O vereador passou o dia a explicar-se sozinho, mas deixou muitas dúvidas no ar e uma mancha de lama na imagem do Bloco que não vai ser fácil de limpar. A análise do editor de Política do Observador
É impossível não admirar o trabalho de recuperação que Ricardo Robles fez no prédio, em franco mau estado, que comprou com a irmã em 2014 na hiper-turística zona de Alfama. Há um antes e um depoisque torna evidentes os méritos dessa transformação. É mais um daqueles exemplos da diferença entre a velha Lisboa e a Lisboa dos investidores imobiliários ou, traduzindo nos números que marcaram o dia, da diferença entre 300 mil e quase 6 milhões de euros.
Só que Ricardo Robles era, até hoje, mais conhecido como o vereador da Câmara Municipal de Lisboa que criticava o carrossel da especulação em que a cidade tem mergulhado — com a compra e venda de imóveis a alimentar os negócios do arrendamento e a destruir o mercado da habitação acessível. O político que criticava publicamente e com insistência aquilo que, veio a saber-se agora, se preparava para fazer na vida pessoal.
Não é preciso ser muito criativo para imaginar o ambiente gelado que se deve ter feito sentir na sede do Bloco de Esquerda quando começou a circular a manchete do Jornal Económico e se percebeu que o país ia passar o dia a discutir a coerência dos políticos, desta vez por causa de uma estrela da casa.
Foi aí, ao final da tarde de um dia que deve ter sido duríssimo, que Ricardo Robles se sentou sozinho a uma secretária e passou meia hora a explicar-se outra vez aos jornalistas. Das perguntas a que respondeu e daquelas a que tentou fugir, resultou a certeza de não há nada de ilegal ou de incompreensível naquilo que a família fez.
Mas também ficou claro que há um problema a pesar na consciência do vereador e que, por isso, não esclareceu algumas dúvidas. Por exemplo, a principal motivação para a aquisição do imóvel à Segurança Social foi mesmo encontrar um espaço para a irmã morar no regresso a Portugal, ou foi a entrada no negócio do arrendamento em Lisboa? — É diferente comprar um apartamento ou uma casa e comprar um prédio inteiro.
Admitindo que, nos planos originais, os restantes espaços não ocupados pela irmã seriam para arrendar, esse negócio seria feito a preços “acessíveis” ou a preços de mercado? Quando a situação mudou e a decisão passou a ser a da venda do prédio — e acreditando que Ricardo Robles não fez a aquisição a pensar em mais valias — porque escolheu uma agência imobiliária dedicada à transação de imóveis de luxo? O que lhe pareceu o preço proposto pela Christie’s? (aos jornalistas, Robles recusou “fazer uma avaliação da justiça desse valor”)
E o que teria acontecido se, durante os 6 meses em que o prédio esteve no mercado, um investidor estrangeiro tivesse pago o preço proposto? Admitindo, como admitiu, que o potencial comprador estaria livre para fazer o que quisesse, estaria ou não Robles a correr o risco, ainda que indiretamente, de adensar ainda mais problemas que costuma denunciar?
Finalmente, investindo um milhão para vender por seis, foi ou não Ricardo Robles um especulador imobiliário temporário, durante os 6 meses em que o prédio esteve à venda? Sem responder a esta questão (“a venda não se concretizou”), o vereador apresentou à imprensa o novo modelo do negócio, já livre de pecado: imóvel em propriedade horizontal, venda fora de questão e as frações que lhe cabem no mercado de arrendamento. A solução, cozinhada à última hora pelo mesmo Robles que tinha garantido no dia anterior que o prédio era mesmo para vender, permitiu-lhe dizer no final que não se demite porque sempre atuou em coerência e que “não há nada de reprovável” naquilo que fez.
Mas se assim é, porque esteve sozinho durante todo o dia? Porque não apareceu ninguém do Bloco a defendê-lo desde a primeira hora? Porque Robles (mais os seus potenciais milhões) se tornou num ativo tóxico cujo comportamento, mesmo que perfeitamente legítimo, queimou o discurso de um partido que se coloca muito acima do lodo onde nadam os ricos, os especuladores, ou os capitalistas. Ser um dos seus a pôr os eleitores a desconfiar – mais uma vez – da coerência dos políticos, é levar o Bloco de Esquerda para dentro dessa poça de lama a que o partido só costuma recorrer para sujar os outros.
