Luanda - Percurso de Lopo do Nascimento - o 1.º primeiro-ministro que poderia ter sido o 2.º Presidente de Angola, mas a DISA não deixou. Sucessos e reveses do ex-político de um partido que aprendeu a controlar publicamente as lutas internas.
Fonte: Vanguarda
Os serviços de segurança quiseram limpar tudo quando os quadros do interior
Comecemos em 1975, e com a sua frase: ‘vamos partir os dentes à pequena burguesia’. Ainda hoje a diria?
Não. Naquela altura havia um certo contexto, não apenas em relação ao caminho que o país estava a seguir, mas também em relação aos problemas internos do MPLA. Sabem que o ‘27 de Maio’ foi o resultado de conflitos, de uma luta interna entre várias concepções esquerdistas do MPLA. Não podemos retirar a frase de uma certa época. Naquela altura o Movimento transformou-se em MPLA – Partido do Trabalho, num partido comunista, e, surpreendentemente, a própria União Soviética, não estava de acordo com este caminho.
Não. Naquela altura havia um certo contexto, não apenas em relação ao caminho que o país estava a seguir, mas também em relação aos problemas internos do MPLA. Sabem que o ‘27 de Maio’ foi o resultado de conflitos, de uma luta interna entre várias concepções esquerdistas do MPLA. Não podemos retirar a frase de uma certa época. Naquela altura o Movimento transformou-se em MPLA – Partido do Trabalho, num partido comunista, e, surpreendentemente, a própria União Soviética, não estava de acordo com este caminho.
E qual seria o caminho?
O que o MPLA era anteriormente, um partido socialista. Os soviéticos não queriam que houvesse em África partidos comunistas que tomassem o poder. Quando esteve aqui uma delegação para analisar os documentos em que nós estávamos a trabalhar, a informação que deram foi negativa.
No que é um bocado contraditório, não acha?
Não. Eles sabiam que em África não havia a possibilidade de se criar um partido comunista que se consolidasse.
E a determinada altura a palavra ‘burguês’ vira-se contra si. É afastado pelo Presidente Neto porque tem uma outra interpretação, não tanto do conceito burguês, mas do rumo que o partido tomava?
Não fui afastado pelo Agostinho Neto por questões deste tipo. Fui afastado porque os russos detectaram que ele tinha um cancro, que não ia demorar muito tempo, e os cubanos andavam a insistir que era preciso preparar a sucessão. Os nossos serviços de segurança não aceitavam que a sucessão fosse feita por alguém do interior – eu era do interior, nunca tinha andando na mata a combater. Inventaram que os cubanos queriam dar um golpe de Estado para afastar o Agostinho Neto, e isso serviu de pretexto para me afastarem. Eu saí porque os serviços de segurança informaram o Agostinho Neto que os cubanos estavam a preparar para que eu o substituísse. E é evidente que quem está doente não aceita bem uma coisa dessas.
Não lhe era estranha a ideia de suceder a Agostinho Neto?
Vou contar-vos uma coisa: eu fui trabalhar para a Comissão Económica das Nações, e o Agostinho Neto, antes de ir para Moscovo, onde ele sabia que seria operado, mandou-me chamar, mas os camaradas que receberam instruções para me mandarem a carta, não a enviaram. Quando o Agostinho Neto morreu, venho para cá, e no aeroporto, a primeira pessoa que me recebeu, o Paulo Jorge, disse: ‘Então o Presidente mandou-te chamar e tu não vieste? Queria falar contigo antes de ir para Moscovo’. E eu disse: ‘Não, ninguém me disse nada’. ‘Não te disseram nada?! O fulano, o fulano e o fulano receberam ordens do bureau político para te mandarem chamar’.
Quem são esses fulanos?
Não vou dizer nomes
Hoje, fala-se muito das questões internas, mas a intriga domina o MPLA desde o início?
Acho isso lógico. Faço política, e política é isto. Eu tinha um problema: era dirigente do MPLA no interior, porque o MPLA, em 1962, quis seguir a estrutura da luta de libertação da Argélia, que tinha uma luta armada, dirigida a partir da Tunísia, e criou a FLN (Front de Liberation National) interna, para dirigir a política interna, e o MPLA foi por esse caminho e criou o MIPLA (Movimento Interno Popular para Libertação de Angola), que tinha uma estrutura que dirigia internamente a luta. Mas tinha um problema diferente dos argelinos: aqui os colonos eram portugueses e não eram franceses. Era muito difícil fazer uma luta interna a partir de um centro de decisão. Então optou-se pela criação de diversos comités – a estrutura comunista do triângulo.
