CHEMBA | ABRIL 2018 | ANO 2 • N. 3 | JORNAL GRATUITO
Editorial
Uma escola
que promova
a igualdade social
Caros/as estudantes e profesossores/as,
parabéns! Na
Escola Santa Teresinha e
também em outras escolas do Distrito
consegui-se arrancar as aulas
no primeiro dia do ano lectivo. Não
era muito educativo o que acontecia
nos anos anteriores, quando
alguns estudantes e professores
apareciam na escola só a partir da
segunda semana, revelando pouca
seriedade e prejudicando assim o
bom andamento escolar.
Um belo dia das primeiras semanas
de aulas, abaixo da carteira
dum nosso colega, caiu algo
estranho. Na agitação geral da
turma, alguém exclamou aquilo
que todos tinham já reconhecido:
«Chitumwa!». O que é chitumwa?
Todos o sabemos: um involucro de
medicamentos ou objectos vários
que teria a função de proteger e
dar boa sorte. Descobrimos assim
que temos colegas que, em vez de
comprometer-se no estudo, preferem
acreditar que um chitumwa
na cintura seja a fonte do conhecimento.
É como aquele camponês
que vai ao curandeiro para ter
uma boa colheita. Será que chitumwa
pega enxada e trabalha na
machamba?
Ao ver bem, podemos definir
o chitumwa como qualquer medida
falsa e ilusória para resolver
PA KWECHA | abril 2018 | 1
um problema real. Achamos que
também o sistema de ensino e
aprendizagem do nosso País tem o
seu chitumwa. Este chitumwa é o
aproveitamento pedagógico.
A preocupação de professores e
diretores de escolas é, justamente,
aquela de ter um aproveitamento
pedagógico elevado, quer dizer ter
uma percentagem alta de alunos
em situação positíva que, no ano
lectivo seguinte, transita para a
classe sucessiva. O problema é
que, muitas vezes, as altas percentagens
de aproveitamento pedagó-
gico não reflectem o conhecimento
real do aluno. Até ao ponto que encontramos
estudantes que chegam
à 8ª classe com media 12, mas sem
saber ler nem escrever. Os números
triunfantes do aproveitamento
pedagógico, nestes casos, são uma
máscara bonita que esconde uma
realidade dasagradável. É o mesmo
raciocínio do nosso colega que
pensa de tornar-se sábio colocando
o chitumwa sem estudar.
Quem fica mais prejudicado são
os filhos dos pobres. Enquanto o
filho do funcionário, do professor
e do doutor terá os meios para
remediar às falhas do sistema, o
filho do camponês ficará sempre
mais excluido e às margens da sociedade.
Desta maneira, a escola,
em vez de favorecer a inclusão, se
torna um agente que aumenta a
desigualdade social.
De Rovuma à Maputo, do Zumbo
ao ĺndico, milhões de estudantes
têm direito a um sistema
educacional que, removendo os
obstáculos que impedem uma
plena igualdade social, se torne
promotor duma sociedade justa,
onde o filho do camponês e o filho
do ministro tenham a mesma dignidade.
Se calhar, sem recorrer a
qualquer chitumwa.
Uma barragem em Chemba em benefício de quem?
No mês de Dezembro de
2014, o Governo moçambicano
aprovou a construção
de duas barragens, com
relativa central hidroeléctrica, ao
longo do rio Zambeze, nomeadamente
Chemba I e Chemba
II, com capacidade de gerar 1000
Megawatts. Trata-se de um projecto
público-privado orçado em
2,55 biliões de dólares norte-americanos,
com a participação do
Estado através da EDM (12,5%) e
do sector privado através duma
empresa chinesa (87,5%). (Fonte:
AIM e Orçamento do Estado
2015).
Enquanto Chemba II (400MW)
estaria localizada no Distrito de
Tambara, Chemba I (600 MW)
seria construida no Distrito de
Chemba, mais especificadamente
na localidade de Nhacatete
(20 km depois da vila de Chemba
em direcção à Tambara) e teria
uma capacidade correspondente
a 30% de Cahora Bassa. Com a
tensão militar, o programa teve
uma pausa, mas no mês de Julho
de 2017 decorreram os trabalhos
de geotecnia (perfurações), para
confirmar a viabilidade.
