sábado, 30 de dezembro de 2017

“Podemos terminar na dependência de um só produto de exportação”


“Podemos terminar na dependência de um só produto de exportação”
Salvador Namburete, economista e antigo ministro da Energia, lançou, na quarta-feira, o seu terceiro livro onde faz um olhar para as exportações no país e sugere medidas para melhorar e aumentar o volume das exportações, diversificando os produtos de exportação
“A Exportação em primeiro: valorizando o papel da exportação no país” é o título do terceiro livro. Esta obra faz uma retrospectiva da área das exportações no país nos últimos anos. Como se comporta o sector e qual foi a sua evolução?
Nos últimos 30 anos, a exportação aumentou em termos absolutos, mas houve uma deslocação dos produtos que contribuem para a receita de exportação. Nos anos 80 à 90, cerca de 80 por cento das exportações do país eram constituídas por produtos de origem agrícola, nomeadamente: o caju, o algodão, o sisal, o chá, madeiras, citrinos; e do sector de pescas, particularmente o camarão. Este era o grupo de produtos que fazia o grupo de 80 por cento das exportações, na altura. Hoje, este grupo apenas representa 8 por cento e alguns dos produtos até desapareceram, o sisal, o chá. E o que tomou o lugar destes produtos são produtos da área mineira, nomeadamente: o carvão mineral, as áreas pesadas, o alumínio, o gás e a electricidade. E estes cinco produtos actualmente representam 80 por cento das exportações. A nossa produção nacional, particularmente da áreas que mencionei anteriormente, cujo impacto vai até aos camponeses, está a perder o seu peso. Havia também na época uma pequena indústria que se estava a desenvolver e que tinha também seu espaço no mercado internacional. Este país já produziu vagões, material rolante, já exportou candeeiros, embalagens de vidro, rádios, entre outros produtos da pequena indústria e que hoje desapareceram.

Quais foram os motivos para este desaparecimento?
O principal motivo, na minha óptica, é que não foram amparados quando foi iniciado o ajustamento estrutural, por se tratar de produtos cujo processamento requeria, em grande parte, materiais importados. Quando se iniciou o ajustamento, os componentes importados tornaram-se mais caros e as empresas não podiam continuar a importar, a não ser que tivessem uma almofada no âmbito de um hipotético fundo de promoção das exportações que havia sido pensado na altura e não foi implementado.

Fez referência que 80 por cento das exportações são provenientes de produtos de origem mineira, que impacto este facto tem para as exportações?
Estamos num cenário em que destes 80 por cento de produtos de exportação, ou melhor, que contribuem para 80 por cento das receitas de exportação do país, quatro dos cinco produtos são propriedade de investidores estrangeiros. As areias pesadas, o alumínio, o gás natural e o carvão mineral são todos de investidores estrangeiros e isso tem efeito sob ponto de vista das estratégias de exportação. Para aquilo que o país exporta, registamos um crescimento do ponto de vista de volumes de exportação, mas em termos de receitas para aquilo que fica no país, o impacto é pequeno, porque não são investidores nacionais que produzem. 

Que consequências este facto terá no futuro?
A tendência que se verifica de sairmos dos produtos que eu mencionei anteriormente para os produtos de origem mineira é corrermos o risco de um dia começarmos a exploração em grande escala de gás natural do Rovuma e termos o problema de todos esses outros produtos serem abandonados e passarmos a depender de um só produto, que para todos os efeitos é um produto primário e que está sujeito aos constrangimentos ou a instabilidade dos mercados internacionais. Inclusivamente, podemos terminar numa situação em que muitos países que terminaram, na dependência de um só produto, quando o preço desse mesmo produto cai no mercado internacional.

E quais são as medidas que devem ser tomadas para revitalizar as exportações dos produtos agrícolas ou de investidores nacionais?
Há semelhança do que vemos nos outros países, Moçambique deveria eleger e priorizar alguns produtos que acha que tem vantagem comparativas, promover e posicionar-se com força no mercado internacional. No nosso caso, eu proponho que se comece por dois produtos da área tradicional, nomeadamente o caju e o algodão. Este país já foi o maior produtor de caju nos anos 70. Perdeu esses espaço, mas pode recupera-lo, a terra esta aí, mas tem que ser na óptica do desenvolvimento de toda a cadeia de valor, porque não é produzirmos caju para continuarmos a exportar em bruto, não processado, ou simplesmente descascar e exportar. Se seguirmos toda óptica do desenvolvimento da cadeia do sector, o valor da exportação do caju irá aumentar. O outro produto da área tradicional é o algodão. Olhando só para a popularidade da capulana neste país e saber que a capulana que é usada é importada num país que tem um potencial enorme de produção de algodão e desenvolvimento da cadeia de valor, dói um pouco. Na área não tradicional, proponho a exportação de flores, as de corte e plantas ornamentais. Há muitos países, inclusive os da nossa região, que produzem e exportam flores, este negócio é exigente, mas quando se consegue cumprir com todas as exigências do mercado, é altamente lucrativo. O meu estudo concluiu que a relação entre o Produto Interno Bruto (PIB) e as exportações é positiva, estatisticamente significativa, e a direcção causal é da exportação para o PIB. Por exemplo, o crescimento de um por cento na exportação provoca um crescimento de 0.52 por cento no PIB, o que é uma contribuição significativa.

