Espancar uma miúda por ter tido relações sexuais é uma “correção moderada”
22.09.2017 às 12h46
Uma miúda de treze anos foi espancada pelo pai quando este descobriu que ela tinha tido relações sexuais pela primeira vez. O progenitor decidiu “castigar” a filha pelo ato, batendo-lhe com um fio de eletricidade e cortando-lhe o cabelo. A agressão foi tão brutal, que as feridas resultantes chegaram a ter mais de 20 centímetros. Levado a tribunal, o homem foi absolvido pelo juíz, que considerou que tudo não passou de um mero “exercício do direito de correção” do progenitor. Algo justificável, portanto.
O caso teve lugar no Brasil, e o agressor foi ouvido há uns dias no Tribunal de Violência Doméstica e Familiar de Guarulhos. A decisão do juíz, que considerou que as agressões sobre a menor foram “moderadas”, está a ser altamente contestada e a discussão em torno da violência de género voltou a ficar em cima da mesa, com uma pergunta à cabeça: se o adolescente em causa fosse do sexo masculino, esta agressão teria sequer acontecido? Provavalmente não. Aliás, de certeza que não. Mas se tivesse acontecido, que fique claro: era igualmente condenável.
A VIRGINDADE E A IDEIA DA PUREZA
Se este pai tivesse descoberto que o filho de treza anos tinha tido relações sexuais pela primeira vez muito provavelmente bateria palmas e ficaria orgulhoso, porque isto do prazer e da sexualidade já se sabes que é uma validação esperada e necessária no processo de afirmação masculina. No que toca às mulheres, tudo se resume a “perder” a virgindade, um verbo que é tão revelador da visão que ainda temos para algo que deveria ser um ganho. Sim, o prazer por vontade própria, a descoberta sexual, a sua vivência plena e consciente, deveriam ser ganhos, fatores positivos na vida de qualquer pessoa. No que toca às mulheres, não é bem assim, pelo menos não é isso que se espera. As adolescentes devem “guardar” o seu bem especial para um homem sério que há-de vir. Se possível, até ao casamento, que isto de ter muitos parceiros sexuais também não é coisa digna de uma mulher que se preze. Já para os rapazes, quanto mais cedo e quantas mais parceiras melhor, é sinal de masculinidade, de poder. Para as mulheres, ter a primeira relação sexual é um ato que ainda vive associdado à ideia de perda de pureza. Pureza? Porquê? Porque no que nos diz respeito, o sexo é algo que devemos encarar como sujo, pouco digno e pecaminoso? Haja dó para tanto conservadorismo machista, ainda instituído na mente de tantos de nós.
Nesta história não sei o que me choca mais: se é o facto de o pai achar que o início da vida sexual é algo que merece castigo. Se é a violência da agressão, totalmente descontrolada. Se é o castigo escolhido, que além da agressão física, passou ainda pelo ato humilhatório do corte do cabelo, com via à castração da auto-imagem daquela miúda (sempre a beleza, até mesmo como forma de castigo no mundo feminino). Se é o facto de tudo isto ultrapassar todas as fronteiras do razoável e de violar amplamente os direitos universais da menor em causa. Ou se é o facto de um juíz ter absolvido este pai agressor, deixando de lado os maiores interesses relacionados com a integridade física, psicológica e emocional desta adolescente. Eis a suas palavras: “A real intenção do pai era apenas corrigir a filha”. Que repercussões todas estas múltiplas injustiças acabarão por ter no desenvolvimento desta miúda, futura mulher? E que mensagem de impunidade, machismo, conservadorismo e apelo à violência está este juíz a passar com esta decisão inenarrável?
Tenho lido muitos comentário sobre isto que me fazem ter vontade de vomitar. Ter relações sexuais com 13 anos pode não ser considerado o ideal por diversos motivos. Mas neste caso, o grande factor que leva a que a situação não seja “a ideal” é o facto de ela ser rapariga. Mais uma vez, se aos 13 anos um rapaz tiver relções sexuais pela primeira vez, poucos questionarão quão certo ou errado isso é, e se tem ou não maturidade física e psicológica para o fazer. No que toca às adolescentes, sejamos honestos, a grande preocupação nem é bem a maturidade, mas sim a possiblidade de uma gravidez indesejada.
Olhando para os comentários deixados a este caso, pelos vistos muita gente ainda acha que tal castigo é válido porque no caso das meninas, elas engravidam e depois quem arca com as responsabilidades são os pais. Os mesmo pais que, a meu ver, têm a obrigação máxima de educar a criança. Processo que envolve abordar as questões da sexualidade, claro. Não é uma adolescente que é negligente por querer experimentar sexo (num mundo tão sexualizado como o nosso, estranho é se este tema não lhes gerar alguma curiosidade). A negligência está nos responsáveis pela educação dessa mesma adolescente, que embora sejam adultos, não têm a maturidade para cumprir o seu dever: educar e corrigir. Pela via do diálogo, da formação, da atenção, do amor, da firmeza, do exemplo.
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