Gildo Sibumbe, consultor do
projecto, disse ao Jornal Notícias
(18/7/2017) que Chemba I permitirá
a produção de mais energia para
a exportação, reforçando a posição
de Moçambique como maior
exportador de energia eléctrica da
região. Acrescentou ainda que o
projecto da barragem servirá também
de ponte entre as duas margens
do rio nos distritos de Mutarara
(Tete) e Chemba (Sofala).
Todavia existem muitas questões
abertas relativas ao impacto
ambiental e social do projecto
que é preciso tomar em conta.
• A barragem determina um
crescimento de alguns metros
do nível das águas. Pensamos
às centenas de famílias que vivem
próximas do rio e às que fazem
machambas nas ilhas, onde a terra
é muito mais produtiva. Estas
pessoas perderão as suas casas e
as suas terras, única fonte de sustento.
Pode ser que serão reassentadas
em outros lugares. Será
que encontrarão melhores condições
de vida, sendo conhecido o
problema dramático da seca e da
falta de chuva nas zonas longe do
rio?
• Quando falamos de Chemba
I estamos a falar de um megaprojecto.
Pensamos aos outros
megaprojectos em Moçambique
que tiveram um impacto extremamente
negativo para as populações
afectadas. Por exemplo
a extração do carvão na Província
de Tete. Os moradores foram
reassentados em casas precárias,
sem escolas e unidades sanitárias
adequadas; para além do incumprimento
das indemnizações.
De acordo com a lei (Decreto n°
31/2012), o reassentamento deve
ser acompanhado da restauração
ou criação de condições iguais ou
acima do padrão de vida anterior.
Será que em Chemba vai ser implementado
o que a lei dispõe?
• Segundo o Painel Intergovernamental
das Mudanças Climáticas,
a Bacia do Zambeze exibe
os piores potenciais efeitos
das mudanças climáticas,
quando comparada às 11 principais
bacias hidrográficas da África
Subsaariana e vai enfrentar a
redução mais substancial da precipitação
de chuva. Um estudo
de 2012 afirma que o rio Zambeze
irá enfrentar secas piores. Com a
diminuição do caudal, as barra2
| PA KWECHA | abril 2018
gens que estão actualmente a ser
propostas serão negativamente
afectadas. O resultado poderá ser
barragens economicamente não
viáveis. (Fonte: internationalrivers.org).
• Os recentes terramoto dos
dias 8 e 17 de Março deste ano,
lembram-nos que Chemba encontra-se
geologicamente situada
numa zona sísmica pró-
xima do Rift Valley. Um eventual
terramoto de forte magnitude poderia
danificar a barragem, provocando
uma inundação repentina
e a morte de centenas de pessoas.
• Somente 25% da energia
produzida por Cahora Bassa
fica em Moçambique, enquanto
a maior parte é vendida à África
do Sul. Além disso, paradoxalmente,
a província de Tete, onde
a Hidroeléctrica está implantada
há cerca de 50 anos, é a menos
iluminada do País (Fonte: Jornal
Verdade 27/5/2016). Será a mesma
coisa também para Chemba I?
É importante que, antes de tomar-se
uma decisão definitiva,
se analisem estas e mais outras
considerações, juntamente com
todos os riscos e perigos do impacto
social e ambiental. Por isso
é preciso que o processo decisional
seja transparente e envolva as
comunidades locais e a sociedade
civil a nível nacional.
Barragem de Cahora Bassa
O que é uma barragem?
Pa kwecha entrevista Justiça Ambiental
Para explicar o que é uma barragem, “Pa kwecha”
entrevistou Anabela Lemos, diretora da “Justica Ambiental”.
“Justiça Ambiental” é uma organização nãogovernamental
com sede em Maputo que, como nos
diz a mesma Anabela Lemos, «trabalha para que todos
os Moçambicanos tenham voz nas decisões de
desenvolvimento do País: um desenvolvimento em
que todos tenham direito à educação, saúde e um
ambiente são, para as presentes e futuras gerações».
1) Poderia explicar em maneira simples o que é
uma barragem?
Uma barragem é uma barreira artificial, um muro de
cimento, para a retenção de grandes quantidades de
água e que interrompe o curso normal dum rio. A palavra
barragem deriva da palavra grega “taphos” que
significa “túmulo” e representa uma lápide no rio.
Existem barragens pequenas, médias, grandes
e mega. Para a Comissão Internacional de Grandes
Barragens (CIGB), a parede de uma grande barragem
mede acima de 15 metros de altura, enquanto uma
mega barragem tem acima de 100 metros, falando
em altura do muro. As barragens são construídas
para diferentes usos, entre estes produção de energia
hidroelétrica, irrigação, retenção de água para
abastecimento e distribuição às cidades ou vilas etc.