Referiu anteriormente que no seu livro propõe algumas políticas, quais são?
A primeira sugestão de política é o reforço técnico e financeiro da Função de Promoção de Exportações, para permitir que haja uma entidade, neste caso a Agência de Promoção de Investimentos e Exportação (APIEX) que é criada na sequência da extinção das três agências que tínhamos aqui o CPI, o IPEX e o GAZEDA. Então, a nível da APIEX que se reforce financeira e tecnicamente a função de promoção de exportações, para garantir o seu maior impacto. A segunda proposta é que haja uma campanha de educação cívica dirigida aos cidadãos, de preferência que se inicie nas idades mais tenras, porque à medida que as pessoas vão crescendo, saibam que existe uma coisa chamada exportação, sem a qual nenhum país sobrevive. Nós precisamos exportar para podermos sobreviver. E por último, reforçar as medidas de incentivos para os exportadores. Existem incentivos que podem ser melhorados, que podem ser reforçados, para que tenham impacto. Os nossos exportadores não tem recursos para fazer estudo de mercado e para fazer prospecção do mercado, para promover os seus produtos.

Em algumas regiões do país, os camponeses têm produzido grandes quantidades de produtos agrícolas, mas não conseguem encontrar mercado para o seu escoamento, em alguns casos os agricultores são obrigados a vender os seus produtos a um preço muito inferior, não rentável. Temos o exemplo da campanha agrária 2016/2017 em que os agricultores produziram muito feijão bóer, mas tiveram muitas dificuldades para encontrar compradores. Para provar que impulsionar a produção não é suficiente, que medidas devem ser tomadas para que este tipo de cenário não se repita?
É preciso equipar as instituições que têm a missão de promover as exportações dos meios necessários, para que possam actuar. Eu acredito que se essa situação ocorreu porque as entidades intervenientes foram confrontadas com problemas inicialmente não identificados que deveriam ter sido descobertos e resolvidos a tempo. Não me pareça que seja um problema de falta de clareza sobre a necessidade de actuar, mas sim de meios. É preciso estar em cima do acontecimento como se costuma dizer, mas para isso são necessários recursos. E insisto que a APIEX deve ser reforçada tecnicamente e financeiramente para poder realizar melhor o seu papel, para que possa ajudar a minimizar problemas como esse. O reforço das instituições não precisam ser apenas com recursos nacionais. O país pode firmar também parcerias com outras nações que podem ajudar no apetrechamento destas instituições. Há uma grande disponibilidade dos parceiros em colaborar nesta área. Quando o programa ou projecto é muito bem formulado, os parceiros não têm medo de ajudar.

Moçambique é um dos países abrangidos pela Lei de Crescimento e Oportunidade para África (AGOA), que é uma iniciativa que prevê que produtos provenientes de certos países entrem para o mercado norte-americano livres de pagamentos de direitos e restrições quantitativas. Segundo dados recentemente revelados pela Embaixada dos EUA no país, em 2016, as exportações para os EUA situaram-se pouco acima de 100 milhões de dólares, sendo que no âmbito do programa AGOA foram pouco mais de um milhão de dólares. Comparativamente aos outros países, esta cifra é reduzida. Como ou o que se deve fazer para que Moçambique possa tirar maior proveito deste programa?
Quando uma moeda de um determinado país se deprecia ou é desvalorizada, a sua produção torna-se mais barata, mais competitiva e em melhores condições competitivas de ser colocada no mercado internacional. É o mesmo com oportunidades que nem a AGOA ou o programa criado pela União Europeia que o país não tem sido capaz de aproveitar, porque faltam apoios, intervenções fundamentais no sector produtivo e produção para exportação. Portanto, este papel de promoção da exportação precisa mesmo de ser retomado e reforçado. Estas oportunidades passam ao lado, porque quando o metical se deprecia, por exemplo, havendo produtos com qualidade para exportação, automaticamente as portas do mercado internacional ficam abertas para a sua entrada. Nós vimos, nos dois, três últimos anos, que o metical depreciou-se de forma significativa, mas tanto quanto eu sei, a exportação não aumentou muito, porque não havia produção em quantidade e qualidade para se poder aproveitar o facto da depreciação da moeda. Temos a AGOA, o Programa Comunitário de Assistência às Empresas dos Países da África Caraíbas e Pacífico e outros bilaterais há vários anos, mas o nosso grande problema é na produção. O facto é que se nós não actuarmos para diversificar a exportação, podemos terminar numa situação muito difícil de dependência de um ou dois produtos sujeitos a grandes oscilações do mercado internacional.

Quais foram as motivações para escrever sobre exportações em Moçambique?
As motivações são várias. Em primeiro lugar, o facto de trabalhar na exportação há vários anos, quase toda a minha carreira trabalhei no comércio externo, envolvi-me muito no país em termos de formulação de políticas e criação de algumas instituições ligadas as exportações. Segundo, a minha formação académica, já fiz duas teses, uma para o trabalho de licenciatura em Economia na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em 1999, em que o tema era: O Impacto da Desvalorização Sobre a Exportação no Contexto do Ajustamento Estrutural em Moçambique. Em 1994, desenvolvi um tema parecido como tese de mestrado na Universidade de Lancaster, na Inglaterra, com o tema: A Promoção da Diversificação das Exportações Sobre o Ajustamento Estrutural em Moçambique”, em que efectivamente o principal objectivo era avaliar se as políticas de ajustamento estrutural, nomeadamente com recurso à desvalorização da moeda, tinham ou não impacto no caso da realidade de Moçambique. A outra motivação é ajudar na formação de políticas. O objectivo do meu livro não é dar nenhum tipo de recado a quem quer que seja. O objectivo é colocar o resultado de uma análise baseada em métodos científicos e técnicos correctos geralmente utilizados em outras realidades para avaliar Moçambique. Tudo o que eu digo em jeito de proposta são apenas ideias e sugestões que podem ser vistas de forma positiva ou simplesmente como mais uma referência, e quem deve tomar as decisões irá as tomar através dos seus melhores critérios.  Esta obra pode também servir de bibliografia para os estudantes na elaboração dos seus trabalhos de fim de curso ou de pesquisa.

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