quinta-feira, 1 de março de 2018

O “meu 8 de Março” em sete marcos

O “meu 8 de Março” em sete marcos
Roberto J. Tibana 
1 de Março de 2018

Em algumas ocasiões no passado disse que um dia falaria do “8 de Março”. A partir de hoje e durante oito dias vou fazer isso mesmo, publicando neste mural uma série de notas que registam as minhas conversas comigo próprio acerca deste tema. Vou chamar as oito prestações de “Estacas” (para significar “marcos”) nomeadamente:
1. Estaca I: Prelúdio (01-03-2018) 
2. Estaca II: Os tempos da Escola Industrial 1º de Maio (antiga Mouzinho de Albuquerque) e a passagem pela central de comunicações e sinalização dos CFM Sul (02-03-2018) 
3. Estaca III: Três meses na Academia do Partido Comunista da Roménia, e o imbróglio dos filhos dos chefes que estudavam naquele país (03-03-2018) 
4. Estaca IV: A criação dos primeiros Centros de Formação de Professores Primários do pós-independência (04-03-2018) 
5. Estaca V: Cabo Delgado – O desastre da Escola Secundária de Pemba (05-03-2018) 
6. Estaca VI – Primeira incursão pelas antigas “Zonas Libertadas” da FRELIMO (06-03-2018) 
7. Estaca VII – Primeira chicotada política: arrogância, irreverência, e “o mal que vem pelo bem” (07-03-2018) 
8. Estaca VIII – Em jeito de uma não-conclusão: a ponta inicial do fio conductor (08-03-2018).
*** 1 ***
Estaca I: Prelúdio: o que é o “meu 8 de Março”?

Existem “vários 8 de Marços”. Ponho entre aspas porque o 8 de Março de que falo não é uma data do calendário. E por “vários” significo isso mesmo, para enfatizar a diversidade das experiências que consubstanciam a essência do fenómeno. O “meu” é uma reivindicação da minha parte no processo, o destilar das lições aprendidas, uma negação da exclusão e appropriação oportunística da história por alguns. 
Embora o “meu” encerre o riso de um mal entendido. Com efeito, pode induzir a que se leia nele um certo egocentrismo no exercicio. Fora esse risco, é simplesmente outra maneira de sublinhar a diversidade no único e uno. Pois as minhas experiências de “8 de Março” são uma faceta de uma experiência de muitos jovens da minha geração. O “meu” é também uma maneira de recusar a exclusão sem no entanto me esforçar em participar na “mesa de jantar” dos “outros”, esses “outros” que teorizam a diversidade e a inclusão ao mesmo tempo que a negam na prática do dia a dia.

Existem outros paralelos do fenómeno de distorção ou escamoteamento de factos para promover a exclusão. Por exemplo quando uns pretendem que os “seus heróis” (neste caso os da luta de libertação nacional) são “Heróis Moçambicanos” e devem ser venerados por todos, ao mesmo tempo que consideram que os “outros heróis” (os da “guerra dos 16 anos”) não são reconhecidos como nacionais, sendo por isso venerados somente por alguns nas margens da sociedade “oficial”. Um paradoxo que resiste ao tempo, testemunha da ausência da reconciliação passadas mais de duas décadas desde o fim da “guerra dos 16 anos”, que uns consideram que foi uma guerra para acabar com a ditadura e para trazer a democracia.
O problema transparece também no imbróglio da criação da FRELIMO, onde “uma FRELIMO” é criada primeiro em Accra no Ghana, e a “outra FRELIMO” é criada depois em Dar-es-Salaam e ambas são a mesma FRELIMO! Ou ainda no caso da morte do seu primeiro presidente, o Dr. Eduardo Mondlane, em que de acordo com o que nos foi ensinado durante décadas, “uma morte” ocorre nos escritórios da FRELIMO, para depois outros testemunhos ainda não refutados transpirarem em como a “outra morte” do mesmo indivíduo ocorre numa casa de praia pertencente a uma amiga. Sendo que os dois locais (os escritórios da FRELIMO e a casa de praia da amiga), embora localizados na mesma cidade não são uma e mesma coisa!
Contracensos! Contracensos que só o tempo resolverá, deixando uma tarefa difícil para os historiadores.

