quarta-feira, 22 de maio de 2019

Análise: Manuel Chang voltará já a casa ou a justiça americana ainda vai recorrer?

Análise: Manuel Chang voltará já a casa ou a justiça americana ainda vai recorrer?
A decisão de Michael Masutha, o ministro sul-africano (cessante) da Justiça e Desenvolvimento Constitucional, que coloca o nosso antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, na rota de Maputo e não de uma penitenciária de Brooklyn, em Nova Iorque, ainda não pode ser considerada como um dado definitivo.
Seria definitivo se Chang fosse metido esta manhã num avião e trazido a Maputo, evitando-se assim qualquer possibilidade de recurso por parte da Justiça americana junto do Tribunal Supremo da África do Sul. Se isso não acontecer – se Chang não ser trazido imediatamente – é bem provável que os americanos usem da sua última janela de oportunidade: esse recurso junto do Supremo sul-africano, complicando as coisas para os defensores da extradição para Moçambique, nomeadamente toda a trupe que já está a celebrar.
Ontem, o “press release” de Masutha, dando conta da sua decisão de extraditar Chang para Moçambique surpreendeu meio mundo. Uns abriram seu “moets” com caviar; a plebe soltou gemidos de dor, gritos de revolta.
“Carta” chegou à conversa com um dos advogados de Manuel Chang, Rudi Krause. Ele disse que ainda não tinha sido notificado da decisão. O “press release” também não constava do site do Ministério sul africano. Nada que apontasse para “fake news”.
A decisão suscita, no entanto, algumas interrogações. Um analista político sul-africano comentou para a “Carta” que a decisão de Masutha era tremendamente estranha, uma vez que coloca Pretória em rota de colisão com Washington em matéria de cooperação judiciária internacional, sem tirar os méritos do pedido de extradição de Maputo.
Mas a decisão de Masutha também foi colocada em contexto. Ele, um dos últimos resquícios de Jacob Zuma no anterior governo de Cyril Ramaphosa, está de malas aviadas. “Não é alguém que tenha um futuro brilhante e pode ter usado este caso para fazer um grande pé-de-meia”, comentou o analista. Uma sugestão de que a decisão tenha sido comprada (vendida). Na RAS isso não surpreenderia, tanto mais que Ramaphosa, que segue vendendo sua cartilha anti-corrupção, continua amarrado num colete de forças dentro do Conselho Nacional do ANC. Isso explica a ascensão da antiga Ministra das Relações Exteriores, Lindiwe Sisulo, para a vice-Presidência da RAS.
O actual governo de Ramaphosa reflecte, pois, os dois campos do ANC: o dele, Ramaphosa, mais progressista e anti-corrupto, e o de Ace Magashule, mais “racialista”, esquerdista e radical. Masutha pode ter usado essa clivagem para tomar uma decisão que não seria do agrado de Ramaphosa (pelos danos que causam à imagem externa de Pretória, sobretudo no contexto da sua mobilização por investimento estrangeiro) mas que se encaixa nos quadros mentais de Sisulo e toda esse corte de radicais do ANC (Sisulo, nos últimos anos, como Ministra, mostrou seu anti-americanismo convicto, defendendo Nícolas Maduro nas Nações Unidas e colocando a África do Sul na rota de colisão com Israel).
A decisão de Masutha deve ser olhada, pois, dentro deste prisma: há no Governo sul-africano e dentro do ANC quem vai sempre usar suas armas para colocar Cyril Ramaphosa numa saia justa.
