O combate, a guerra, ou o assalto, à corrupção está a engatinhar, mas já com a Casa Grande a arder. Os seus dirigentes dividem-se quanto à estratégia de João Lourenço de não medir esforços para, politicamente, ordenar (e a ordem deveria ser do judiciário e não do Presidente) a prisão de alguns supostos intocáveis, como José Filomeno dos Santos, Zenú, filho do ex-dono da bola, o poderosíssimo ex-presidente Eduardo dos Santos, recolhido às masmorras da cadeia de São Paulo.
Ao fim de 43 anos de autocracia e de 38 de cleptocracia, o Povo festeja o fim da mordaça e a punição de alguns, nada preocupado com a justeza, legalidade ou sensatez da decisão.
A satisfação é tal que nem se lembra que tem a barriga vazia, que tem falta de água potável, de energia eléctrica, de saneamento básico, de assistência médica e medicamentosa, de escolas, de alimentação, de salários compatíveis.
José Filomeno dos Santos, Jean-Claude Bastos de Morais, Valter Filipe, Augusto da Silva Tomás foram presos. Bravo. João Lourenço é o maior. Kopelipa, Matross, Higino Carneiro podem ser os próximos. Bravo. Isabel dos Santos também? Então aí será a farra completa.
Mesmo detidos gozam de presunção de inocência até a sentença transitar em julgado. Isso pouco importa. O orgasmo popular, como muito bem sabe João Lourenço, passa apenas e só por ver esta gente (com a qual o próprio João Lourenço esteve solidário durante décadas) no chilindró.
Em termos académicos, a decisão está correcta. Em termos políticos, talvez esteja. Em termos formais de uma democracia e de um Estado de Direito esteve (poderá ter estado) errada. Sendo discutível o momento e o escalonamento das prioridades do país, o busílis da questão prende-se única e simplesmente, o que não é de todo despiciendo, com a clara sensação (nacional e internacional) de que o Poder Judicial continua sob as ordens do Presidente da República, não havendo de facto (há apenas de jure) separação de poderes.
Politicamente João Lourenço mostra força e capacidade de, em legitima defesa e mesmo sem essa razão, avançar com toda a força para aniquilar qualquer bolsa de resistência no seio da sua família partidária, o MPLA, solidificando e ampliando os apoios internos de um Povo demasiado farto, e garantindo a solidariedade também material de algumas potências internacionais para quem, na casa dos outros, os fins justificam o uso de todos os meios possíveis e imaginários.
Zenú devolveu, apenas, os primeiros biliões
Há um cenário, tido como credível pelas fontes do Folha 8, em que em relação aos 500 milhões de euros, Zenú dos Santos assinou uma carta dirigida ao Titular do Poder Executivo, comprometendo-se a devolver o montante, informando desta decisão, também, ao Banco Crédit Suisse, em Londres. Com essa vontade da parte, o banco e as autoridades inglesas, conformaram-se com o pedido. Assim regressavam os milhões. Zenú cumpriu, ressarcindo o Estado dos danos antes causados.
Mas faltava mais, pois antes o BNA, por ordem do Fundo Soberano , à época de Zenú, enviara uma transferência, cuja justificativa seria para viabilizar a engenharia dos 500 milhões, o montante de 26 milhões de euros.
E aqui, a porca torceu o rabo, pois Zenú jurava ao Presidente da República e à PGR ter ficado descapitalizado e não ter esse dinheiro. Irredutível a investigação, solicitou que ele recorresse aos seus conhecimentos e aí, entra, como não poderia deixar de ser, o papá, José Eduardo dos Santos, que cônscio de ver sanado o problema, solicita ao general Leopoldino do Nascimento (considerado como testa-de-ferro da riqueza de José Eduardo dos Santos), para junto do Banco Millennium Atlântico e do seu PCA, Carlos Silva (ele também, alegadamente, envolvido em casos de corrupção e branqueamento de capitais), conseguir um empréstimo e, no caso, de 30 milhões de euros, para que Zenú dos Santos pudesse ressarcir o montante de 26 milhões de euros ao Estado e os restantes de 4 milhões, talvez, para pagamento aos advogados.
Numa só palavra, José Filomeno dos Santos, no que a acusação do Ministério Público considera burla qualificativa, devolveu cerca de 524 milhões de euros (descontando-se o restante das despesas bancárias e transferência dos valores do exterior para Angola).