Por exemplo, sei que por ocasião do 8 de Março calendário, em alguns anos têm sido convocados encontros de confraternização e debates, incluido com o actual chefe de Estado, com um grupo denominado de “geração 8 de Março”. Existe até uma organização ou associação da “geração 8 de Março” que chegou a ser presidida pelo Flávio Menete, atual bastonário da ordem dos advogados (não sei se ainda permanence presidente). Nunca fui nem convocado para esses debates e sessões de confraternização, nem de algum modo sou membro dessa organização, de cuja existência só oiço na rádio e leio nos jornais nesses dias comemorativos.
Nestas conversas comigo proprio que vou publicar agora eu exalto o “meu 8 de Março” não para destacar algum protagonismo de relevo da minha parte. Mas simpesmente para contar aos meus filhos e netos, e partilhar com quem quiser ler o meu testemunho, imperfeito embora, e até selecivo embora, uma parte da história da juventude moçambicana que tem sido escamoteada pela clique dirigente. E para denunciar a exclusão que nesta área também se verifica sem contudo (repito) pretender forçar-me para a mesa do “banquete da desgraça”.

Eu quero contar a história do “meu 8 de Março” porque eu tenho a certeza de que ela não foi só minha, que muitos dos que a vão ler vão identificar-se com ela, porque também foi real e muito importante para mim, independenteemente de ser ou não o tipo de “8 de Março” que tem sido conveniente ao regime projectar. E também porque como eu, existem muitos outros moçambicanos da minha gerção que acabarm não fazendo parte da “geraçõ 8 de Março official” mas que podem ter gosto em reviver as memórias desses momentos maravilhjosos!

