sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Nem sempre foi assim e claramente não pode continuar assim!

BASTA!

EDITORIAL
O desmoronamento de parte da lixeira de Hulene na madrugada desta segunda-feira simplesmente colocou a nu a falta de políticas sérias por parte do Estado moçambicano na gestão de resíduos sólidos.
Foram 16 pessoas que morreram, vítimas da incúria e incompetência de quem devia ter previsto que algo de muito grave poderia acontecer.
É sintomático que, em 43 anos de independência, não se tenha até hoje construído um único aterro sanitário para uma cidade com mais de um milhão de habitantes, sabido que há quase duas décadas que o Hulene se mostra insustentável, social e ambientalmente.
Gostemos ou não, mas a tragédia de Hulene vem-nos dizer, simplesmente, que somos um país que nem o lixo sabemos gerir, embora andemos zangados com os que nos chamam de shithole (local de trampa).
Crianças ficaram órfãs, maridos e esposas enviuvaram, tudo porque um grupo de pessoas se furtou das suas responsabilidades.
E o discurso de que não se podem cobrar responsabilidades, escondendo-se num pretenso respeito às vítimas, é uma estratégia que precisa ser desmascarada sob risco de sermos coniventes.
O maior respeito que se podia ter dado era evitar aquelas mortes, que eram perfeitamente evitáveis, sobretudo porque avisos não faltaram. E aqueles que, num verdadeiro Estado de Direito, deviam estar, preventivamente, presos, hoje aparecem de óculos escuros a chorarem lágrimas de crocodilo.
As presentes enxurradas e a tragédia do Hulene deixam clara uma atitude de complacência com comportamentos de risco de uma população que se habituou a viver no fio da navalha.
No ganha pão diário na disputa de espaço das rodovias que deviam ser para automóveis e camiões, na ocupação impune de espaços propensos a cheias, no assalto suicida a camiões com combustíveis, no fechar de olhos aos meios de transporte sem condições para transportar pessoas, na cumplicidade populista do áudio-visual que intimida intervenções musculadas que poderiam evitar tragédias e catástrofes. As autoridades há muito baixaram os braços.
De igual modo, não pode hoje o Conselho de Ministros aparecer a exortar o Conselho Municipal de Maputo a encerrar a lixeira porque o próprio Governo central é parte deste problema.
Basta lembrar que desde os tempos do Ministério da Coordenação para a Acção Ambiental, hoje herdado pelo MITADER, que o executivo vem prometendo encerrar aquele depósito.
No caso específico do lixo, é preciso questionar quantas vidas serão necessárias tombar para se construir o aterro sanitário de Matlhemele que, ao que já foi publicamente, anunciado, tem fundos disponibilizados para a sua concretização.
Apesar do muito que se sabe e foi dito ao longo dos anos era importante uma comissão de inquérito que elencasse exaustivamente as causas do desastre e os seus responsáveis. E, no fim do dia, com consequências.
A partir das lições das ocupações anárquicas que ocorrem um pouco por todo o país, da tragédia do camião cisterna em Tete, dos homicídios programados nos transportes colectivos de passageiros, era importante uma reflexão política sobre a demissão do Estado nas acções em que tem de fazer valer claramente os seus poderes para não assistirmos diariamente ao ridículo da crescente demanda de indemnizações e compensações claramente ilegais e sem fundamentos.
Nem sempre foi assim e claramente não pode continuar assim!
SAVANA – 23.02.2018

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