A sublime Luísa Damião
Luísa Damião, vice-presidente do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, afirmou hoje que o país está a viver um “momento sublime” na sua História, em que são necessários “verdadeiros patriotas” para apoiar o processo de combate à corrupção. E o que significa “sublime”? Significa, querida Luisinha, “muito alto, perfeitíssimo, majestoso, excelso, que fica acima de nós, poderoso, grandioso, esplêndido, encantador”.
Luísa Damião discursava na abertura da “Campanha Pública de Moralização da Sociedade”, iniciativa do MPLA, que se realizou em Talatona, a sul de Luanda, sob o lema “Combater a Corrupção e a Impunidade, É Garantir um Futuro Melhor e o Bem-Estar das Famílias Angolanas”.
“A moralização da sociedade é uma tarefa que necessita da força de todos. É urgente a necessidade e a oportunidade que temos no nosso tempo e nesta geração de corajosa e destemidamente fazermos um corte, uma ruptura de rejeição, contra as más práticas. É na verdade um momento sublime da nossa história, em que se precisam verdadeiros patriotas, homens e mulheres que defendam causas nobres e se propõem virar a página e deixar de navegar na impunidade”, sublinhou a dirigente do MPLA.
Segundo Luísa Damião, têm de juntar-se sinergias em torno de um combate “sem tréguas à corrupção, ao nepotismo, à impunidade e à bajulação”, que são vencíveis com o contributo todos os sectores da sociedade angolana.
A vice-presidente do partido que lidera Angola desde 1975, ano em que acedeu a independência, lembrou que os fundadores do MPLA cumpriram a sua parte, com o sonho, realizado, de um novo país, pelo que chegou a hora de, hoje em dia, todos os angolanos terem a responsabilidade de lutar contra o “inimigo comum”.
“A corrupção, o nepotismo, a impunidade e a bajulação são como se de uma bomba atómica se tratasse, que não poupa ninguém, pelo que tudo, absolutamente tudo, devemos fazer para vencê-la com todos os meios e inteligências necessárias. Devemos todos renunciar ao suborno, ou seja, o uso da recompensa escondida para conquistar um acto, ou omiti-lo, de um funcionário público a seu favor”, insistiu.
Para Luísa Damião, o nepotismo consiste na concessão de empregos ou favores por vínculo, e não por mérito, e o peculato é o desvio ou apropriação de fundos públicos para uso privado, pelo que um país em que impera a impunidade “gera descredibilização nas instituições, na confiança e no simbolismo que as mesmas transmitem à sociedade”.
“Os recursos financeiros ou materiais provenientes da corrupção tornam-se numa desonra pública. É um dinheiro que não é nosso. É do povo para realizar o interesse público. A corrupção é um crime hediondo que deve ser combatido sem tréguas com todas as forças”, acrescentou.
Lembrando que o combate à corrupção é um dos temas prioritários do Programa de Governo 2017/22 (esquecendo que o seu anterior patrono, José Eduardo dos Santos, também dizia o mesmo), Luísa Damião reiterou a necessidade de o cumprir, algo que “há muito se impunha: um combate cerrado e a sério no nosso país”.
“É o que estamos a fazer, mobilizando todas as instituições e a sociedade civil a juntar-se à luta que é de todos nós, na medida em que somos directa ou indirectamente afectados por ela, quer queiramos ou não. Todavia, estamos cônscios das diferentes interpretações e mal-estar que o combate ao fenómeno possa causar entre nós. Não está em causa as pessoas, mas apenas atacar e destruir o mal”, frisou.
Para Luísa Damião, o combate à corrupção já está a dar frutos, defendendo que Angola “abriu uma nova página, um novo ciclo”.
“Os cidadãos estão cada vez mais a escrutinar a acção dos gestores públicos porque estes são servidores e têm a obrigação de prestarem contas ao povo. Não há dúvidas da forte determinação, coragem e grande sentido de Estado do Presidente de Angola, João Lourenço”, sublinhou. Ai dela se, criticando a bajulação, não bajulasse o seu Presidente…
“O combate à corrupção e seus males é sério. Não vale a pena pensar-se que é apenas para inglês ver e que é selectivo, como alguns tentam insinuar em vez de apresentarem opiniões construtivas. É um processo onde o papel fundamental cabe não somente aos órgãos da administração da justiça, mas sobretudo das organizações da sociedade civil, das igrejas, das universidades e outros grupos de representação dos interesses de cidadãos”, acrescentou.
