Generais, coronéis e capitães na reserva estão a aproveitar crise política para conquistar espaço e influência junto do eleitorado brasileiro. Jair Bolsonaro é quem vai à frente.
A admoestação do general Eduardo Villas Bôas às instituições brasileiras, na véspera da votação no Supremo Tribunal Federal sobre o pedido de habeas corpus do ex-Presidente Lula da Silva, e o respaldo oferecido por outros militares àquela invulgar intervenção pública – via Twitter – puseram a classe debaixo dos holofotes, como há muito não se via no Brasil.
O comandante do Exército brasileiro disse que as Forças Armadas compartilham “o anseio de todos os cidadãos de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia” e que estão atentas “às suas missões institucionais”. A intromissão num tema de justiça, indissociável da política, tendo em conta o acusado e o ambiente em volta do julgamento, é inédita nos últimos 30 anos de democracia, num Brasil que entre 1964 e 1985 viveu sob uma brutal ditadura, que foi iniciada com um golpe militar contra um Presidente eleito.
Mas na realidade confirma uma tendência de disseminação do protagonismo dos militares no espaço político brasileiro, a partir de 2013 – com o início da crise política. A nomeação, em Fevereiro, do general Joaquim Silva e Luna para o cargo de ministro da Defesa de Michel Temer, na primeira escolha de um militar para esta pasta, é prova disso.
Nem Villas Bôas, nem os generais Freitas, Miotto e Pinto Sampaio, que reagiram positivamente aos tweets do primeiro – Miotto garantiu mesmo estar com o comandante “na mesma trincheira” –, se mostraram disponíveis para ingressar na vida política. Mas o caso muda de figura quando se tratam de militares na reserva ou aposentados.
Muitos destes reservistas e reformados têm vindo a assumir nos últimos anos um papel activo, no seio de movimentos sociais associados com a direita brasileira, e feito uso das redes sociais, dos jornais e das televisões para comunicarem directamente com a população e exprimirem as suas opiniões sobre o papel do Estado, num ambiente político e social cada vez mais polarizado.
O El País Brasil refere que o prestígio de que gozam por terem feito parte de uma instituição na qual os brasileiros depositam bastante confiança, somado à inexistência das “amarras impostas pelo Exército brasileiro”, oferece-lhes uma “voz política” e um posicionamento de relevo no espaço mediático.
A reputação adquirida nos últimos anos através desta participação activa no debate público – e alimentada com as manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff e da prisão de Lula da Silva – trouxe a classe militar de volta ao teatro político e com sérias possibilidades de conquistar papéis principais nas eleições gerais de Outubro. De acordo com a imprensa brasileira, há pelo menos 20 militares na reserva com intenções de se candidatarem.
Entre eles, destaca-se, claro, Jair Bolsonaro, o primeiro e único reservista eleito através do voto popular. O antigo capitão e deputado federal pelo Rio de Janeiro é pré-candidato à presidência do Brasil e é um dos responsáveis pelo crescimento do protagonismo dos militares na política brasileira.
O homem que lembra com saudade os tempos da ditadura militar e que na hora de votar a favor da destruição de Dilma dedicou o seu voto a Carlos Alberto Brilhante Ustra – o único condenado judicialmente pelos crimes de tortura e sequestros – surge em segundo lugar nas intenções de voto dos brasileiros, atrás de Lula, e tem trilhado o caminho que os militares querem agora percorrer. Se Silva e Luna chegou lá e se Bolsonaro pode lá chegar, porque não poderão os outros ingressar na arena política?
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