quinta-feira, 5 de abril de 2018

Uma escola que promova a igualdade social

CHEMBA | ABRIL 2018 | ANO 2 • N. 3 | JORNAL GRATUITO Editorial Uma escola que promova a igualdade social Caros/as estudantes e profesossores/as, parabéns! Na Escola Santa Teresinha e também em outras escolas do Distrito consegui-se arrancar as aulas no primeiro dia do ano lectivo. Não era muito educativo o que acontecia nos anos anteriores, quando alguns estudantes e professores apareciam na escola só a partir da segunda semana, revelando pouca seriedade e prejudicando assim o bom andamento escolar. Um belo dia das primeiras semanas de aulas, abaixo da carteira dum nosso colega, caiu algo estranho. Na agitação geral da turma, alguém exclamou aquilo que todos tinham já reconhecido: «Chitumwa!». O que é chitumwa? Todos o sabemos: um involucro de medicamentos ou objectos vários que teria a função de proteger e dar boa sorte. Descobrimos assim que temos colegas que, em vez de comprometer-se no estudo, preferem acreditar que um chitumwa na cintura seja a fonte do conhecimento. É como aquele camponês que vai ao curandeiro para ter uma boa colheita. Será que chitumwa pega enxada e trabalha na machamba? Ao ver bem, podemos definir o chitumwa como qualquer medida falsa e ilusória para resolver PA KWECHA | abril 2018 | 1 um problema real. Achamos que também o sistema de ensino e aprendizagem do nosso País tem o seu chitumwa. Este chitumwa é o aproveitamento pedagógico. A preocupação de professores e diretores de escolas é, justamente, aquela de ter um aproveitamento pedagógico elevado, quer dizer ter uma percentagem alta de alunos em situação positíva que, no ano lectivo seguinte, transita para a classe sucessiva. O problema é que, muitas vezes, as altas percentagens de aproveitamento pedagó- gico não reflectem o conhecimento real do aluno. Até ao ponto que encontramos estudantes que chegam à 8ª classe com media 12, mas sem saber ler nem escrever. Os números triunfantes do aproveitamento pedagógico, nestes casos, são uma máscara bonita que esconde uma realidade dasagradável. É o mesmo raciocínio do nosso colega que pensa de tornar-se sábio colocando o chitumwa sem estudar. Quem fica mais prejudicado são os filhos dos pobres. Enquanto o filho do funcionário, do professor e do doutor terá os meios para remediar às falhas do sistema, o filho do camponês ficará sempre mais excluido e às margens da sociedade. Desta maneira, a escola, em vez de favorecer a inclusão, se torna um agente que aumenta a desigualdade social. De Rovuma à Maputo, do Zumbo ao ĺndico, milhões de estudantes têm direito a um sistema educacional que, removendo os obstáculos que impedem uma plena igualdade social, se torne promotor duma sociedade justa, onde o filho do camponês e o filho do ministro tenham a mesma dignidade. Se calhar, sem recorrer a qualquer chitumwa. Uma barragem em Chemba em benefício de quem? No mês de Dezembro de 2014, o Governo moçambicano aprovou a construção de duas barragens, com relativa central hidroeléctrica, ao longo do rio Zambeze, nomeadamente Chemba I e Chemba II, com capacidade de gerar 1000 Megawatts. Trata-se de um projecto público-privado orçado em 2,55 biliões de dólares norte-americanos, com a participação do Estado através da EDM (12,5%) e do sector privado através duma empresa chinesa (87,5%). (Fonte: AIM e Orçamento do Estado 2015). Enquanto Chemba II (400MW) estaria localizada no Distrito de Tambara, Chemba I (600 MW) seria construida no Distrito de Chemba, mais especificadamente na localidade de Nhacatete (20 km depois da vila de Chemba em direcção à Tambara) e teria uma capacidade correspondente a 30% de Cahora Bassa. Com a tensão militar, o programa teve uma pausa, mas no mês de Julho de 2017 decorreram os trabalhos de geotecnia (perfurações), para confirmar a viabilidade. Gildo Sibumbe, consultor do projecto, disse ao Jornal Notícias (18/7/2017) que Chemba I permitirá a produção de mais energia para a exportação, reforçando a