2) Quais são as vantagens duma barragem?
As vantagens das pequenas e médias barragens são
irrigação de campos agrícolas, produção de energia
em pequena escala, captação de água para abasteciPA
KWECHA | abril 2018 | 3
8 DE MARÇO E 7 DE ABRIL
Celebramos a mulher, mas ainda estamos longe da igualdade de género
Nos mêses de Março e Abril, ocorrem
dois dias importantes que celebram
a mulher: 8 de Março (Dia
Internacional da Mulher) e 7 de
Abril (Dia da Mulher Moçambicana).
Se todos conhecem a origem histórica
do 7 de Abril – a morte de
Josina Machel, esposa do primeiro
Presidente de Moçambique –
talvez são poucos os que conhecem
o motivo histórico do 8 de
Março. A origem desta data foi
uma tragédia que aconteceu no
ano 1911, quando numa fábrica
em Nova York (Estados Unidos da
América) morreram 130 trabalhadoras
por causa dum incêndio. A
partir daquele acidente, muitas
mulheres em diferentes países do
mundo, começaram a dar-se conta
da condição de inferioridade na
qual viviam muitas delas, exploradas
pelos homens no ambiente
doméstico, como no contexto pú-
blico e começaram a reivindicar
os seus direitos. No ano 1977, as
Nações Unidas (ONU) reconheceram
oficialmente o dia 8 de
Março como Dia Internacional da
Mulher.
Apesar destas datas ajudar-nos,
todos os anos, a reflectirmos sobre
os direitos das mulheres, ainda
estamos muito longe da igualdade
de género, isto é, a condição
na qual mulheres e homens têm
os mesmos direitos e deveres.
Vamos dar uma olhada a desigualdade
entre mulheres e homens
no mundo. Por exemplo, o
analfabetismo: as mulheres remento
e distribuição às áreas residências ou até para
o gado. Os seus impactos sociais e ambientais são
mínimos. Do outro lado, as grandes e mega barragens
são construídas para produção de energia.
3) Quais são os riscos e perigos duma barragem?
O seu impacto ambiental e social?
As grandes e mega barragens trazem inúmeros e
graves impactos ambientais e sociais, entre estes
destacam-se:
Impactos Sociais:
- Destruição da estrutura social das comunidades locais,
devido à necessidade de realocação e reassentamento
das mesmas para dar lugar à barragem e ao
reservatório;
- Destruição da agricultura camponesa a jusante do rio;
- Perda de meios de subsistência das comunidades;
- Redução considerável da pesca e alteração das espécies
disponíveis;
Impactos Ambientais:
- Destruição dos ecossistemas ribeirinhos;
- Redução de fertilidade do rio devido à retenção de
sedimentos ricos em nutrientes na parede da barragem;
- Ruptura do fluxo natural do rio;
- Redução da reprodução dos peixes;
- Desaparecimento de inúmeras espécies de plantas
e animais, muitas das quais em perigo de extinção
ou vulneráveis;
- Emitem gazes de estufa e aumentam os perigos das
mudanças climáticas;
- Alterações na temperatura e composição química
da água;
- Maior impacto das cheias.
presentam dois terços dos 750
milhões de adultos sem habilidades
básicas de leitura e escrita.
Outro dado é o salário: em mé-
dia, as mulheres ganham 23% a
menos do que os homens. Além
disso, 35% das mulheres no mundo
já sofreram violência física e/
ou sexual por parte de homens
(Fonte: Unesco).
E em Moçambique, será que é
diferente? Infelizmente, não. Os
dados relativos à taxa de analfabetismo
são evidentes. Na zona
urbana são analfabetos 14% dos
homens contra 31,4% das mulheres,
enquanto na zona rural, são
analfabetos 39,1% dos homens
contra 71,6% das mulheres. No
nosso País, 6,2% dos homens têm
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MARTIN LUTHER KING
Os sonhos e as ideias de um homem que lutou para um mundo melhor
No dia 4 de Abril de 1968,
na cidade de Memphis
nos Estados Unidos da
América (EUA), foi morto Martin
Luther King. Exatamente 50 anos
depois da sua morte, lembramos
a vida e as palavras dum dos mais
importantes líderes de todos os
tempos dos movimentos pelos
direitos humanos e contra a discriminação
racial.
