23.02.2019 às 23h31
Paulo Rangel, inserido numa delegação do Partido Popular Europeu na sua qualidade de eleito pelo PSD, escreve a partir de uma zona de fronteira junto à ponte de Tienditas, que liga o estado de Táchira (Venezuela) com Norte de Santander (Colômbia) e fica a pouco mais de 10 quilómetros da ponte internacional Simón Bolivar
Escrevo a pedido do Expresso. Ainda estou em Cúcuta, chegado há minutos da zona de fronteira junto à ponte de Tienditas. Não há tempo nem distância para filtrar e digerir os acontecimentos, as informações, as visitas, as conversas com a gente da rua, as reuniões com todos os implicados, o diálogo com a comunicação social do mundo inteiro, a interacção frenética com as redes sociais e toda a sorte de “urgências” e “correrias”. Não há tempo para digerir o último encontro, de quase hora e meia, com uma marcha de milhares de venezuelanos (boa parte, refugiados), que queriam atravessar a fronteira a qualquer custo e foram travados pela polícia montada da Colômbia a um quilómetro do destino. A primeira impressão tem, pois, de ser apenas e só uma impressão: a das emoções, a da emoção.
Quando uma delegação de políticos aterra em Cúcuta e uma centena de pessoas, que faz a sua vida normal no aeroporto, nos começa a saudar, a pedir “selfies”, a agradecer e a fazer apelos, algo está em curso, algo está a mexer. Reconhecem decerto duas ou três caras, tornadas famosas nas redes sociais, pela expulsão de Caracas na primeira missão. Seguimos para o hotel, numa pacata e típica, talvez perdida, cidade da América Latina. Mas a consciência rumina: “algo está em curso, algo está a mexer”.
Vamos à ponte Bolívar e logo depois à “Parada”. A Parada é a primeira paragem dos refugiados que passam a fronteira de Cúcuta, escapando do regime de Maduro. Todos os dias, o número de entradas na Colômbia alça à casa dos 30000. A paragem, para larguíssimos milhares, dura meses. Acampam, sem tendas e sem nada, ao ar livre. Sobre os passeios, os canteiros mal amanhados, os terreiros largamente coçados, há cadeiras de praia e de plástico, cobertores, oleados. Nada que se assemelhe sequer a uma tenda, seja de campanha, seja de feira. Têm ar triste e envelhecido, mesmo quando jovens. São magros e enrugados. Não exalam dignidade. Nestas mulheres, nestes homens, nestas crianças, há um olhar tingido de desespero. O relato do que vivem no exílio a céu aberto é dantesco; o relato do que viveram na pátria do Libertador é infernal. Aceitam tudo; vendem tudo; vendem-se por tudo. Agradecem com uma humildade que roça a indignidade o que quer se faça por eles.
Quando julgamos que, no pântano do desespero, não têm nada, afinal têm. Têm esperança. São os esperançados do desespero. Estão desesperados, mas esperam. Esperam mesmo. Acreditam em Deus, acreditam em Guaidó, acreditam na ressurreição da Venezuela. Estão exangues, estão vazios, mas crêem, suportam, esperam. Vítimas do populismo, sofrem, padecem, mas não cedem ao cepticismo, ao cinismo, ao niilismo. Acreditam nos políticos ou, pelo menos, em políticos. Acham que o mundo pode mudar. E que há mulheres e homens, entre os que os visitam por qualquer meio ou arte, que podem mudar o seu destino. Pressinto o húmus. Nunca uma missão política se “me” fez tão humana
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