O Presidente dos EUA teimou em não manter a bandeira da Casa Branca a meia-haste, como é hábito quando um membro do Congresso morre, porque é bem sabido que tinha conflitos com John McCain. Teve de voltar atrás.
Faz parte do protocolo em Washington – um membro do Congresso morre e as bandeiras em edifícios oficiais ficam a meia haste. Foi o que aconteceu quando John McCain morreu no sábado.
Mas segunda de manhã, bem cedo cedo, a bandeira americana na Casa Branca estava novamente no topo, e uma enchente de críticas caiu sob Trump, com os detractores – incluindo a Legião Americana – a ver a breve homenagem como um sinal da mesquinhez do Presidente Donald Trump.
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No início do mês, Trump recusou dizer o nome de McCain quando assinou o projecto-lei da defesa com o nome do senador. Rejeitou as sugestões dos seus funcionários para que fizesse um comunicado sobre a morte de McCain ao longo do fim-de-semana. E agora recusava-se a seguir a tradição de deixar a bandeira a meia haste até ao funeral.
Depois, repentinamente, a bandeira surgiu de novo a meia haste na segunda-feira à tarde e o Presidente fez um comunicado oferecendo “respeito” a McCain. “Apesar das nossas diferenças políticas, respeito o serviço do senador John McCain ao nosso país e, em sua honra, assinei uma proclamação para deixar a bandeira dos EUA a meia haste até ao dia do seu enterro”, disse.
Ao fim do dia, tornara-se claro que, ao desafiar o protocolo, o Presidente, sozinho, transformou a morte de McCain em mais uma tempestade política que lhe caiu em cima.
Conhecer os limites
“Foi um golpe auto-infligido”, disse Ari Fleischer, que foi assessor de imprensa do Presidente George W. Bush. “As cerimónias, os actos tradicionais que unem as pessoas – é preciso saber até onde se pode ir, ainda que existam divergências políticas ou pessoais.”
Trump, acrescentou Fleischer, “muitas vezes chega ao limite de uma maneira que só o prejudica a ele, quando pensa que está a magoar os outros.”
Trump não deve comparecer no funeral ou nos serviços fúnebres de McCain em Washington, segundo um funcionário da Casa Branca. O vice-presidente Mike Pence irá discursar numa cerimónia na Rotunda do Capitólio na sexta-feira. O chefe de gabinete John Kelly, o secretário de Defesa Jim Mattis e o conselheiro de segurança nacional John Bolton representarão a Administração no funeral privado de McCain no domingo, na Academia Naval dos EUA em Anápolis, no Maryland.
Depois da morte de McCain no sábado aos 81 anos, Trump ofereceu condolências à família do senador num tweet que não fazia referência ao serviço como militar e depois no Capitólio de McCain – uma diferença drástica em relação elogios efusivos feitos por legisladores, líderes mundiais e membros do exército.
Depois seguiram-se quase dois dias de silêncio do Presidente, que ignorou quase uma dúzia de perguntas de repórteres sobre McCain em três eventos na Casa Branca, enquanto publicava tweets sobre os mais variados tópicos, desde Tiger Woods um novo acordo comercial com o México.
O silêncio de Trump reflectiu a amarga luta de longos anos entre os dois homens.Trump disse que McCain, que passou mais de cinco anos como prisioneiro de guerra no Vietname, não era “um herói de guerra” e continuou a criticar o senador durante a sua batalha contra um cancro no cérebro.
McCain, por sua vez, não poupou críticas ao Presidente sobre política externa e outros temas, sendo a mais recente a denúncia da reunião de Trump com o Presidente russo Vladimir Putin em Helsínquia no mês passado.
The Washington Post publicou no domingo que Trump rejeitara o conselho dos assessores que pretendiam publicar um comunicado oficial que congratulava o prisioneiro de guerra condecorado pelo seu serviço militar e serviço no Senado e o chamava de “herói.”