Artigo atualizado às 11:30 com a correção do nome da agência imobiliária
Só que Ricardo Robles era, até hoje, mais conhecido como o vereador da Câmara Municipal de Lisboa que criticava o carrossel da especulação em que a cidade tem mergulhado — com a compra e venda de imóveis a alimentar os negócios do arrendamento e a destruir o mercado da habitação acessível. O político que criticava publicamente e com insistência aquilo que, veio a saber-se agora, se preparava para fazer na vida pessoal.
Não é preciso ser muito criativo para imaginar o ambiente gelado que se deve ter feito sentir na sede do Bloco de Esquerda quando começou a circular a manchete do Jornal Económico e se percebeu que o país ia passar o dia a discutir a coerência dos políticos, desta vez por causa de uma estrela da casa.
Foi aí, ao final da tarde de um dia que deve ter sido duríssimo, que Ricardo Robles se sentou sozinho a uma secretária e passou meia hora a explicar-se outra vez aos jornalistas. Das perguntas a que respondeu e daquelas a que tentou fugir, resultou a certeza de não há nada de ilegal ou de incompreensível naquilo que a família fez.
Mas também ficou claro que há um problema a pesar na consciência do vereador e que, por isso, não esclareceu algumas dúvidas. Por exemplo, a principal motivação para a aquisição do imóvel à Segurança Social foi mesmo encontrar um espaço para a irmã morar no regresso a Portugal, ou foi a entrada no negócio do arrendamento em Lisboa? — É diferente comprar um apartamento ou uma casa e comprar um prédio inteiro.
Admitindo que, nos planos originais, os restantes espaços não ocupados pela irmã seriam para arrendar, esse negócio seria feito a preços “acessíveis” ou a preços de mercado? Quando a situação mudou e a decisão passou a ser a da venda do prédio — e acreditando que Ricardo Robles não fez a aquisição a pensar em mais valias — porque escolheu uma agência imobiliária dedicada à transação de imóveis de luxo? O que lhe pareceu o preço proposto pela Christie’s? (aos jornalistas, Robles recusou “fazer uma avaliação da justiça desse valor”)
E o que teria acontecido se, durante os 6 meses em que o prédio esteve no mercado, um investidor estrangeiro tivesse pago o preço proposto? Admitindo, como admitiu, que o potencial comprador estaria livre para fazer o que quisesse, estaria ou não Robles a correr o risco, ainda que indiretamente, de adensar ainda mais problemas que costuma denunciar?
Finalmente, investindo um milhão para vender por seis, foi ou não Ricardo Robles um especulador imobiliário temporário, durante os 6 meses em que o prédio esteve à venda? Sem responder a esta questão (“a venda não se concretizou”), o vereador apresentou à imprensa o novo modelo do negócio, já livre de pecado: imóvel em propriedade horizontal, venda fora de questão e as frações que lhe cabem no mercado de arrendamento. A solução, cozinhada à última hora pelo mesmo Robles que tinha garantido no dia anterior que o prédio era mesmo para vender, permitiu-lhe dizer no final que não se demite porque sempre atuou em coerência e que “não há nada de reprovável” naquilo que fez.
Mas se assim é, porque esteve sozinho durante todo o dia? Porque não apareceu ninguém do Bloco a defendê-lo desde a primeira hora? Porque Robles (mais os seus potenciais milhões) se tornou num ativo tóxico cujo comportamento, mesmo que perfeitamente legítimo, queimou o discurso de um partido que se coloca muito acima do lodo onde nadam os ricos, os especuladores, ou os capitalistas. Ser um dos seus a pôr os eleitores a desconfiar – mais uma vez – da coerência dos políticos, é levar o Bloco de Esquerda para dentro dessa poça de lama a que o partido só costuma recorrer para sujar os outros.
Artigo atualizado às 11:30 com a correção do nome da agência imobiliária
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