Sexta, 21 Dezembro 2018 03:02
Eis uma questão que continua sem uma resposta clara e objectiva: de onde vem o dinheiro que alimenta os grupos de insurgentes, em Cabo Delgado? Mais: por que razão a juventude adere a estes grupos? Qual a proveniência das quantias encontradas na posse destes, aquando da sua captura? É lícito ou provém de (algum) pagamento referente à adesão a tais grupos? Pelo menos no distrito de Macomia, a grande maioria dos cidadãos acredita que um número significativo de participantes nas acções de insurgência terá sido aliciado por pessoas que movimentam grandes quantidades de dinheiro, através de uma rede organizada. A opinião pública local (de acordo com entrevistas concedidas por líderes comunitários e religiosos, comerciantes influentes e informais, e professores de Macomia) aponta dois objectivos por detrás da sublevação: “manchar” a religião islâmica e gerar instabilidade no país, numa altura em que se regista a ocorrência de recursos naturais, como petróleo, gás e outros minerais.
O extremismo islamismo foi apenas um ardil para a arregimentação de jovens, levando-os a levantamentos, mas ninguém é capaz de entender a sua génese: se tem raízes externas ou se nasceu no interior de Cabo Delgado. É irónico o facto de a luta armada de libertação nacional ter igualmente iniciado naquela província, em 1964. Apesar de se acreditar que muitos dos jovens terão sido aliciados para se juntarem ao grupo, nenhuma evidência foi demonstrada, ou seja, não há provas materiais que levem a crer que os integrantes terão tido acesso a dinheiro proveniente de fora do país. No distrito de Macomia, ao longo de 14 meses de insurgência, foram atacadas as aldeias de Naunde, Ilala, Natugo 1, Pequeue, Cogolo, Nacutuco, Nagulue, Namaneco, Unidade e Milamba. Depoimentos de testemunhas indicam que os atacantes dessas aldeias são os mesmos que, no dia 5 de Outubro de 2017, assaltaram o Comando Distrital e o Posto Policial de Owasse, iniciando a saga assassina.
Entre os nossos entrevistados, mesmo admitindo que provavelmente os jovens revoltosos terão sido aliciados em troca de valores monetários, ninguém garante, apresentando provas, donde, eventualmente, provém o dinheiro, nem sugere a identidade de quem lidera o aliciamento. Em Pangane, travámos uma conversa com o cidadão Assane, que afirmou que, pouco depois de o conflito ter tido início, ficou-se com a ideia de que os jovens recebiam dinheiro para levar a cabo tais actos, e que se tratava de um “trabalho encomendado” por pessoas visando satisfazer os seus interesses.
Já em Ilala, no posto administrativo de Quiterajo, a “Carta” dialogou com o cidadão Abdala. No seu entender, “não é possível algumas pessoas locais cometerem crimes, tais como incendiar casas e matar inocentes, sem terem recebido algo”. Ou seja, o nosso entrevistado não descartou a hipótese de haver aliciamento, mas também não foi capaz de revelar a origem do dinheiro, muito menos o nome do financiador. Na sede do posto administrativo de Mucojo, a ideia é partilhada por muitos populares, mas ninguém está em condições de dizer se e quando ocorreu o processo de pagamento, em que circunstâncias, e quem são os protagonistas de tais actos.
Uma porta para a corrupção
Ainda na sede de Mucojo, a “Carta” tomou conhecimento de que esta situação levado a que, no seio das autoridades, certas pessoas ameacem alguns agentes económicos – na sua maioria da seita islâmica “al-suni” – acusando-os de pertencerem ao grupo dos insurgentes e de beneficiarem de financiamento. Com receio de represálias, os visados acabam por desembolsar avultadas somas.
No dia 23 de Setembro, por exemplo, três agentes económicos da aldeia Pangane (dois nacionais e um estrangeiro), foram acusados de pertencer ao grupo dos rebeldes, e que supostamente teriam recebido dinheiro de uma empresa cujo nome nunca se revela. No mesmo dia, foram intimados a comparecer no posto policial de Mucojo, de onde depois seriam levados para o Comando Distrital. Entretanto, enquanto se encontravam em Mucojo, aguardando a sua transferência para Macomia, eis que as suas esposas recebem chamadas de pessoas que se identificavam como funcionários da procuradoria e do tribunal, instando-as a levar consigo 54 mil Meticais cada uma, para a polícia, em troca da sua liberdade. Esta acção foi frustrada devido à intervenção da Administradora Distrital e de alguns familiares dos detidos residentes fora de Macomia, que receberam informações do esquema por telefone. “Carta” apurou ainda que dois cidadãos identificados por Marecano e Nelson Sualeh, este último professor da Escola Primária Completa de Macomia sede, terão igualmente caído na malha das autoridades, sob acusação de que beneficiaram do dinheiro que os insurgentes receberam.
Esta atitude resulta do facto de que Marecano, que há alguns anos foi condenado por participação em acções de caça furtiva, se teria (O “QUE” ATRAI O “SE” PARA ANTES DO VERBO) ausentado do distrito, supostamente para integrar o grupo. Relativamente ao professor Sualeh (que também já havia sido sentenciado num processo que tem a ver com caça furtiva), a suspeita é de que teria adquirido desde ano passado uma viatura pessoal, acto que foi logo associado ao facto de que “teria embolsado valores para fazer parte do grupo de rebeldes”. Mesmo sem provas, as autoridades levaram-nos até Mocímboa da Praia, onde foram interrogados por uma “comissão de inquérito” sobre a sua pretensa participação em actos de sublevação, tendo acabado por ser inocentados.
Mas que há dinheiro… há!
Entretanto, a “Carta” teve conhecimento de que muitos dos insurgentes capturados pelas autoridades, e até mesmo os que acabaram por ser mortos nos confrontos em Mocímboa da Praia, traziam nos seus bolsos avultadas somas de dinheiro. Mas qual seria a origem desta quantia? Algumas fontes contactadas na vila de Macomia, por exemplo, afirmaram categoricamente que, antes de se deslocarem a Mocímboa da Praia onde viriam a protagonizar o ataque, os rebeldes venderam os seus pertences (casas, barracas, e outros), facto que pode justificar a posse de avultadas somas de dinheiro na sua posse.
No entanto, há algumas coisas que “não encaixam”: é que um dos actos perpetrados pelos insurgentes quando atacam aldeias consiste em saquear valores monetários e outros bens nas barracas, sinal de que têm fome e necessitam de dinheiro. Ora, se recebessem as alegadas quantias, não precisariam de roubar bens e numerário nas barracas. Enfim, ninguém fala com propriedade e evidências, mesmo que a opinião pública admita que os insurgentes terão sido aliciados para integrarem o grupo. Não há quem consiga revelar o nome da empresa, agência, muito menos pessoas de referência que garantam o acesso ao referido dinheiro usado para aliciar jovens. (Saide Abido)
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