Martin Luther King nasceu em
Atlanta (EUA) no ano 1929. Filho
duma família de pastores da Igreja
Baptista, cresceu fortemente inspirado
pelos valores do Evangelho,
tornando-se ele mesmo pastor
da Igreja com 25 anos de idade.
Naquela altura, nos EUA dominava
o sistema injusto e desumano
da segregação racial:
os bairros dividiam-se em áreas
de negros (geralmente pobres)
e áreas de brancos (geralmente
mais ricas). A discriminação racial
afectava todas as dimensões
da vida social: educação, saúde,
emprego e transporte. Através da
imposição da lei, aos negros eram
reservadas condições piores. Por
exemplo, nos machibombos havia
lugares a frente reservados
para os brancos e atrás para os
negros e se o machibombo ficava
cheio, os negros tinham que deixar
o assento aos brancos.
Na altura na qual Martin Luther
King era jovem, havia muitas
manifestações e greves contra
a discriminição racial. Milhares
de pessoas protestavam pacificamente
nas ruas, pedindo o fim
da segregação e o respeito dos
direitos humanos. Para Martin
Luther King era claro: Deus ama
todos os seus filhos e não faz nenhuma
diferença de raça. Martin
Luther King tornou-se assim um
dos líderes carismáticos deste
movimento, organizando marchas,
greves e comícios. Em poucos
anos, o seu compromisso no
combate à desigualdade racial
através da não violência, ficou
reconhecido a nível mundial, até
receber o Prémio Nobel da Paz
no ano 1964.
No dia 23 de Agosto de 1963, em
Washington, capital dos EUA,
diante de 250.000 pessoas, Martin
Luther King proclamou estas
palavras: «Tenho um sonho, que
um dia esta nação levantar-se-á
e viverá o verdadeiro significado
da sua crença: “Consideramos
estas verdades como evidentes
PA KWECHA nasce da creatividade dum grupo de rapazes e raparigas
do Internato “Santa Teresinha do Menino Jesus” de Chemba. No “Pa
kwecha” cada um faz a sua pequena parte, mas sempre junto com os outros:
juntos debatemos, juntos partilhamos as ideias, juntos escrevemos. “Pa kwecha”
quer informar, actualizar e fazer circular ideias. Quer ser espaço de debate
das opiniões, uma janela que abre uma perspectiva inteligente e crítica
sobre a realidade.
Pa kwecha é: Abel, Angelo, Armando, Costumado, Chanjenza, Dezanove,
Elsa,Fidel, Kussowa, Isaquel G, Isaquel H., Manuel, Marcos, Pedro,
Rosália, Simoni, Scherley, Windo, Pe. André.
Pa kwecha – Internato “Santa Teresinha do Menino Jesus” – Paróquia
de Chemba – 4° bairro – Chemba
4 | PA KWECHA | abril 2018
pelo menos o nível de ensíno secundário,
contra somente 1,4%
das mulheres (Fonte: Ministério
do Género, Criança e Acção Social,
2016).
Estes dados estatísticos dizemnos
claramente duas realidades.
Primeiro: ainda estamos muito
longe da igualdade de género,
quer a nível mundial, quer em
Moçambique. Segundo: a escolarização
é um meio fundamental
para as mulheres tornar-se conscientes
dos seus direitos e para
encontrar a coragem de reivindica-los.
Por isso, muita força e
bom estudo, queridas amigas!
por si mesmas, que todos os homens
são criados iguais”. Tenho
um sonho, que um dia os filhos
de antigos escravos e os filhos de
antigos proprietários de escravos
poderão sentar-se à mesa da fraternidade.
Tenho um sonho, que
os meus quatro pequenos filhos
viverão um dia numa nação onde
não serão julgados pela cor da sua
pele, mas pela qualidade do seu
carácter. Tenho um sonho, hoje».
Depois de 50 anos perguntamo-nos:
este sonho se realizou?
Podemos responder: em parte
sim e em parte não. Quanta injustiça
e desigualdade ainda existe
ao nosso redor! Acreditamos
que grandes sonhos como este de
Martin Luther King, se realizarão
se tu também tiveres a coragem
de juntar-te e organizar-te com
os teus amigos/as para concretizá-los
e fazé-los tornar realidade.
Porque os sonhos se tornam realidade,
se sonhamos e nos comprometemos
juntos.
CONTINUAÇÃO DA PÁG. 3
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