatória.
Mais do que o dinheiro que vai ser gasto nos aviões, a confirmarem-se estas novidades, este processo coloca a nu as fragilidades da governação.
Por muito boas intenções que existam, sem uma equipa sabedora e coesa, defensora do interesse nacional e não capturada por desígnios privados, não haverá qualquer reforma e evolução positiva em Angola.
É tempo de João Lourenço perceber isso. Não vamos defender, como o filósofo grego Platão, que o rei tem de ser sábio, um rei-filósofo. Mas alertamos que o rei tem de ter sábios à sua volta e discernimento para tomar posições ponderadas e racionais.
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