Nesse sentido, a luta contra a corrupção “é um facto” e os indicadores são “bastantes animadores”, com o encorajamento e incentivo das organizações e entidades da sociedade civil nacional e internacional, “que dão boa nota aos esforços em curso no país”.
“Nesta cruzada de luta contra a corrupção, o MPLA deve ocupar a primeira trincheira, assumir o papel de vanguarda e de líder”, concluiu.
Se este desiderato for alcançado é certo que Angola terá um futuro “sublime”. Desde logo porque acabará com todos essas cancros e, ao acabar com eles, acabará também com a existência do maior partido do mundo com mais corruptos por metro quadrado, o MPLA.
MPLA não luta contra o que é seu: a corrupção
A luta contra a corrupção, impunidade e bajulação deve continuar a ser baluarte dos militantes do MPLA, visando a estabilidade socioeconómica do país. Deve continuar? Mas alguma vez existiu? Se todos os corruptos conhecidos (para além dos que se presume) são do MPLA, não adianta chamar a raposa para defender as galinhas.
Hoje, como desde sempre, o MPLA diz que os militantes devem empenhar-se, ao máximo, no cumprimento de todas as orientações, o que – repetem – vai tornar o partido mais transparente. Bem que, ao menos, os dirigentes do MPLA poderiam perder a arrogância que os leva a pensar que são intelectualmente superiores e que, por isso, podem passar à esmagadora maioria dos angolanos (sobretudo aos nossos 20 milhões de pobres) constantes atestados de matumbez.
Falar de transparência num partido que sempre foi opaco é como falar de jacarés vegetarianos, de bagres voadores ou de loengos a nascerem nas mangueiras.
“Hoje o partido é o que governa, por isso é preciso cumprir as orientações do seu Presidente nas lutas que tem estado a abraçar, no sentido de tornar os comités de acções e os militantes em verdadeiros activistas políticos do MPLA, mas também, virados no campo do desenvolvimento socioeconómico do país, em prol do bem-estar dos angolanos”, defendeu em Dezembro do ano passado o membro do Comité Provincial do MPLA no Huambo, José Manuel dos Santos, esquecendo-se de recordar que o partido governa desde 1975 e – repita-se – que João Lourenço ainda não descobriu nenhum traidor ou marimbondo que não fosse do… MPLA.
José Manuel dos Santos aconselhou os militantes a serem firmes nos ideais do partido que, ao longo do seu percurso histórico, observou várias mudanças, mas de forma pacífica e com maturidade que nutre esta agremiação.
Aqui a criatura tem razão, reconhecemos. Repare-se (…) “ao longo do seu percurso histórico, observou várias mudanças, mas de forma pacífica e com maturidade”. De facto, que melhor exemplo de pacifismo e maturidade poderíamos querer do que aquele que levou, no dia 27 de Maio de 1977, os dirigentes do MPLA – a começar pelo seu presidente, Agostinho Neto – a mandar assassinar milhares e milhares de angolanos… do MPLA?
José Manuel dos Santos considerou positivo o percurso histórico do MPLA, tendo em conta o facto de ter conquistado a independência, consolidado a integridade territorial, a unidade nacional, implantado a democracia, o multipartidarismo, o sistema de comércio livre, entre várias mudanças importantes que ocorreram no país.
Com políticos deste nível o MPLA tem o futuro garantido. Basta mantê-los sempre com as palas (cada uma das duas peças que se colocam na parte lateral exterior de cada um dos olhos de certos animais, sobretudo burros, para diminuir a visão lateral) mas de modo a que vejam bem o chicote da fuba podre, do peixe podre e da porrada se refilarem.
