1/6/2018, 10:51
As críticas à política do Kremlin valeram-lhe uma sentença de morte. Com a ajuda dos serviços secretos ucranianos, Babchenko simulou o seu assassinato e fintou os planos para acabar com a sua vida.
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AFP/Getty Images
Autor
Pedro Raínho
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Os responsáveis dos serviços secretos ucranianos chegaram a casa de Arkady Babchenko ao final da tarde desta quarta-feira. Vinham acompanhados de uma equipa de maquilhadores profissionais e começaram a trabalhar na encenação da morte do jornalista, crítico do Kremlin de Vladimir Putin, que estaria na mira de um assassinato real ordenado por Moscovo.
Menos de 24 horas depois de ser noticiada a sua morte, Babchenko, de 41 anos, entrava na sala para onde os responsáveis ucranianos tinham convocado uma conferência de imprensa para falar sobre o suposto assassinato. Vestia uma camisola preta com capuz e com uma inscrição de inegável ironia, dadas as circunstâncias. “Viagem”, lia-se nas letras cinzentas à altura do peito do jornalista. Umas calças de fato de treino claras compunham o conjunto.
Primeiro, o desconcerto geral — como seria possível que o jornalista estivesse ali quando familiares e colegas de profissão já preparavam as suas cerimónias fúnebres? Depois, as explicações.
Arkady Babchenko contou aos jornalistas que um das soluções encontradas para simular da forma mais precisa possível a sua morte foi sorver uma pequena quantidade de sangue de porco e cuspi-lo de seguida. Essa imagem serviria para comprovar que os três tiros pelas costas de que teria sido alvo tinham surtido efeito.
“Isto começou tudo às seis da tarde, e viemos para a morgue por volta das 22h”, contou o jornalista russo esta quinta-feira, revendo, em conferência de imprensa e em entrevistas a vários meios de comunicação social, as últimas do seu suposto último dia de vida. Tinham passado poucas horas depois de te colaborado na simulação da sua morte. “As minhas roupas estavam encharcadas em sangue e eu estava gelado”, recordou.
Até ao momento em que entrou na sala repleto de jornalistas, todos acreditavam que Babchenko estava morto. Já no hospital, desfez-se a encenação. “Lavei-me o melhor que podia, deram-me um lençol, enrolei-me nele e depois vi as notícias que falavam do excelente tipo que eu era”, contou. As horas seguintes foram passadas em frente à televisão e a percorrer os sites dos principais jornais. “Fiquei as ver as notícias do excelente tipo que eu era”, disse, com ironia.
De volta à casa onde teria sido assassinato, o jornalista explicou que lhe foi entregue uma t-shirt com três buracos — o correspondente aos pontos de impacto dos três disparos que lhe teriam tirado a vida. De seguida bebeu o sangue de porco e foi despejado mais líquido sobre o seu corpo. A seguir, a viagem de ambulância até ao hospital, durante a qual a equipa de médicos — envolvidos na encenação — declararam o óbito. Foi levado diretamente para a morgue e, aí, a “ressurreição”.
O objetivo de toda a encenação? Expor os autores de um plano para matar o jornalista russo, exilado na Ucrânia e que já estaria informado de um plano em marcha para concretizar o seu assassinato. Babchenko começou por recusar a ideia, fugir para o Pólo Norte, esconder-se. Mas, depois, lembrou-se: “O [ex-espião russo] Skripal também tentou esconder-se]”, antes de ser envenenado, contou.
Arkady Babchenko sobreviveu. Mas isso não poupou o jornalistas a críticas. “A esses jornalistas que dizem que cruzei a linha vermelha [da ética, digo]: quando te mostram uma fotografia e uma fotografia da preparação do teu homicídio, apresentam-te o teu homicida e perguntam: queres sobreviver ou queres preservar a pureza ética, moral e espiritualidade da tua profissão [o que fazes]? És livre para escolher a ética, a pureza moral da tua profissão. Eu escolhi a opção de sobreviver.”
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