Mas a enciclopédia de crimes, de tentativas, de roubalheira é vasta. Provavelmente nunca se saberá o número exacto dos volumes. Houve, do que se sabe, outros crimes como o financiamento de alegados prédios em Luanda, mais de 12, com financiamentos do Fundo Soberano, mas inscritos em nome individual, sem que houvesse sequer nos lugares caboucos. Mais grave ainda foi ter-se constatado, ao longo das investigações, pagamentos fictícios de despesas de manutenção a imóveis inexistentes. Incrível… ladroagem, a ser verdade…
Foi uma espécie de pagar hoje o ordenado aos netos que seriam “paridos” por uma filha que nem sequer ainda nasceu…
Processo três biliões (mil milhões)
Mas restavam ainda os investimentos dos 3 mil milhões de dólares do Fundo (sem fundo) Soberano, transferidos por Zenú dos Santos para o seu amigo e sócio, Jean-Claude Barros de Morais, para gerir os fundos financeiros do país, como se Angola fosse a casa da mamã Joana. Não é, mas era tratada como do papá Santos…
Esta forma de gestão da coisa pública, não lembra ao diabo mais analfabeto e para o felizardo, era uma muamba que nem nos sonhos, passava pela cabeça de Jean Claude, tão pouco a nenhum dos comuns mortais. Mas, vivendo-se numa república das bananas, tudo é possível, até mesmo, a ginguba virar barra de ouro…
Como é possível imaginar que num país normal, que, infelizmente, Angola não é, com dirigentes e governantes sérios, sem complexo de vira-latas, se resignariam, a assistir, impávidos e serenos, ao Presidente da República nomear o filho para gerir a mais importante reserva financeira estratégica do Estado, o Fundo Soberano. Ninguém se lhe opôs, absolutamente, ninguém, inclusive o actual Presidente da República, João Lourenço. E vejam no crime a que a sua omissão, também, levou o país.
Mais, não fosse crime, o atrás vertido, qual a razão de continuarem (dirigentes e governantes do MPLA e Executivo) calados, como exímios gestores da omissão e cumplicidade, quando o menino Zenú, alocou os fundos financeiros, de todos angolanos, cinco (5) biliões (mil milhões) de euros, cuja capitalização deveria servir os mais pobres, cerca de 22 milhões, a guarda de um cidadão normal, alegadamente, chegado à Suíça como refugiado, sem qualquer capacidade e experiência no mercado bancário local e internacional, que se conheça.
E foi com esta cúmplice omissão, que se agigantou, num de repente, um jovem empreendedor de imobiliário e bijuterias em homem de negócios financeiros. E que negócios. E para começar, nada mais do que apresentar-se, na alta roda das finanças mundiais, com uma procuração irrevogável e com plenos poderes, para gerir, a seu bel-prazer, cinco (5) mil milhões de euros de Angola.
Na aplicação desse dinheiro, Jean-Claude de Morais agigantava-se junto da banca internacional, tratando o público (dinheiro de Angola) como se de privado (dele) se tratasse, criando empresas, fazendo aplicações, muitas das vezes sem interesse para Angola e, sequer, conhecimento do amigo Zenú dos Santos.
Por exemplo, das cerca de 27 empresas, por si criadas, nas Ilhas Maurícias, com dinheiro de Angola, o amigo só tinha ciência de duas (2), pois das outras 25 não sabia nada, levava do ar. Só Jean-Claude sabia e delas era o PCA de plenos poderes. E embora Zenú alegue que só sabia que nada sabia, o seu sócio “apresenta” provas, mandatos assinados em branco, que podem a todo o momento incendiar os rabos-de-palha que medraram ao longo de 38 anos, admitindo-se que nem a prisão do incendiário irá evitar que muito boa gente se queime.
Afronta de Jean-Claude
Antes desta ameaça de tsunami, tentou-se uma aproximação e negociação pacífica, mas Jean-Claude desafiando tudo e todos decidiu intentar uma acção contra o dono do dinheiro, o Estado angolano. Eventualmente resguardado no que sabe e no que pode provar, neste caso como noutros que ainda vagueiam no sub-mundo das negociatas com tubarões que mandaram e mandam no país, o sócio de Filomeno dos Santos faz do ataque a melhor defesa. E, pelos vistos, há gente importante (ou que foi importante) no MPLA que está a carrear para o estrangeiro provas solidárias para o dossier de defesa de Jean-Claude.
Mas existe uma outra tese. Jean Claude, acredita-se, tinha medo de retirar os montantes e devolver a Angola, uma vez ter feito aplicações do mesmo e uma retirada abrupta das mesmas poderia levá-lo a uma série de processos judiciais mundo afora.
Como se pode ver são uma sucessão de crimes imputados a esta dupla, que deve sim, agora, saber defender-se, se tem noção de não ter cometido nenhum ilícito, nem defraudado o Estado. Importa relevar que o ilícito pode, do ponto de vista estritamente jurídico, perder esse epíteto se estiver a coberto de leis, ou decisões, oriundos de um Poder superior legalmente legitimado para isso.