Como bons repetidores, acéfalos mas com voz, estes pigmeus mentais limitam-se a bajular o senhor das “ordens superiores”, repetindo até à exaustão o que lhes mandam, mesmo não sabendo o significado do que estão a dizer.
O Presidente da República, João Lourenço, encorajou (em tese) as acções de fiscalização, inspecção e auditoria contra a corrupção. E se ele disse isso, os repetidores… repetem e vão, na primeira oportunidade, abrir as portas à… corrupção.
Partido Estado, Estado partido
A nossa querida Luísa Damião é mesmo “sublime”, até mesmo quando refuta que haja partidarização em Angola, na escolha dos quadros que dirigem o país. Tem toda a razão. Como é que alguém pode falar de partidarização se, desde 1975, todos sabem que o MPLA é Angola e que Angola é o MPLA?
“Não acho que haja, assim, tanta partidarização, porque o partido que vence as eleições está no direito de escolher quadros da sua confiança. E em qualquer país do Mundo é assim que acontece. Não é que haja partidarização. Não”, sustentou Luísa Damião com o brilhantismo intelectual que se lhe reconhece. E como para além dos que trabalham nos partidos não há quadros independentes…
Aliás, como nos ensinaram os grandes líderes da nossa classe operária, Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e agora João Lourenço, em Angola a regra revolucionária era, é e será sempre a mesma: Entre um génio sem partido e um néscio com cartão do MPLA, o patriotismo exige que se contrate o néscio.
“Revisionismo histórico: promotor da Unidade Nacional, ou instrumento de manipulação e opressão política?” “Dos fracos e vencidos não reza a História”, são as traves-mestras das políticas do MPLA, pouco importando que por circunstancialismo estratégicos de manutenção de poder seja necessário, de quando em vez, dizer o contrário e até sacrificar algum dirigente.
Que o MPLA nunca foi um partido preocupado com a inclusão “dos outros”, tão angolanos quanto os seus próprios militantes (alguns se calhar até mais), trazendo-os para o palco do debate político consequente, disso ninguém pode ter dúvidas. Entre “integrar” e “submeter”, a escolha tem sempre recaído na 2.ª alternativa. Sem surpresa! Está no seu ADN.
O MPLA sempre cultivou a ideia de que, fora do Partido, “nem inteligência e nem sapiência!”. Dito de outra forma, o partido hegemónico em Angola, atento ao seu autoproclamado papel messiânico, desde cedo incutiu nos seus militantes a crença de que entregar os comandos do País à Oposição, qualquer que ela fosse, seria o mesmo que “abrir as portas do inferno”. Sem o MPLA para nos valer, profetizam os seus dirigentes, restaria apenas um deserto estéril e amorfo, e os angolanos perderiam a sua identidade, tornando-se um povo à deriva, sem futuro e sem esperança.
Nada mais falso. Mas é preciso estar sempre atento. A máquina da propaganda, que entre cargos para uns e fuba (mesmo que podre) para quase todos, nos abalroa todos os dias não tem descanso. Trabalha sem parar.
A hegemonia opressora do MPLA (partido que criou e desenvolveu, à sua volta, uma aura santificada de infalibilidade) tem condicionado, fortemente, o surgimento e consolidação de uma alternativa sólida de governo, minando a autoconfiança dos agentes políticos da Oposição, “domesticando-os” em certa medida, e adormecendo-os “num sono de benesses e falsas honrarias”. E o medo do desafio de governar a enorme crise angolana, cheia de buracos escuros e de alçapões, adensa-se e toma conta dos líderes da Oposição, que receiam atirar-se à “fogueira”. Por isso reagem timidamente e nunca agem.
E a “obra de regime” do sacrossanto Partido não se fica por aqui.
O despudor inerente ao revisionismo histórico em Angola não incomoda… nunca incomodou a “cadeira do Poder”. Antes pelo contrário. A acção deliberada de falsear a História visa reforçar o “castelo” onde se refugia e prospera a chamada “elite dirigente”. Extirpar do seu sentido maior, por exemplo, o esforço patriótico empreendido pelos demais partidos históricos, que também tiveram o seu quinhão na luta anticolonialista, significa retirar importância à própria luta armada, e ao sacrifício representado pela morte de milhares de angolanos. Mas também aqui, a necessidade permanente de reafirmação política da “elite dirigente” sobrepõe-se a qualquer outro ditame, não admitindo, à “concorrência”, a veleidade de grandes voos… nem mesmo que só históricos.
