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Escrito por Adérito Caldeira em 05 Abril 2018 |
As previsões de que a economia moçambicana está a sair da crise deverão sofrer mais um revés com o recente agravamento da taxa de juro do Fed (Federal Reserve). “Em países como Moçambique, é de esperar que o aumento da taxa de juros norte-americana agrave a Prime Rate”, prognosticou o Professor Catedrático em Economia da Universidade Eduardo Mondlane, António Francisco, que ao @Verdade considerou “doentia a realidade económica moçambicana que vivemos” pela aposta do Governo em resistir às mudanças reformistas que precisa de fazer.
O banco central norte-americano, comummente designado Fed, elevou a sua taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual a 21 de Março passado, naquele que foi o quarto aumento desde que Donald Trump assumiu a Presidência e o primeiro deste ano. O Fed indicou que outros dois agravamentos voltarão a acontecer em 2018.
Entrevistado pelo @Verdade o Professor Catedrático em Economia da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) começou por explicar que “(...) ninguém foi apanhado de surpresa por este quarto aumento da referida taxa e pela perspectiva que os aumentos não fiquem por aqui. O Fed já revelou que deverá realizar pelo menos mais três aumentos, no corrente ano, e pretende que a taxa atinja os 3% por volta de 2020”.
“Em 2015 alguns analistas identificaram Moçambique como um dos países africanos mais vulneráveis à subida das taxas de juros dos EUA, devido à sua elevada dependência dos fluxos financeiros externos. É expectável que os sucessivos amentos da taxa de juros na maior economia do mundo, o que significa em linguagem simplificada, aumento do custo de emprestar dinheiro, promovem uma migração de importantes somas de recursos financeiros para os Estados Unidos da América (EUA), até aqui aplicados em outras praças financeiras. Por outro lado, em termos de efeitos imediatos em países como Moçambique, é de esperar que o aumento da taxa de juros americana agrave a Prime Rate, ou seja, da taxa básica de juros que afectada o nível da taxa de crédito bancário aplicada aos clientes”, acrescentou António Francisco.
O economista moçambicano esclareceu que o aumento da Prime Rate “afectará imediatamente os custos de empréstimos fixos e variáveis, ao avaliar-se o risco das empresas e consumidores menos dignos de crédito. Pelas mesmas razões, os cartões de crédito usamos em Moçambique (VISA, American Express, etc.) deverão sofrer agravamentos nas taxas cobradas aos clientes. Em contrapartida, convém assinalar, a aumento da taxa de juros não deverá trazer apenas más notícias. Quem tiver dólares aplicados em mercados seguros, sobretudo em investimentos seguros como bonds, poderá vir a ser recompensado com retornos maiores”.
"Em Março de 2016 fomos surpreendidos por algo que nenhum dos melhores analistas previu"
“Agora, é preciso referir que os progressivos aumentos da taxa de juros americana estão a acontecer num momento em que Moçambique enfrenta sérias complicações internas, causadoras de maior vulnerabilidade financeira, deterioração da confiança, pressão desvalorizadora da moeda nacional, agravamento do custo dos cartões de crédito e outros empréstimos em moeda estrangeira, necessidade de refinanciamento dos títulos de dívida, entre outros”, alerta o Professor António Francisco que aclara que neste contexto, “é difícil discernir ou isolar o impacto específico do aumento da taxa de juro americana, visto que o ambiente interno, por si só, encontra-se altamente perturbado por factores capazes de gerarem demasiada instabilidade político-social e volatilidade do mercado nacional”.
Recordando que em Dezembro de 2015, reagindo ao primeiro aumento da taxa de juro americano em entrevista ao @Verdade, o economista considerou a subida dos juros nos EUA “um mau presente de Natal especificamente para os defensores da sobrevalorização do Metical, como parte da estratégia de crescimento económico ancorada na poupança externa que tem prevalecido em Moçambique. Mas para além dos possíveis beneficiários de um eventual retorno à sobrevalorização do Metical, prevalecente até meados de 2015, a nova realidade financeira internacional perspectivada a partir de 2016, apontava para novos desafios aos actores e gestores do sistema monetário e financeiro moçambicano”.