Veteranos indignados
Na segunda-feira de manhã, imagens da bandeira da Casa Branca no topo da haste – e por trás, o Monumento de Washington rodeado de bandeiras a meia haste – disseminaram-se pelos EUA. As críticas começaram pouco tempo depois.
A Legião Americana, uma organização de veteranos, emitiu um comunicado com palavras severas exigindo que Trump trate McCain com mais respeito.
“Em nome dos dois milhões de veteranos da Legião Americana, sugiro francamente que faça uma proclamação presidencial apropriada, que marque a morte do senador McCain e o legado do seu serviço à nação e que a bandeira do nosso país fique a meia haste durante o funeral”, disse Denise Rohan, comandante nacional do grupo.
Vários funcionários da administração disseram que Trump estava frustrado pela cobertura televisiva e se sentiu assediado - nada do que pudesse dizer sobre McCain seria suficiente. Trump também disse aos conselheiros que muitas das pessoas que falavam na televisão apenas procuravam razões para o atacar e que algumas das que agora elogiavam McCain não gostavam dele antes.
Ivanka elogiou o senador
Porém, entre os que elogiavam McCain estava Ivanka Trump, filha de Trump e conselheira da Casa Branca. "O senador era um patriota americano que serviu o nosso país com distinção durante mais de seis décadas”, afirmou. “A nação está unida no seu luto e o mundo chora a perda de um verdadeiro herói e um grande político”, disse a Primeira Filha.
Ao longo do fim-de-semana, Trump disse aos conselheiros que elogiar em demasia McCain não iria parecer genuíno porque ele não se sentia dessa forma. “Todos sabem que não gostávamos um do outro”, disse o Presidente, de acordo com um funcionário da Casa Branca.
Ainda assim, ao falar com vários conselheiros, incluindo Bolton, Mattis, o secretário de Estado Mike Pompeo e a assessora de imprensa Sarah Huckabee Sanders – e todos o incentivaram a corrigir o passo - o Presidente voltou atrás.
Mais tarde, num jantar na Casa Branca onde para líderes evangélicos, Trump disse que “os nossos corações e preces” estão com a família de McCain e sublinhou os eventos planeados para esta semana em honra do senador. “Apreciamos muito tudo o que o senador McCain fez pelo nosso país”, disse Trump.
A carta final
A proclamação de Trump aconteceu horas depois de uma conferência de imprensa emotiva em Phoenix onde o conselheiro de longa data de McCain e porta-voz da família, Rick Davis, leu uma carta de despedida do senador com críticas subtis ao Presidente. Na carta, McCain não referia o nome de Trump mas incitava os americanos a defenderem os princípios fundadores do país em vez de se esconderem atrás de muros e sucumbir ao tribalismo político.
“Enfraquecemos a nossa grandeza quando confundimos o nosso patriotismo com rivalidades tribais que têm semeado ressentimento, ódio e violência em todos os cantos do mundo”, escreveu McCain. “Enfraquecemos a nossa grandeza quando nos escondemos atrás de muros, em vez de os destruirmos, quando duvidamos do poder dos nossos ideais, em vez de acreditarmos que são a força para a mudança, como sempre foram.”
Trump fez campanha com a promessa de construir um muro na fronteira dos EUA com o México e de forçar o México a pagar o muro.
McCain referia também as forças populistas e proteccionistas que ajudaram Trump a chegar à presidência, à qual McCain tentou chegar por duas vezes e falhou.
“Somos cidadãos da maior república do mundo, uma nação de ideais, não de sangue e solo”, escreveu McCain. “Somos abençoados e somos uma bênção para a humanidade quando defendemos e espalhamos esses ideais em casa e pelo mundo.”
Supremacistas brancos que se manifestaram no ano passado em Charlottesville, Virgínia, gritavam “sangue e solo”, a tradução de um slogan nazi. Trump pareceu defender os manifestantes, que entraram em confrontos com contramanifestantes, quando disse que havia “pessoas boas dos dois lados.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
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