A Galp é a maior empresa portuguesa, tendo uma capitalização bolsista superior a 12 mil milhões de euros. Dedica-se à pesquisa, produção, tratamento e distribuição de petróleos e derivados. Não admira, por isso, que a Sonangol tenha uma participação na Galp, obtida em 2006.
Recentemente, através do periódico português Jornal de Negócios” anunciou-se que a Sonangol está a vender a posição que detém na petrolífera portuguesa. Ora, esta intenção não levantaria problemas caso a participação da Sonangol na Galp não estivesse envolta numa enorme confusão.
Acontece que, na realidade, em virtude de um acordo firmado a certo momento entre o Governo português de José Sócrates e o presidente da República de Angola José Eduardo dos Santos, a Sonangol não detém qualquer participação directa no capital social da Galp. O que a Sonangol detém é uma posição minoritária numa sociedade minoritária que por sua vez é accionista da Galp. Mais: essa posição minoritária é partilhada com Isabel dos Santos.
Na Galp, a Sonangol ficou encapsulada e sem qualquer poder próprio, fazendo lembrar um grupo de meninos que apenas frequentam o recreio interior duma escola para não se verem de fora e não se ouvir o seu barulho. Além do mais, o recreio é partilhado com a agora arqui-inimiga Isabel dos Santos. Não é, definitivamente, uma posição confortável.
Tal como no caso do Fundo Soberano, também neste caso específico da Sonangol foram engendrados uns nebulosos artifícios jurídicos que nunca protegem os interesses básicos do Estado angolano, acabando, pelo contrário, por colocá-lo sempre na dependência de terceiros. Nunca, nestas negociações, o interesse nacional foi adequadamente defendido, tendo-se sempre criado situações de deslinde difícil, que ofuscam quem quer que se debruce sobre estes jogos.
A estrutura jurídica da participação da Sonangol na Galp
Vejamos, em termos concretos, como se processa a participação da Sonangol na Galp.
Vejamos, em termos concretos, como se processa a participação da Sonangol na Galp.
O principal accionista da Galp é uma empresa holandesa denominada Amorim Energia BV.
Esta empresa detém 33,34% da Galp. Trata-se de uma participação considerável, mas não chega a 50%, logo, não é maioritária.
Por sua vez, a Amorim Energia BV é detida em 55% pela família do comendador Américo Amorim, recentemente falecido, que era o homem mais rico de Portugal e cujo negócio nuclear era a cortiça. Portanto, a Amorim Energia é proprietária de cerca de 1/3 da Galp, e a família Amorim controla a Amorim Energia, com 55% do capital.
O sócio de Amorim na sua empresa de energia é outra empresa holandesa, chamada Esperaza Holding. A Esperaza detém 45% da Amorim Energia. Note-se que a Esperaza não participa directamente na Galp, mas apenas indirectamente, através da Amorim Energia, onde quem manda é a família Amorim. Confuso? Vai ficar mais. É nesta Esperaza Holding que a Sonangol afirma ter 60%, sendo que a sócia da Sonangol, com 40%, é Isabel dos Santos.
Rafael Marques já descreveu em tempos o esquema através do qual Isabel dos Santos se tornou sócia da Sonangol na Esperaza. A história é simples. Foi a Sonangol que financiou a entrada de Isabel dos Santos. Isto é, o Estado angolano comprou aos portugueses a posição de Isabel dos Santos. Não se sabe, e isso é objecto de controvérsia, se alguma vez Isabel dos Santos pagou à Sonangol o empréstimo que recebeu para obter a sua posição indirecta na Galp. A verdade é que, se Isabel dos Santos não pagou, então as suas participações podem, em última análise, pertencer também à Sonangol; e mesmo que tenha pago, pode-se entender que a operação de empréstimo é ilegal e nula, e que as acções de Isabel dos Santos pertencem ao Estado angolano.
Os problemas da Sonangol e a ausência de defesa do interesse nacional
Através desta descrição, facilmente se percebe que a Sonangol foi ensanduichada entre os Amorins e Isabel dos Santos. A não ser que exista algum acordo para-social que desconhecemos, a Sonangol não tem qualquer poder, qualquer relevância estratégica, limitando-se a ser um parceiro passivo e a receber dividendos, quando recebe. Lembremo-nos de que, de resto, sobre os dividendos da Sonangol na Galp também já houve polémica. Ainda em Fevereiro deste ano, a Sonangol afirmou não ter recebido dividendos da Galp.
Por todas estas razões, a posição da Sonangol na Galp é pouco apetecível, porque não lhe dá relevância directa na empresa portuguesa. Para que a Sonangol desempenhe qualquer papel na Galp, tem de contar com a boa-vontade da família Amorim e tem de lidar com Isabel dos Santos enquanto sócia, o que pode ser fonte de conflitos, dada a conhecida personalidade difícil de Isabel enquanto empresária.
Veja-se o caso da Unitel, actualmente sob escrutínio em Paris.
Não se faz ideia dos valores que estão a ser negociados, mas é certo que serão sempre inferiores aos que seriam obtidos caso a participação da Sonangol na Galp não fosse tão embrulhada. Para o mesmo dinheiro investido, a Sonangol poderia obter um valor muito superior, caso não estivesse dependente da família Amorim e enredada numa parceria conflituosa com Isabel dos Santos. Uma participação “limpa” na Galp renderia, obviamente, muito mais dinheiro.
Não se faz ideia dos valores que estão a ser negociados, mas é certo que serão sempre inferiores aos que seriam obtidos caso a participação da Sonangol na Galp não fosse tão embrulhada. Para o mesmo dinheiro investido, a Sonangol poderia obter um valor muito superior, caso não estivesse dependente da família Amorim e enredada numa parceria conflituosa com Isabel dos Santos. Uma participação “limpa” na Galp renderia, obviamente, muito mais dinheiro.
Portanto, há uma pergunta inevitável, que também será feita a propósito dos contratos leoninos efectuados pelo Fundo Soberano de Angola: quem elaborou estruturas jurídicas tão prejudiciais para o Estado angolano? Não há responsabilização?
Conclusão
João Lourenço tem de perceber que está perante um problema transversal. O saque do Estado foi feito de forma sistemática e debaixo do comando de José Eduardo dos Santos e seus associados. Tentar resolver as situações uma a uma, fingindo que é tudo uma questão contratual e de funcionamento normal do Direito, é um disparate. O que ocorreu não foi o estabelecimento de contratos normais, mas sim planos de saque camuflados por linguajares jurídicos. Logo, tem de ser posto em marcha um plano geral de anulação civil e criminal dessas estruturas jurídicas.
Fundo Soberano, Esperaza e outros fazem parte da mesma realidade de abuso predador do Estado e têm de ser submetidos a medidas gerais e sistemáticas por parte do poder político angolano. Há que criar legislação especial para tratar destes assuntos, pois só assim poderá fazer-se frente a um estado de coisas instalado. 14 comentários
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