O aviso prévio de JLo a Dos Santos
Antes da prisão e em posse do dossier da PGR, o Presidente da República, tentou explicar ao ex-presidente o grau de envolvimento nesta lamacenta engenharia do seu filho, mas este não acreditou em João Manuel Gonçalves Lourenço alegando que tudo não passava de perseguição, que o filho iria provar, em sede própria, em função das mentiras alimentadas pelo filho, quanto a alegada lisura e transparência na gestão dos fundos do Fundo Soberano. Tudo o mais seria uma cabala sem sustentação.
Verdade? Mentira? Tudo incrimina. E, neste caso, a ignorância não faz prova.
Resignado, o Presidente Lourenço nada mais podia fazer se não retirar-se em debandada, se o outro não quis, ao menos, apreciar o óbvio. Estará este cenário no ADN de quem fez da cleptocracia o seu “modus vivendi” durante 38 anos? Será apenas uma forma de minimizar os estragos e preservar a imagem do emérito “mais Velho”?
O descaminho financeiro era a rodos e só havia uma solução, para o Estado tentar recuperar o que ainda é recuperável, a medida de coacção mais grave, a prisão preventiva para os prevaricadores.
No entanto, fica a dúvida se prender o ladrão significa sempre a recuperação dos bens roubados. Não significa. Mesmo assim, a esperança é a última a morrer. João Lourenço tinha de agir. E mesmo que o processo não atinja os objectivos desejados, fica o aviso à navegação.
Última tentativa
Antes do fecho do processo e ao tomar conta da recomendada medida extrema: prisão preventiva, por parte da Procuradoria-Geral da República, o Presidente João Lourenço impediu que Zenú dos Santos fosse recolhido à cadeia, sem que o pai, José Eduardo dos Santos disso tivesse conhecimento, em primeira mão.
Sugeriu que alguém do Ministério Público, fosse ao bairro Miramar, à residência de Eduardo dos Santos, avisá-lo do estado e pormenores sensíveis do processo e que, diante dos factos probatórios, o filho seria recolhido à cadeia.
Na ausência do Procurador-Geral foi mandato o vice-procurador Mota Liz para lá se deslocar. Feito o contacto através do bilionário general Dino Nascimento, Eduardo dos Santos disse que só receberia o magistrado se este se fizesse acompanhar, ou estivesse presente, aquele que lhe fez as leis e a Constituição que o colocava acima de tudo e todos – Carlos Feijó. Infelizmente este (para não perder o tacho e a confiança, agora de JLo) recusou-se a ir, alegando, hoje, que não tinha nada a ver com isso, quando anos a fio ganhou milhões e milhões de dólares em pareceres jurídicos enviesados à família Dos Santos e não só. Como muda a casaca, esta gente! Com isso só demonstram o carácter.
Assim, com a inesperada recusa deste antigo delfim, pai da Constituição atípica, ficou gorada a ida e explicação de Mota Liz, pois Dos Santos não o quis receber sozinho.
Não custa ao Folha 8, pelo contrário e enquanto Jornal que desde 1995 luta contra a corrupção, bater palmas à actual iniciativa presidencial, pois era preciso colocar ordem no bordel, para sobrevivência quer do partido no poder como do regime, que vem a definhar. Mas isso não nos impede de lembrar (mais uma vez e tantas quanto for necessário) que se o judiciário continuar na bota do Titular do Poder Político, depois do brilho, vem o incêndio.
Suspeito de corrupção nomeado governador
Mas o combate à corrupção também exige algumas regras e ética que, parece, nem sempre serem levados em conta, como é o caso recente da nomeação de um alegado amigo do Presidente da República, o poderoso e “emepelista” empresário Luís Nunes, para governador da província da Huíla, onde o homem, sem concurso público, fica com a maior fatia dos contratos do Estado.
Assim, como acreditar num combate imparcial contra a corrupção sabendo-se que ele é dono da Omapatalo empresa que está a fazer grandes obras públicas, na Huíla, mais concretamente, reparação e terraplanagem das principais estradas da cidade do Lubango, avaliadas em mais de 300 milhões de dólares?
Como fica o empresário e agora, governador provincial, Luís Nunes? Governa os bens públicos ou a sua empresa? No melhor cenário, o governador provincial, Luís Nunes vai afectar obras públicas, ao empresário, Luís Nunes. É o regabofe total.
Se o Ministério Público tivesse independência desejada, nunca este político empresário do MPLA, seria nomeado, pois a sua riqueza, estando assente na suspeição de favorecimentos, subfacturações, cobranças ilegais de dívidas públicas, obras mal acabadas, etc., o conduziriam, seguramente, para um processo judicial, mas ao invés disso, o homem é conduzido ao mais alto caldeirão da província, onde poderá apagar muitos vestígios. Por acaso já começou com a exoneração dos antigos directores provinciais das Finanças, Construção, Comércio, entre outros.
É que… à mulher de César não basta ser séria.
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