As próximas horas (ou dias) serão fundamentais para se perceber melhor se a decisão de Masutha é definitiva. Isso dependerá da reação da Justiça americana, e de uma reação imediata, contestando-a. Se isso não acontecer, então a via para Chang estará totalmente aberta. E se ele regressar ainda hoje a Moçambique, pode evitar o recurso americano.
Mas será que os americanos vão recorrer?, eis a questão.
Uma ausência de recurso americano poderá suscitar outras leituras: a de a decisão de Masutha ter sido negociada entre os três países. Recordam-se de Tanveer Ahmed? O paquistanês que Moçambique decidiu, na semana passada, extraditar para o Texas? Ele pode ter sido uma moeda de troca? Talvez!
Ahmed tinha sido corruptamente ilibado por um tribunal de Cabo Delgado, em Janeiro, mas foi logo capturado por solicitação americana e trazido a Maputo. O Tribunal Supremo decidiu na semana passada pela sua extradição para os EUA mesmo sem acordo de extradição entre os dois países. O Supremo tomou a decisão com base na Convenção das Nações Unidas sobre Tráfico Ilícito de Drogas e Substâncias Psicotrópicas (é inusitado a justiça moçambicana tomar decisões legais com base em convenções, mas neste caso foi assim. Porquê?).
E foi interessante o “suspense” criado na véspera da leitura da sentença do caso. Também foi interessante uma declaração pública de oficiais americanos, semanas antes, segundo as quais Whashington não descansaria sem ver Tanveer Ahmed em solo americano. Terá sido ele o “quid pro quo” para a vinda de Chang para a casa? Será Tanveer, considerado um barão da droga, mais perigoso para a América que um ministro corrupto que alegadamente lesou umas dezenas de cidadãos americanos? É provável.
Um analista da RAS descarta a hipótese de negociação tripartida, alegando que Maputo não tem essa capacidade, suficiente “leverage”, mesmo apesar do gás do Rovuma. É uma leitura. Mas o regresso de Chang para Maputo só pode ser prejudicial para a justiça americana num aspecto: o ex-Ministro das Finanças era apenas um peão para um objectivo mas estratégico dos EUA, nomeadamente o de recolher evidências para atingir o Credit Suisse, enfraquecendo o banco suíço como um dos “playermakers” das finanças globais. Detelina Subeva percebeu isso e deslocou-se voluntariamente a Nova Iorque e já se considerou culpada, tendo obtido liberdade sob caução nos EUA.
Por último: a perspectiva de Chang regressar a Moçambique é uma vitória para o regime do dia, que andava nervoso com a possibilidade da sua extradição para os EUA e o potencial de danos que isso acarretava na eventualidade de uma delação do antigo Ministro. A lista dos negócios de Chang e seus associados em Moçambique é enorme e estava tudo em pulgas com a sua eventual extradição para os EUA.
Mas, para o grosso da opinião pública, a vinda de Chang é uma grande tragédia em dó maior, melodia pungente que fermenta um sentimento profundo de injustiça e a Frelimo vai ser certamente penalizada por isso. (Marcelo Mosse)
Comentários
  • Maria Margarida Chaves Marques Infelizmente não fiquei nada surpreendida ... era de esperar ...
  • Fernando Fernando Matusse Muito tempo....muita espectativa. Debalde, era um teatro a ser feito.