O que é que aconteceu?
As pessoas podiam ir para a escola aprender, mesmo os militares tinham uma formação superior comparados com que estavam lá fora. E isto foi a primeira ‘maka’ do 27 de Maio. Os serviços de segurança quiseram limpar tudo quando os quadros do interior começaram a subir. E como nós vivíamos aqui com os portugueses éramos olhados com desconfiança, e mais, vinham com a ideia de que como não tínhamos andando na guerrilha não podíamos subir.
Um comunismo que se aproximava mais da Jugoslávia de Tito?
Sim, e isso criou problemas ao Agostinho Neto. Quando o MPLA veio para cá, em 1974, os russos tinham cortado as relações com o Neto.
Que foi próximo de Olof Palme, tinham uma relação pessoal. Porque é que Angola não se tornou uma social-democracia?
É muito fácil: nós estávamos em guerra, a tropa que estava aqui era cubana e o armamento era russo. Como é que podíamos estar ligados à Suécia? O MPLA sempre trabalhou com a ajuda da União Soviética. Quando o MPLA teve problemas internos, houve uma divisão, e os soviéticos, que apoiavam o MPLA, em 1972, 1973, passaram a apoiar o Chipenda, que era o homem que dirigia as forças armadas. Por outro lado, os soviéticos tinham muita desconfiança do Agostinho Neto porque ele era amigo do Tito, e a visão do Tito não era a mesma dos soviéticos, e não queriam dar o apoio ao Neto. Quem conseguiu mudar essa questão foi o presidente Boumediene, da Argélia, e o presidente do Congo, Ngouabi, que convenceram os soviéticos que apoiar Angola era apoiar o MPLA e não os outros. O Congo e a Argélia foram fundamentais.Então o núcleo de Neto só se sobrepõe à ‘Revolta do Leste’ porque houve interferências externas, e são elas que dominaram o jogo interno? Não, não é só por isso. O núcleo interno do MPLA estava ligado ao Neto, ele é que era o nosso líder, tudo resto era gente que dividia o partido, e, perante isso, nós decidimos ficar com o Neto. Nós, do MPLA, que estávamos na Argélia (1973/1974), fizemos um documento contra a ‘Revolta Activa’, e eu recebi indicações dos que estavam cá para que, claramente, atacássemos a ‘Revolta Activa’ e que nos colocássemos ao lado do Neto.
Se, em 1973, o movimento interno acredita na liderança de Neto, porque é que tudo se desfaz em 1977?
O movimento interno foi criado em 1962,em 1963 fomos presos, e foi praticamente destruído, o que nos levou a perceber que não podia haver um único centro de decisão – nessa altura, o dirigente máximo era o Hermínio Escórcio, do MINA (Movimento de Independência Nacional Angolano). Fui preso nessa altura, em 1963, e só saí em 1968, estive cinco anos na cadeia. Mas as lutas internas no MPLA são desde sempre.
E como é que foi possível que o MPLA tenha conseguido ultrapassar todas estas questões?
É porque havia uma concepção – pelo menos, foi o que sempre a defendi – de não vir cá para fora com os problemas internos.
O MPLA não expõe as dissensões na praça pública, mas o Lopo fê-lo não há muito tempo?
Porque já não sou dirigente do MPLA, abandonei a política. Mas como dirigente, sempre apresentei os documentos que tinha a apresentar ao meu partido. Não estava de acordo com a concepção centralizadora do Planeamento. Fui ministro do Plano e nunca vim cá para fora dizer isto ou aquilo, mas apresentei um trabalho ao partido dizendo que não funcionava. O Presidente José Eduardo percebeu, e mudou.
Estava preparado?
Não posso dizer se estava ou não preparado. Teria de ter sido escolhido. Quando eu fui nomeado primeiro-ministro – nomeado, não, escolhido – na direcção surgiram dois nomes, o meu e do Saidy Mingas, e quando disseram ao Presidente Neto quem era os nomes – eu não estava em Angola nessa altura -, ele indicou ao partido que devia ser nomeado o camarada Lopo, que era uma pessoa do interior, que conhecia as pessoas, conhecia os funcionários, e nós precisámos de manter as pessoas, para que não fugissem. O que já não acontecia com o Mingas.
Assume a liderança, como primeiro ministro, do governo de transição. O que é que correu mal?
Primeiro, a estrutura de governação era muito pouco operacional, três primeirosministros, a cada mês era um que dava ordens. Mas a estrutura era uma coisa mínima, podia ter sido alterada, o problema é que havia visões muito diferentes do que se queria fazer. Que, naquela altura, eram irreconciliáveis.
