O triunfo da litigação a favor dos pobres
No passado mês de Setembro, o advogado dos direitos humanos sul africano Richard Spoor foi acusado de assalto com base num artigo do código penal do tempo do apartheid, alegadamente por ter apontado o dedo a um polícia. O alegado eriçar do seu indicador aconteceu num evento onde o ministro dos Recursos Minerais Gwede Matanshe falava para os residentes da vila de Xilobene, na remota Wild Cost, rica em minerais. As comunidades locais exigiam uma quota parte direta dos ganhos da mineração, actividade nas mãos de multinacionais em alianças espúrias com as elites predadoras do ANC. Há um vídeo onde se pode ouvir uma altercação entre Gwede e Spoor fora da tenda erguida para o evento. O dois se conhecem desde os tempos do apartheid, quando estavam embarcados na mesma luta em defesa dos mais desfavorecidos.
Com o fim do regime racial, Mantashe se juntou ao poder, usufruindo também do bolo da riqueza local, muitas vezes expropridada às camadas pobres. Spoor continou do lado oposto, sobretudo promovendo acções judicais de classe em defesa dos interesses de trabalhadores da mineração contra multinacionais apenas interessadas no lucro, pura e simples. Ele é um “class action veteran” como lhe descreveu na semana passada o Sunday Times. Um dos seus casos recentes foi a defesa de 20 mineiros afectados por tuberculose. Conseguiu para eles uma indemnização de 5 bilhões de randes. Na Àfrica do Sul, a litigação probono em defesa dos pobres é uma tradição. Lá há centenas de Richards Spoors. E fazem sucesso. Não se fica rico mas faz-se justiça. Em Moçambique contam-se aos dedos. São pouquíssimos os que decidiram abraçar essa àrea. Um deles é o irreverente advogado dos direitos humanos, João Nhampossa. Oriundo da “malangashield” profunda, Nhampossa fez escola na Faculdade de Direito da UEM e um mestrado em Pretória, onde bebeu os fundamentos da litigação “pro-poor”. Regressou ao país e entrou para a Liga dos Direitos Humanos, nos derradeiros anos anteriores à falência da organização em face de uma gestão errática, ajudando dezenas de “injustiçados” que iam lá em socorro. Quando saíu da LDH, Nhampossa andou sempre ligado ao activismo social mas o que ele gosta mesmo de fazer é levar o poder às barras. E usar a Lei para defender os pobres contra os poderosos.
Depois que Flávio Menete assumiu a liderança da Ordem dos Advogados de Moçambique, o ex-piloto aviador e ex-polícia de investigação criminal rendeu-se à irreverência de Nhampossa. Na Ordem, o jovem advogado é o faxineiro para tudo o que envolve ativismo social e litigação em defesa dos pobres. Na semana passada, Menete e Nhampossa conseguiram uma proeza. O Tribunal Administrativo deu-lhes razão numa acção interposta no Tribunal Administrativo, para acederem à documentação relevante do Pro-Savana. Agora, o Ministro da Agricultura e Segurança Alimentar, Higino Marrule, tem de lhes fornecer essa informação, sob pena de estar a desobedecer a uma decisão de um tribunal, o que pode dar origem a procedimento criminal. Marrule está numa saia justa. O Pro-Savana, que envolve a concessão de milhares de hectares de terra da população campesina a um consórcio multinacional estrangeiro, foi tramitado pelo seu antecessor, o Ministro José Pacheco (Negócios Estrangeiros e Cooperação), eventualmente mais propenso à sonegação de informação que Marrule. É de esperar que Marrule cumpra rapidamente a ordem do Tribunal. Se não cumprir, ele incorre em consequências nunca antes impostas a um ministro em funções. Na África do Sul, Spoor é rotulado pela elite do ANC com um “branco manipulando os pobres”. Aqui, Flávio e Nhampossa podem vir a ser acusados de estarem ao serviço da mão externa. Mas isso não tem importância. O que fica para a história é que eles estão abrindo um precedente positivo que vale mais do que toda a demagogia preguiçosa de ONG.
Na foto: Flávio Menete e João Nhampossa.
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