posição de Moçambique como maior exportador de energia eléctrica da região. Acrescentou ainda que o projecto da barragem servirá também de ponte entre as duas margens do rio nos distritos de Mutarara (Tete) e Chemba (Sofala). Todavia existem muitas questões abertas relativas ao impacto ambiental e social do projecto que é preciso tomar em conta. • A barragem determina um crescimento de alguns metros do nível das águas. Pensamos às centenas de famílias que vivem próximas do rio e às que fazem machambas nas ilhas, onde a terra é muito mais produtiva. Estas pessoas perderão as suas casas e as suas terras, única fonte de sustento. Pode ser que serão reassentadas em outros lugares. Será que encontrarão melhores condições de vida, sendo conhecido o problema dramático da seca e da falta de chuva nas zonas longe do rio? • Quando falamos de Chemba I estamos a falar de um megaprojecto. Pensamos aos outros megaprojectos em Moçambique que tiveram um impacto extremamente negativo para as populações afectadas. Por exemplo a extração do carvão na Província de Tete. Os moradores foram reassentados em casas precárias, sem escolas e unidades sanitárias adequadas; para além do incumprimento das indemnizações. De acordo com a lei (Decreto n° 31/2012), o reassentamento deve ser acompanhado da restauração ou criação de condições iguais ou acima do padrão de vida anterior. Será que em Chemba vai ser implementado o que a lei dispõe? • Segundo o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, a Bacia do Zambeze exibe os piores potenciais efeitos das mudanças climáticas, quando comparada às 11 principais bacias hidrográficas da África Subsaariana e vai enfrentar a redução mais substancial da precipitação de chuva. Um estudo de 2012 afirma que o rio Zambeze irá enfrentar secas piores. Com a diminuição do caudal, as barra2 | PA KWECHA | abril 2018 gens que estão actualmente a ser propostas serão negativamente afectadas. O resultado poderá ser barragens economicamente não viáveis. (Fonte: internationalrivers.org). • Os recentes terramoto dos dias 8 e 17 de Março deste ano, lembram-nos que Chemba encontra-se geologicamente situada numa zona sísmica pró- xima do Rift Valley. Um eventual terramoto de forte magnitude poderia danificar a barragem, provocando uma inundação repentina e a morte de centenas de pessoas. • Somente 25% da energia produzida por Cahora Bassa fica em Moçambique, enquanto a maior parte é vendida à África do Sul. Além disso, paradoxalmente, a província de Tete, onde a Hidroeléctrica está implantada há cerca de 50 anos, é a menos iluminada do País (Fonte: Jornal Verdade 27/5/2016). Será a mesma coisa também para Chemba I? É importante que, antes de tomar-se uma decisão definitiva, se analisem estas e mais outras considerações, juntamente com todos os riscos e perigos do impacto social e ambiental. Por isso é preciso que o processo decisional seja transparente e envolva as comunidades locais e a sociedade civil a nível nacional. Barragem de Cahora Bassa O que é uma barragem? Pa kwecha entrevista Justiça Ambiental Para explicar o que é uma barragem, “Pa kwecha” entrevistou Anabela Lemos, diretora da “Justica Ambiental”. “Justiça Ambiental” é uma organização nãogovernamental com sede em Maputo que, como nos diz a mesma Anabela Lemos, «trabalha para que todos os Moçambicanos tenham voz nas decisões de desenvolvimento do País: um desenvolvimento em que todos tenham direito à educação, saúde e um ambiente são, para as presentes e futuras gerações». 