O senhor é tido como o homem do diálogo, quando é que cedeu e percebeu que o conflito só se resolvia pelas armas no terreno? Ou isso foi-lhe imposto?
Não, não me foi imposto… (pausa). Sempre pensei que era possível chegar a entendimentos, nas discussões, nos acordos…
Foi ingénuo, portanto?
A palavra é essa. Acho que tive uma certa ingenuidade, e o Savimbi fez-me perder a credibilidade. No Conselho Nacional de Defesa do Governo, partilhava que era preciso ir discutir com a UNITA, mas o militares não concordavam, diziam-me que não tinha solução, até que chegou uma altura em que as pessoas que defendiam o meu ponto de vista, e entre elas o próprio Presidente José Eduardo, concordaram que os militares tinham razão.
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João Nambua Tutaleny
Sei que faz parte da história de Angola mas não acho saudável revirarem novamente esta página negra, desagradável e lamentável... Mas enfim, é preciso esclarecer o passado, para melhor compreender o presente, sarar as feridas e perspectivar o futuro. Só não percebo por que razão esta ilustre figura da praça política angolana, esteve calado durante tanto tempo!
Pereira Dos Santos
Voces nao estao a prestar bem attencao pela vontade do mas velho em narrar novamente esta historia. Ele esta a querer nos dizer que nao quer ser enterrado com segredos politicos, porque dentro em breve ele esta preste a ir descansar.
Segundo Tenete Picro Farad Mustafa
porque nao se endederamem 1975 com savimbi a final jose eduardo ja agitava nao coversar e por isso aguerra durou muito tempo
Sançao Celestino
Marcelo Truman penso que foi um tiro dado nos pés dos que sempre diziam e continuam a dizer que foi a unita que começou com a guerra.
Aí está a resposta dada pelo mais velho do MPLA Lopo do Nascimento quem começou com a guerra foram os militares do MPLA.
Obrigado.
Aí está a resposta dada pelo mais velho do MPLA Lopo do Nascimento quem começou com a guerra foram os militares do MPLA.
Obrigado.
Mestre Vaz
Estou a achar muito interessante os nossos libertadores falarem do que realmente aconteceu. Por um lado, há uma demonstração de tamanha liberdade de expressão, por outro, recebemos informações de fontes primárias, vivas, que já têm uma certa idade e não podemos deixa-los morrer sem depositar a verdade, porque senão vamos voltar a receber informações pouco fidedignas dos contadores de história. Srs. jornalistas e historiadores, aproveitem a boa vontade e abertura dos participantes da história para reconstituir-se a nossa história até então confidencial, aprisionada nos cofres do bureau político.
Laurindo Artur
A história deve ser contada com factos...é altura do cota Lopo, começar a escrever as suas memórias
Adriano Kalunga Kalunga
A inconsciencia no MPLA já data desde a sua criação.
Sempre a tatinharem.
Sempre a tatinharem.
Tamara Monteiro
Daqui a pouco vai se mudar a história de Angola, porque todos querem desenterrar os segredos do passado, que há muito andavam enterrados.
Mussaló Kassule Katopó
Meus Senhores, escrevem bem a história de Angola por. Por Africa por si só não tem historia, devido colonialismo que apagou tuo e o resto levaram na europa. Agora é tempo de escrever para Angola.
Quinze Intelligence Web
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Pedro Miguel Matias
É sabido em Portugal e há textos das comunicações feitas no Congresso do PC em Moscovo que o confirmam, que foi Álvaro Cunhal do PCP que defendeu o MPLA junto dos russos . Eu sei que custa muito a alguns angolanos reconhecer méritos/dívida a portugueses, mas esse mérito foi dele, e a História confirma-o, independentemente de opiniões . Sinto.
Pedro Bastos Mateus
ÓH João Nambua, pareces um Tutaleny, pá, que ingenuidade a tua......
Manuel Joao
É necessário escrever isso e publicar com todos detalhes. E o JLo estava onde nesta altura? Vocês não trabalharam juntos em nenhum momento? Escrevam a História real para a juventude se informar e não viver de boatos. O Manuel Rui Monteiro disse coisas muito interessantes sobre a nossa revolução até hoje, mas acho que falta mais. Vcs podem nos ajudar a entender o país real do passado ao presente para podermos pensar o futuro com ideias sólidas. O livro de Iko Carreira, O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto, ajudou-me muito. Escrevam também vocês! Lopo do nascimento, Ludy Kissassunda, Manuel Ruí Monteiro e todos aqueles homens e mulheres que viveram a nossa História na 1ª pessoa (incluindo os dos outros partidos e membros da sociedade civíl).