Por isso sublinho que no fundo, no fundo, existe um único “8 de março” feito de muitos “meus 8 de Março” não únicos. O resto será tarefa de historiadores.
Dito isto, importa notar que o evento principal do “8 de Março” que inicia tudo isto é o anúncio, feito no dia 8 de Março de 1977, da decisão do governo de tomar medidas para priorizar e acelerar a formação de quadros nacionais para assumirem a liderança e gestão de todos os aspectos da vida social e económica de Moçambique. Deu-se isto na sequência da derrocada do sistema da administração colonial e êxodo de pessoal qualificado português.
Medidas especificas anunciadas no 8 de Março de 1977 incluiram o encerramento de algumas Faculdades e cursos da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) deixando abertas somente as consideradas prioritárias (em particular medicina e emgenharias diversas incluindo as agronomicas), o estabelecimento de cursos especiais que aperfeiçoavam as bases dos candidatos à entrada a Universidade (como os prepodêuticos), e os famosos cursos de gestão abertos a “Trabalhadores de Vanguarda” (membros da FRELIMO) com níveis de 7a-8a-9a Classes, que deram acesso ao ensino superior a operários, funcionários públicos, desmobilizados das Forças Populares de Libertaço de Moçambique, entre outros. Alguns chegaram a posições elevadas no partido FRELIMO e no Governo. Ainda hoje o Conselho de Ministros tem indivíduos que passaram por essa formação. Por exemplo, o actual Ministro Monjane, do Mar, Aguas Intreriores e Pescas era um operário que depois de passar por esses cursos intensivos teve acesso ao curso universitário formal de Bacharelato em Economia.
Foi um período de racionamento. Havia uma grande necessidade de pessoal em todas as áreas, mas não havia matéria prima. Não havia finalistas suficientes, o sistema de educação não dava quase nada comparado com as necessidades. Os níveis mais baixos do sistema tinham grandes défices materiais e humanos. E mesmo que os houvesse, no ensino superior não havia nem condições infraestruturais nem de recursos humanos para num curto espaço de tempo formar a força de trabalho necessária ao ritmo necessário para aliviar o subdesenvolvimento herdado à altura da independência. Criou-se a Faculdade de Educação para produzir os quadros para desenvolver o sistema nacional de educação. Alguns estudantes do ensino secundário foram enviados para o exterior para se formarem, outros foram para as fábricas ajudar na gestão da produção.
Aqueles todos estudantes que iriam para a UUEM e alguns que estavam em trânsito para o exterior, tanto de Maputo como de outras provincias, foram aglomerados num Centro que se chamou “Centro 8 de Março” que fica em frente da Cadeia Civil em Maputo. Ali, para além de frequentarem as respectivas Faculdades, eram também submetidos a “Educação Política” e certo treino de capacitaçãom física, sob orientação do Ministério da Educação, com assistência do Partido FRELIMO e de Comissátios Políticos trazidos das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM). Muitas vezes a “geração 8 de Março” é confundida com esses que passaram por este centro, muitos dos quais (não todos, sublinho!) se tranformaram na elite governativa da FRELIMO.
Isto tudo dá para perceber que a “Geração 8 de Março” é diversa. Dáí eu me permitir falar do meu “8 de Março”.
Agora algumas considerações finais e ressalvas. Primeiro, nesta conversa vou mencionar alguns nomes de pessoas. Espero que não tomem ofensa nenhuma por isso. Não pretendo de maneira nenhuma torná-los testemunhos dos eventos que descrevo, nem das interpretações que deles faço que é puramente minha e com a qual eles até podem não estar de acordo. Mas essas pessoas foram parte do “meu 8 de Março”, e é somente por isso que as menciono. Espero sinceramente que todos estejam vivos e bem de saúde, e que as famílias daqueles que porventura tenham já falecido me perdoem o reavivar de memórias tristes, e que as suas almas descansem em paz.
Segundo, haverá acertamento imprecisões nas minhas descrições de alguns factos. Espero que aqueles que os protagonizaram me perdoem essas imprecisões, resultantes de falhas de memória, e não me importaria (até agradeceria) se mas viessem corrigir publicamente. Não fiz nenhum esforço de ir consultar arquivos, muitos dos quais não estão na minha posse. Não estou a escrever nenhum livro de memórias, nem tenho a pretenção de o fazer. Este necessitaria de uma investigação adequada para uma documentação rigorosa dos factos, eventos, cronologias, etc. Não tenho recursos nem financeiros nem de tempo para o fazer. Por isso este assunto fica assim, como uma conversa comigo próprio.
Para fechar este prelúdio, vale lembrar que o 8 de Março é conhecido também como o Dia Mundial da Mulher. Por esse motivo endereço a todas as mulheres moçambicanas as minhas saudações e votos de celebrações felizes e refleções frutuosas durante a sua semana. Que os seus esposos, pais, irmãos, amigos e colegas lhes ofereçam muitas rosas no próximo dia 8 de Março de 2018, e sobretudo amor, camaradagem e companheirismo eternos.
(Continua na Estaca II: Os tempos da Escola Industrial 1º de Maio, antiga Mouzinho de Albuquerque, e a passagem pela central de comunicações e sinalização dos CFM Sul)