1) Poderia explicar em maneira simples o que é uma barragem? Uma barragem é uma barreira artificial, um muro de cimento, para a retenção de grandes quantidades de água e que interrompe o curso normal dum rio. A palavra barragem deriva da palavra grega “taphos” que significa “túmulo” e representa uma lápide no rio. Existem barragens pequenas, médias, grandes e mega. Para a Comissão Internacional de Grandes Barragens (CIGB), a parede de uma grande barragem mede acima de 15 metros de altura, enquanto uma mega barragem tem acima de 100 metros, falando em altura do muro. As barragens são construídas para diferentes usos, entre estes produção de energia hidroelétrica, irrigação, retenção de água para abastecimento e distribuição às cidades ou vilas etc. 2) Quais são as vantagens duma barragem? As vantagens das pequenas e médias barragens são irrigação de campos agrícolas, produção de energia em pequena escala, captação de água para abasteciPA KWECHA | abril 2018 | 3 8 DE MARÇO E 7 DE ABRIL Celebramos a mulher, mas ainda estamos longe da igualdade de género Nos mêses de Março e Abril, ocorrem dois dias importantes que celebram a mulher: 8 de Março (Dia Internacional da Mulher) e 7 de Abril (Dia da Mulher Moçambicana). Se todos conhecem a origem histórica do 7 de Abril – a morte de Josina Machel, esposa do primeiro Presidente de Moçambique – talvez são poucos os que conhecem o motivo histórico do 8 de Março. A origem desta data foi uma tragédia que aconteceu no ano 1911, quando numa fábrica em Nova York (Estados Unidos da América) morreram 130 trabalhadoras por causa dum incêndio. A partir daquele acidente, muitas mulheres em diferentes países do mundo, começaram a dar-se conta da condição de inferioridade na qual viviam muitas delas, exploradas pelos homens no ambiente doméstico, como no contexto pú- blico e começaram a reivindicar os seus direitos. No ano 1977, as Nações Unidas (ONU) reconheceram oficialmente o dia 8 de Março como Dia Internacional da Mulher. Apesar destas datas ajudar-nos, todos os anos, a reflectirmos sobre os direitos das mulheres, ainda estamos muito longe da igualdade de género, isto é, a condição na qual mulheres e homens têm os mesmos direitos e deveres. Vamos dar uma olhada a desigualdade entre mulheres e homens no mundo. Por exemplo, o analfabetismo: as mulheres remento e distribuição às áreas residências ou até para o gado. Os seus impactos sociais e ambientais são mínimos. Do outro lado, as grandes e mega barragens são construídas para produção de energia. 3) Quais são os riscos e perigos duma barragem? O seu impacto ambiental e social? As grandes e mega barragens trazem inúmeros e graves impactos ambientais e sociais, entre estes destacam-se: Impactos Sociais: - Destruição da estrutura social das comunidades locais, devido à necessidade de realocação e reassentamento das mesmas para dar lugar à barragem e ao reservatório; - Destruição da agricultura camponesa a jusante do rio; - Perda de meios de subsistência das comunidades; - Redução considerável da pesca e alteração das espécies disponíveis; Impactos Ambientais: - Destruição dos ecossistemas ribeirinhos; - Redução de fertilidade do rio devido à retenção de sedimentos ricos em nutrientes na parede da barragem; - Ruptura do fluxo natural do rio; - Redução da reprodução dos peixes; - Desaparecimento de inúmeras espécies de plantas e animais, muitas das quais em perigo de extinção ou vulneráveis; - Emitem gazes de estufa e aumentam os perigos das mudanças climáticas; - Alterações na temperatura e composição química da água; - Maior impacto das cheias. presentam dois terços dos 750 milhões de adultos sem habilidades básicas de leitura e escrita. Outro dado é o salário: em mé- dia, as mulheres ganham 23% a menos do que os homens. Além disso, 35% das mulheres no mundo já sofreram violência física e/ ou sexual por parte de homens (Fonte: Unesco). E em Moçambique, será que é diferente? Infelizmente, não. Os dados relativos à taxa de analfabetismo são evidentes. Na zona urbana são analfabetos 14% dos homens contra 31,4% das mulheres, enquanto na zona rural, são analfabetos 39,1% dos homens contra 71,6% das mulheres. No nosso País, 6,2% dos homens têm CONTINUA NA PÁG. 4 MARTIN LUTHER KING Os sonhos e as ideias de um homem que lutou para um mundo melhor No dia 4 de Abril de 1968, na cidade de Memphis nos Estados Unidos da América (EUA), foi morto Martin Luther King. Exatamente 50 anos depois da sua