Ressalvando que a sua afirmação de Dezembro 2015 “aconteceu um ano após o início de uma nova legislatura, com um novo Presidente da República. Nessa altura, o mínimo que eu esperava do Executivo do Presidente Filipe Nyusi eram alguns passos concretos visando tornar o ambiente de negócios menos pantanoso, inóspito, incerto e hostil ao investimento directo estrangeiro, comparativamente ao investimento directamente especulativo”, António Francisco afirmou que “era o mínimo que esperava, porque os sinais do novo Governo apontavam para uma continuidade da estratégia de crescimento económico ancorado na poupança externa, através da conjugada de múltiplas fontes: investimento directo estrangeiro, crédito comercial, empréstimos concessionais e doações”.
Observando os últimos dois anos da governação de Filipe Nyusi o Professor de Economia da UEM constatou que “o primeiro semestre de 2016 surpreendeu-nos com uma grande trapalhada governamental, muito mais perturbadora do que poderia ser esperado da subida dos juros americanos. Em Março de 2016 fomos surpreendidos por algo que nenhum dos melhores analistas previu, incluindo os maiores críticos do rumo que a economia moçambicana estava seguindo. Refiro-me às revelações vindas da imprensa financeira internacional sobre as chamadas dívidas ocultas”, em alusão aos empréstimos contraídos secretamente pelas estatais Proindicus e MAM e que conduziram a suspensão do Programa do Fundo Monetário Internacional.
“Como se não fosse suficiente, também em 2016 e 2017, surgiram a público outras revelações internacionais sobre negociatas de menor valor, mas nem por isso menos malandras e ilegais, envolvendo negócios danosos para as finanças públicas (e.g. o “Caso dos Embraer” das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) e chamado “calote” do crédito ao aeroporto de Nacala, entre outros)”, notou ainda Francisco.
“Governo tem estado mais preocupado em resistir às mudanças reformistas que precisa de fazer”
Para o académico que o coordena o Grupo de Investigação sobre a Pobreza e Protecção Social no Instituto de Estudos Sociais e Económicos(IESE), “a percepção internacional de risco de Moçambique já vinha ficando deteriorada, nos anos precedentes, devido à conjugação de vários factores, nomeadamente: o retorno do conflito político-militar, desde 2013, e prolongamento das hostilidades militares internas, após a má gestão do processo eleitoral de Outubro de 2014; a deterioração do ambiente de negócios urbano, provocada pela estranha “indústria” de raptos de empresários destacados no mercado nacional. Não existem avaliações sistemáticas e públicas sobre o impacto do fenómeno dos raptos na fuga de capitais, mas as indicações dispersas disponíveis revelam ter existido uma substancial imigração de recursos financeiros nacionais”.
Além disso, “nos dois anos passados surgiram diversos assassinatos, com forte conotação política, que continuam por ser esclarecidos. Ora, num contexto já por si tão conturbado e adverso à melhoria do ambiente de mercado e de negócios, o escândalo das dívidas ilegais acabou por se converter na gota de água que fez transbordar um copo cheio de problemas, empurrando Moçambique para a situação de bancarrota selectiva”.
Perante esta situação da economia o Professor Francisco questionou “será que Moçambique está a fazer algo positivo para, por um lado, salvar a dependência de fluxos financeiros externos em que tanto investiu no passado, ao ponto de voltar a acumular uma dívida insustentabilidade? Por outro lado, como é que o Governo tem estado a minimizar o risco de vulnerabilidade em vários indicadores de exposição?”
“Exceptuando as acções e esforços reformistas, promovidos pelo Banco Central, desde que o Governador Rogério Zandamela assumiu funções, de uma maneira geral parece-me que o Governo tem estado mais preocupado em resistir às mudanças reformistas que precisa de fazer, ou para usar o termo preferido pelo Presidente Nyusi, tem apostado na “resiliência”. Ora, o resiliente resiste a impactos e permanece o mesmo; não muda, nem melhor, com as oportunidades de mudança que emergem”, constatou o economista moçambicano.
Francisco alertou que apesar de existirem “alguns aspectos das opções do Banco Central que podem ser controversas, mas o risco que corremos de prolongar uma crise económico-financeira, para além do razoável, parece advir de outros sectores públicos. Na verdade, corremos o risco de a contenção do descalabro do Metical que o Banco Central conseguiu evitar em 2016, ao amputar certas gangrenas no sistema bancário, seja estragado por um descontrolo fiscal e de endividamento interno”.
“Pelo que parece, certos governantes e políticos estão convencidos que as aparências e a dissimulação são os ingredientes necessários, não só para maquilhar a feia e doentia realidade económica moçambicana que vivemos, mas para conseguir uma alquimia milagrosa”, concluiu o Professor Catedrático em Economia da UEM.
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