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18 comentários
Comentários
Zacarias Tsambe Olá Prof. A “estaca” VI, virá mesmo a 01.06.2018, ou algum erro de digitação?
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Roberto Julio Tibana Muito obrigado caro Zacarias Tsambe, foi uma gralha. A Estaca VI sai mesmo no dia 6 de Marco e ja esta no "pipeline" esperando somente a data.
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Zacarias Tsambe Disponha! E ficamos cá, a espera, desse outro olhar de parte da nossa história, contada por quem viveu e decidi escrever pela sua versão e percepção. Feliz madrugada para vocês do lado do nosso fantástico Indico. Abraços
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Jose Francisco Brigado pelas suas memórias. Entretanto, no 4 parágrafo de baixo p cima, pediu desculpa, pq iria citar alguns nomes. Porém, até ao fim d texto não consegui vê-los. São dificuldades d meu lado.
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Rafael Ricardo Nzucule Eu acredito que esses nomes serão mencionados nas próximas estacas. Elas fazem parte do mesmo texto.
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Tutto Bento Catine As citações referidas serão feitas ao longo da estacas.
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Jó Bitone Estou a espera, apesar de não fazer parte de geração 8 de Março.
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Manecas Buvana Ministro Monjane foi mencionado na presente estaca.
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Jose Francisco ok. estaremos aqui.
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Horácio André Cuna Professor, eu já reservei o meu lugar à volta da fogueira, para lhe escutar. Com imenso prazer.
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Solomone Manyike Parabéns pela iniciativa! Um dia sai o livro! 
Eu sou da geração transversal!
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Abdul Adamo Parabens pela iniciativa. Uma historia que devera ser escrita sobre uma geracao sacrificada, que ingenuamente e desinteressadamente jogaram o seu papel na construcao de Mocambique pos independencia, e gradualmente traidos pelas metamorfoses por que a Frelimo vem passando
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Adam Leba Ansioso por ler(ver) as suas memórias... Acima de tudo aprender porque algumas “estória” que nos são impostas parecem não ter muita verdade...Até mangwana
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Leandro Jaime Sitoe Caro professor, fico feliz em descortinar o outro lado da história, sobre a geração 8 de Março, e na minha humilde e pobre opinião (derivada dos ensinamentos), jazia em mim o pensamento que a "geração 8 de Março" foi aquele que se deslocou a Cuba. 
E na outra vertente de direitos a riqueza, essa geração parece (percepções) em primeiro na linha de sucessão depois da geração de 25 de Setembro (os da luta de libertação nacional). Isto é, o príncipes herdeiros, dos soberanos.
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Kuyengany Produções À Luta Continua
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Sonito Wana Guiamba Ca estamos nos, da "geracao da viragem" para ler e aprender da nossa historia.
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Maria Margarida Chaves Marques Obrigada. Vou gostar muito de ler. Um abraço.
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Antonio Fumo Parabens pela iniciativa e porque nao um livro? Aquele abraco.
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Armando Felisberto Um abraço...o outro lado que nåo ė outro...mas o mesmo, porquê e para quê, thanks R. Tibana.
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Luis Lage Força... Há uma história a contar.
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Laut Mends Wau.... quem me dera uma historia contada na 1 pessoa.... expectativando Dr.
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Firmino Zita Que bom!..traga,Dr.
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Teresa Alfaro Cardoso Obrigada, Roberto, por disponibilizares tempo para relatar "esses tempos", que vivemos tão intensamente. Será muito bom reviver esses tempos da escola industrial. Lembro-me de uma reunião do grupo dinamizador, daquelas longuissimas que nunca mais acabavam e cuja continuação ficou marcada para o dia seguinte, uma sexta . E eu responder: amanhã não posso, é o meu casamento 😂. E na segunda estar a dar aulas. Férias de casamento? Tão anti-revolucionario
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Roberto Julio Tibana Nos eramos uns loucos! Radicais connosco proprios e com os outros quase a mesma medida! Um abraco minha querida. Foi bom ouvir de si. Somos todos parte da historia um do outro!
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Roberto Julio Tibana Nos eramos uns loucos! Radicais connosco proprios e com os outros quase a mesma medida! Um abraco minha querida. Foi bom ouvir de si. Somos todos parte da historia um do outro!
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Paulino Vasco Francisco Viva Dr. Vejo ha um pouco de historia que não aprendi. Estou ansioso.
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