Por preguiça mental, alguns intelectuais e historiadores angolanos (acríticos, ou mais ou menos a soldo do regime) não se dão, sequer, ao trabalho de consultar, seriamente, as numerosas fontes históricas que retratam um MPLA-guerrilheiro, conduzido com uma visão profundamente autocrática e violenta, e que, uma vez proclamada a Dipanda, logrou trazer para o Estado embrionário que criou e ainda tutela, todos os vícios totalitários dos regimes políticos que o influenciaram.
O Povo angolano sabe quem são os seus verdadeiros heróis, e não os mistura com os “heróis de plástico” apresentados pela propaganda oficial. “Verdadeiros heróis” porque também os há fabricados, alindados no seu carácter, despidos das suas contradições e excessos, alguns deles alçados mesmo à condição de semideuses… os “eternos libertadores do Povo”, a quem tudo é permitido. E é aqui que reside o problema.
Angola tem sido mergulhada, ao longo das últimas décadas, numa intencional lavagem cerebral, de consequências imprevisíveis para o resgate da Verdade histórica, que se desejaria inclusiva e plural.
Já ao tempo da luta armada, cedo o MPLA revelou o que lhe ia na alma: o seu carácter exclusivista, sectário, defensor da exclusão do “outro”. Por isso, também, ainda que se arvorasse a pertença a um extracto superior de revolucionários, nunca o MPLA se inclinou a construir pontes com outros movimentos nacionalistas, condenando nestes a ousadia de lhe disputarem o título de libertadores e o exclusivismo revolucionário. E a situação mantém-se, sem evidência de qualquer vontade de mudança.
Para apagar o contributo dos principais partidos da Oposição da memória das gerações pós-Independência, não é preciso que se fale mal desses patriotas. Basta que, nos livros oficiais adoptados pelas escolas do País, não se fale da sua acção em prol da autonomia da Nação. É, pois, o “apagamento propositado do outro” que nos conduz à situação presente de hegemonia do MPLA na sociedade angolana. O grande culpado da falta de preparação da Oposição para o exercício do Poder é o próprio partido que dela tem beneficiado. Daí a mesquinhez “adivinhada” no slogan do Partido divino: “Ou nós, ou o caos!”
Se hoje “só o MPLA tem obra para mostrar ao Povo”, como disse João Lourenço num comício no Huambo, tal situação é fruto da sistemática desvalorização do papel dos partidos da Oposição ao regime, distorcendo e menorizando a sua representatividade, falseando a Verdade histórica e condicionando as escolhas populares, por forma a eternizar-se no Poder.
A acção propagandística do MPLA, incidente nas populações menos intelectualizadas, nas aldeias, nas pequenas cidades da Angola profunda, nos musseques e junto de algumas faixas do desmesurado funcionalismo público angolano, têm sido sempre no sentido de condicionar o voto popular na sua pluralidade, quer pela criação de um clima psicológico de medo da mudança, quer pelo incentivar de um fenómeno de dependência patológica (muito parecido, nos seus efeitos, à toxicodependência).
No mais íntimo do seu ser, o dirigente do MPLA sente, realmente, que faz parte de uma “casta superior”, a quem foi divinamente atribuída a “missão evangélica” de tomar conta de Angola e dos seus Povos, dos negócios do Estado e da Arca do Tesouro nacional.
A queda (que será inevitável) do regime vigente, mesmo que suportado por dezenas de anos de poder (ou até talvez por isso mesmo), arrastará, inevitavelmente, o reescrever da História de Angola, libertando-a das carregadas cores dogmáticas e ideológicas impostas pelo MPLA, dessa forma permitindo que as novas gerações tenham acesso, finalmente, à Verdade histórica. Que assim seja! Um dia!
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