Marilina Elvas
Falar do 27 de Maio é abrir muitas feridas, lembro-me do único filho de uma vizinha minha, naquela altura eu tinha senão me engano 14 anos, escondeu-se na casa de uma vizinha, a vizinha disse vai entrega-te que eles não iriam fazer mal. A mãe dele morreu sem poder enterrar o seu filho. ela como muitas mães acreditaram nestes megalomaníacos e entregaram os seus filhos, acreditando que não iria acontecer nada com eles. Este Senhor que neste momento esta a tentar justificar o injustificável. Foi o !º Ministro no primeiro ano de governação dos megalomaníacos. O que fez quando tomou posse, acabou com os subsídios dos trabalhadores, porque era herança imperialista tinham que seguir o socialismo. Mas tarde quando veio o multipartidarismos vimos que tinham grandes heranças herdadas não se sabe como, porque até quem tinha 1 dolar em casa era preso pela serviços secretos do estado, dito disa. Vamos ficar por aí são muitas feridas, estes megalomaníacos tenhem muito que contar.
João Baptista Domingos Domingos
Há tantas histórias em Angola para serem contadas antes e depois da independência, infelizmente vejo aqueles que dizem serem defensores de Z e Y a se pegarem somente no 27 de Maio. Actualmente o que tencionam ganhar com está nefasta história?
Alberto Neto
O estalinismo angolano está prenhe de contradições, deturpações e deu no que deu.Uns vomitam e engolem ...o vómito.A falta de liberdade de expressão faz o resto.Parabéns Lopo pelo reconhecimento e por teres desvendado alguns segredos do socialismo esquemático.
Silva Silva
A história deve ser contada sem artifícios e sem artimanhas, porque ela não mente. Quem mente é quem conta a historia.
Oliveira Domingos Manuel
O MPLA e uma procaria .Como e que os angolanos aceitam um partido compostos de bandidos de ambiciosos e gatunos?
Cláudio Tomás
Há tempo para todas às coisas! Se o mais velho Lopo falou antes ou não, e só agora, o mais importante é conhecer a verdade, que é a nossa história. Aliás, a historia não é pronta e acabada.
Augusto Nestor
Não lhe era estranha a ideia de suceder a Agostinho Neto?
Vou contar-vos uma coisa: eu fui trabalhar para a Comissão Económica das Nações, e o Agostinho Neto, antes de ir para Moscovo, onde ele sabia que seria operado, mandou-me chamar, mas os camaradas que receberam instruções para me mandarem a carta, não a enviaram. Quando o Agostinho Neto morreu, venho para cá, e no aeroporto, a primeira pessoa que me recebeu, o Paulo Jorge, disse: ‘Então o Presidente mandou-te chamar e tu não vieste? Queria falar contigo antes de ir para Moscovo’. E eu disse: ‘Não, ninguém me disse nada’. ‘Não te disseram nada?! O fulano, o fulano e o fulano receberam ordens do bureau político para te mandarem chamar’.
Quem são esses fulanos?
Não vou dizer nomes.
( Meu Deus, pra quê tanta Barbaridade!) até o mais velho tem medo de dizer os nomes!
Vou contar-vos uma coisa: eu fui trabalhar para a Comissão Económica das Nações, e o Agostinho Neto, antes de ir para Moscovo, onde ele sabia que seria operado, mandou-me chamar, mas os camaradas que receberam instruções para me mandarem a carta, não a enviaram. Quando o Agostinho Neto morreu, venho para cá, e no aeroporto, a primeira pessoa que me recebeu, o Paulo Jorge, disse: ‘Então o Presidente mandou-te chamar e tu não vieste? Queria falar contigo antes de ir para Moscovo’. E eu disse: ‘Não, ninguém me disse nada’. ‘Não te disseram nada?! O fulano, o fulano e o fulano receberam ordens do bureau político para te mandarem chamar’.
Quem são esses fulanos?
Não vou dizer nomes.
( Meu Deus, pra quê tanta Barbaridade!) até o mais velho tem medo de dizer os nomes!
Carlos Silva
Há contextos em que se não pode nem deve falar, sobretudo em estado de guerra.
Mesmo hoje em que não há guerra, mas também não há paz, não é bem recebida a verdade dos factos.
Todas as Bibliotecas vivas, devem registar as memórias, para que os futuros historiadores, sem a presença viva dos protagonistas, possa então escrever a Historia da NaçãoNão foi possível carregar o Disqus. Se é um moderador, por favor leia o nosso guia de resolução de problemas.
Mesmo hoje em que não há guerra, mas também não há paz, não é bem recebida a verdade dos factos.
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