morte, lembramos a vida e as palavras dum dos mais importantes líderes de todos os tempos dos movimentos pelos direitos humanos e contra a discriminação racial. Martin Luther King nasceu em Atlanta (EUA) no ano 1929. Filho duma família de pastores da Igreja Baptista, cresceu fortemente inspirado pelos valores do Evangelho, tornando-se ele mesmo pastor da Igreja com 25 anos de idade. Naquela altura, nos EUA dominava o sistema injusto e desumano da segregação racial: os bairros dividiam-se em áreas de negros (geralmente pobres) e áreas de brancos (geralmente mais ricas). A discriminação racial afectava todas as dimensões da vida social: educação, saúde, emprego e transporte. Através da imposição da lei, aos negros eram reservadas condições piores. Por exemplo, nos machibombos havia lugares a frente reservados para os brancos e atrás para os negros e se o machibombo ficava cheio, os negros tinham que deixar o assento aos brancos. Na altura na qual Martin Luther King era jovem, havia muitas manifestações e greves contra a discriminição racial. Milhares de pessoas protestavam pacificamente nas ruas, pedindo o fim da segregação e o respeito dos direitos humanos. Para Martin Luther King era claro: Deus ama todos os seus filhos e não faz nenhuma diferença de raça. Martin Luther King tornou-se assim um dos líderes carismáticos deste movimento, organizando marchas, greves e comícios. Em poucos anos, o seu compromisso no combate à desigualdade racial através da não violência, ficou reconhecido a nível mundial, até receber o Prémio Nobel da Paz no ano 1964. No dia 23 de Agosto de 1963, em Washington, capital dos EUA, diante de 250.000 pessoas, Martin Luther King proclamou estas palavras: «Tenho um sonho, que um dia esta nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado da sua crença: “Consideramos estas verdades como evidentes PA KWECHA nasce da creatividade dum grupo de rapazes e raparigas do Internato “Santa Teresinha do Menino Jesus” de Chemba. No “Pa kwecha” cada um faz a sua pequena parte, mas sempre junto com os outros: juntos debatemos, juntos partilhamos as ideias, juntos escrevemos. “Pa kwecha” quer informar, actualizar e fazer circular ideias. Quer ser espaço de debate das opiniões, uma janela que abre uma perspectiva inteligente e crítica sobre a realidade. Pa kwecha é: Abel, Angelo, Armando, Costumado, Chanjenza, Dezanove, Elsa,Fidel, Kussowa, Isaquel G, Isaquel H., Manuel, Marcos, Pedro, Rosália, Simoni, Scherley, Windo, Pe. André. Pa kwecha – Internato “Santa Teresinha do Menino Jesus” – Paróquia de Chemba – 4° bairro – Chemba 4 | PA KWECHA | abril 2018 pelo menos o nível de ensíno secundário, contra somente 1,4% das mulheres (Fonte: Ministério do Género, Criança e Acção Social, 2016). Estes dados estatísticos dizemnos claramente duas realidades. Primeiro: ainda estamos muito longe da igualdade de género, quer a nível mundial, quer em Moçambique. Segundo: a escolarização é um meio fundamental para as mulheres tornar-se conscientes dos seus direitos e para encontrar a coragem de reivindica-los. Por isso, muita força e bom estudo, queridas amigas! por si mesmas, que todos os homens são criados iguais”. Tenho um sonho, que um dia os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos proprietários de escravos poderão sentar-se à mesa da fraternidade. Tenho um sonho, que os meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela qualidade do seu carácter. Tenho um sonho, hoje». Depois de 50 anos perguntamo-nos: este sonho se realizou? Podemos responder: em parte sim e em parte não. Quanta injustiça e desigualdade ainda existe ao nosso redor! Acreditamos que grandes sonhos como este de Martin Luther King, se realizarão se tu também tiveres a coragem de juntar-te e organizar-te com os teus amigos/as para concretizá-los e fazé-los tornar realidade. Porque os sonhos se tornam realidade, se sonhamos e nos comprometemos juntos. CONTINUAÇÃO DA PÁG. 3

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