    A decisão não podia vir antes das eleições Sul Africanas porquê??

    Temiam represálias eles...

    Deste modo, não só evitaram percentagem reduzida como saíram a Pilatos....lavaram as mãos, pois se porventura os Americanos recorrerem e LEVAREM O HOMEM p Outro Continente, dirão que TENTARAM.

    Ainda há muita tinta por gastar.
  • Domus Oikos Obrigado pelo texto e Boa observações.
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  • Inacio Arnaldo Mazive Marcelo Mosse querias que o Manuel Chang fosse extraditado para EUA?
    Que relações a África do Sul teria com Moçambique se extraditasse o Manuel Chang para EUA? 
    Meu conterrâneo não olhas só para parte Americana/RSA faças o mesmo em relação a Moçambique
    /RSA.
    Moçambique também tem muitos acordos bilaterais firmados com a RSA. 
    Não te esqueças que a África do Sul vive da nossa energia eléctrica,mão-de-obra para além do nosso gás natural de Temane em Inhassoro e Govuro.
    Faço ainda te recordar que a Cidade da Matola foi alvo de bombardeamentos porque o nosso governo protegia os anteriores e actuais governantes do ANC. Em suma o que Moçambique fez em benefícios da RSA os EUA numa fizeram.
    Se é que o Manuel Chang roubou dinheiro de Moçambique deve ser julgado em Maputo porque o dinheiro não é dos EUA. Feliz quarta-feira.
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    • Joaquim Manuel Ilustre Inacio..fora mesmo de querer analisar a importancia ou não de Chang voltar a Moçambique, deixe que lhe retifique uma coisa...
      Moçambique fornece menos 2% de energia actualmente em uso na RSA... Os sul africanos tem actualmente uma uma capacida
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    • Pedro Clemente Amigo Inacio deixemos de lado a energia e o gaz que fornecemos a Africa do Sul e ainda para onde e para quem vai o dinheiro pago pelas nossas riquezas !! Meu amigo diz e bem que ajudamos o ANC na sua luta e sacrificamos o nosso pais quando nos opuseVer Mais
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    • Inacio Arnaldo Mazive Pedro Clemente o Ministro da Justiça da RSA decidiu extraditar o Chang para Moçambique mas vejo aqui moçambicanos contra a mesma decisão. Quando a RSA mata moçambicanos falamos mal e quando também nos ajuda a situação é a mesma,francamente!
    • Inacio Arnaldo Mazive Joaquim Manuel os nossos irmãos morreram na Matola vítimas de bombardeamentos do regime de segregação racial da África do Sul porque o nosso governo protegia os anteriores e actuais governantes do Governo do ANC achas pouco já que a energia para ti não é nada ?
    • Inacio Arnaldo Mazive Pedro Clemente aquela majestosa Ponte Maputo Catembe,a circular de Maputo,a construção de hospitais,escolas de diversos níveis de ensino,expansão de energia eléctrica,água etc etc são pagas com o dinheiro resultante das nossas riquezas.
    • Miguel Santos Inacio Arnaldo Mazive Caro amigo se não tem nada para dizer remeta-se ao silêncio.A extradição não tem nada a ver com pátria,tem sim a ver com justiça.Se o amigo está confortável com o facto de estar a financiar o atual alto custo de vida proveniente da ação de uma quadrilha que em tempos governou o país,eu e mtos milhares de moçambicanos e não só não estamos e por essa razão MCh e todos aqueles que delapidaram o estado devem pagar pelos seus crimes é essa justiça não se fará em Moçambique com certeza.
    • Hannah Miranda Atenção : Chang roubou dinheiro dos EUA e seus contribuintes. Se nao nao estariam procupados em julgar e nota :Os crimes foram cometidos nos EUA porque as transaçoes foram atraves de bancos americanos.
      Nao nos atirem poeira a cara por favor
    • Pedro Clemente Inacio Arnaldo Mazive RAS ajudou em que ????? Um ministro provavelmente corrupto a proteger um ex ministro e agora conhecido como ladrao da nossa Patria! !
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  • Tavares Augusto Devia incluir o efeito Procurador acusante - Exxon Mobil - decisão da RSA nesta análise.
  • António Francisco Isto era totalmente previsível quando ficou claro que a decisao finall seria política e não judicial. Acreditar que um politico respeite voluntariamente a justiça não é diferente de acreditar que um dia a galinha terá dentes.
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    • Geraldo Obra António Francisco até à ministra de negócios estrangeiros já tinha dito isso antes do julgamento. Nós é que andamos a alimentar ilusões.
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  • Melo Antonio Odanene Dirigentes Africamos sao farinha do mesmo saco
  • Ras Busta Não sei se americano sabe perder 😏
  • Hilidio Aloi Aloi A bola ainda vai rolar estamos todos atentos nas jogadas🙄🙄
  • Luciano Justino Chemane Isto não é como começa é sim como termina. Nao sei também se o americano gosta de ser contrariado
  • Mauro Jesus FRELIMO e ANC são partidos políticos irmãos
  • Messipo Matimbe Ainda nao ta fechado o ultimo episodio. Vamos esperar pra ver
  • Oweni Esmael Recorrer? 😂😂Na África o sistema de justiça é o sistema de acomodar barroes e intocáveis! 😂 America depois de Venezuela sofre segunda derrota com Moçambique 😂😂😂
  • Inacio Arnaldo Mazive Meus amigos o dinheiro roubado é de Moçambique e porque é que o Manuel Chang deve ser julgado nos EUA? Eu vivo em Inhassoro por exemplo: roubo ou mato alguém aqui e depois sou julgado em Cabo Delgado pelos crimes praticados em Inhassoro acham justo?
  • Leo D. P. Viegas Infelizmente na Pérola do Índico às vezes se confude wishful thinking com análise objectiva!
  • Roberto Saviano Você conhece mais velho MARCELO MOSSE quando ver.... 🤔🇲🇿🇲🇿😎😁😁😁😁

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