No dia 25 de Abril de 2018, Sindika Dokolo afirmava existir uma estratégia populista em Angola, dizendo que não temia o dia em que fosse confrontado pela justiça angolana.
No dia 25 de Setembro de 2018, o popular advogado David Mendes afirmava que Angola poderia estar a correr o risco de adoptar medidas populistas.
Tanto um rosto do antigo regime, como o marido de Isabel dos Santos, quanto um advogado prestigiado e admirável que defendeu oposicionistas e contestatários do antigo regime falam de populismo na justiça angolana.
Dissengomoka William “Strong”, de 27 anos, completou a 23 de Julho de 2016 oito anos em prisão preventiva. O crime? Ter o “nome sujo”.
Vários agentes do Serviço de Investigação Criminal (SIC) cobriram José Loureiro Padrão “Zeca” com um cobertor, e torturaram-no com um pé-de-cabra e um martelo. Zeca sofreu três fracturas no crânio, e morreu durante o espancamento, a 31 de Agosto de 2016.
Aqui temos dois exemplos, entre muitos, de atroz populismo na justiça, isto é, de práticas ilegais e brutais em que o exercício da justiça, de acordo com as normas do Direito, é substituído por uma “lei” do faroeste aplicada pelas forças policiais e pelo sistema judicial, que assim mostram à população a sua eficiência.
Será que é contra estas práticas que se insurgem Sindika Dokolo, David Mendes e muitos outros que agora falam em populismo judicial?
Não, aquilo a que eles se referem é às detenções de Zenú, Jean-Claude Bastos de Morais e Augusto Tomás.
Contudo, a detenção destas distintas personalidades alegadamente vítimas da tal justiça populista obedeceu, do ponto de vista dos formalismos, aos procedimentos previstos na lei das medidas cautelares. Nenhum deles foi preso fora de prazo ou torturado. Foi-lhes aplicada a lei, apenas. A probabilidade da prática de crimes é suficientemente gravosa, por tudo aquilo que tem sido tornado público, para que lhes seja aplicada a medida de prisão preventiva nesta fase do processo. E a verdade é que todos têm ao seu lado os melhores advogados de Angola para os defenderem, bem como a possibilidade de recorrerem aos tribunais, que perante o intenso escrutínio público a que agora estão sujeitos terão de decidir de forma racional e ponderada.
Nenhum destes três detidos ficará em prisão preventiva para além do prazo previsto na lei, nem se prevê que sejam assassinados na esquadra a golpes de pé-de-cabra.
Injusta foi a sujeição de William “Strong” à prisão preventiva fora de prazo. Injustas e inaceitáveis foram a tortura e a morte de “Zeca”.
Não é injusto colocar em prisão preventiva indivíduos suspeitos de terem desviado biliões do erário público, com consequências funestas para a economia e sociedade.
Obviamente que a prisão preventiva é penosa. Muitos inocentes são presos preventivamente. Pessoalmente, preferiria que não existisse prisão preventiva. No entanto, ela existe e está na lei. Todos os dias a prisão preventiva é aplicada a cidadãos comuns, por vezes por roubarem batatas para comer. Então, se a prisão preventiva é aplicada diariamente aos cidadãos comuns, porque não há-de ser aos mais importantes e conhecidos? Não existe razão alguma para se sujeitarem uns e não outros a esta medida judicial.
O que está em curso não é nenhum populismo judicial, mas sim uma mudança de paradigma judicial. Há uma tentativa – veremos se resulta – de tornar a justiça angolana aplicável a todos, sem excepção, sem imunidades, validando o velho mote que se aprende nas faculdades de Direito: “A justiça é igual para todos.”
É apenas isso que queremos: uma justiça que trate de igual modo ricos e pobres, políticos e vendedores de fruta. Obviamente que todas as mudanças de paradigma surpreendem, custam a ser implementadas. Mas esta mudança é inevitável em Angola, e há que deixar as instituições funcionarem acima dos homens.
Choremos por William “Strong” ou por “Zeca”, mas não choremos por Zenú ou por Jean-Claude. Queiramos apenas que as instituições apliquem o Direito.
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