domingo, 31 de dezembro de 2017

Narcos à Pérola do Índico


Elisio Macamo



Recentemente vi a série “Narcos” da Netflix, a história dos cartéis colombianos da droga. Interessaram-me mais as primeiras duas temporadas que retrataram a ascensão e queda de Pablo Escobar. Como é difícil assistir estas coisas sem sucumbir à tentação de fazer sociologia, vi a série com olhos de sociólogo. A arte e a literatura possuem, (in)felizmente, algo que a sociologia não tem: o olho para o detalhe. Como disse uma vez alguém, cujo nome não me ocorre agora, enquanto a sociologia é a fotografia aérea, a literatura é o retrato.

Com efeito, o que empobrece a sociologia é depender de palavras para ver e mostrar. Nenhuma das palavras ao seu dispôr é capaz de retratar a formação das coisas no momento em que se constituem. A sociologia fala do antes e do depois. A arte e a literatura falam da ligação entre o antes e o depois. Elas sabem usar a nossa imaginação para completarem as suas obras. O sociólogo perde-se na procura pela palavra certa.

Fiquei com inveja de quem fez “Narcos”. Mostrou como as circunstâncias fizeram Pablo Escobar, portanto a ligação entre o antes e o depois. Quem lê sobre Escobar hoje pensa (sociologicamente) estar perante uma figura formidável que desde o início foi assim e que implementou meticulosamente um plano de ser o grande barão da droga que ele se tornou. A série mostra, contudo, exactamente o contrário. Escobar foi um desgraçado que por circunstâncias fortuitas se encontrava em determinados momentos em posição de tomar decisões com grandes repercussões. A sua ingenuidade aliada à falta de respeito pela vida humana de quem não lhe fosse próximo levaram-no a tomar decisões que no contexto político e económico da Colômbia fizeram dele um factor incontornável.

Não era melhor bandido do que ninguém, não tinha um sentido estratégico mais apurado do que os outros bandidos. Mas a sua ingenuidade e falta de piedade naquele contexto e naquele momento ajudaram-no a levar a melhor sobre os outros. A sua história não tinha nenhum enredo. Fez-se ao sabor dos acontecimentos. Qualquer momento negocial, por qualquer que fosse a razão, servia para ele trazer tudo o que lhe ocorresse à mesa das negociações. Aquela ideia de Christian Geffray, o falecido antropólogo francês que estudou a guerra da Renamo em Nampula, de “corpo social”, isto é, de algo que cria as condições para a sua própria reprodução, vem aqui a calhar. Isto é, o caos que Escobar criou serviu também para fazer dele parte da solução.

Li esta manhã a entrevista concedida pelo líder da Renamo à STV e não pude resistir aos paralelos. Moçambique, à semelhança da Colômbia, está refém dum desgraçado que se tornou um factor formidável não graças a qualidades excepcionais, mas sim à sua ingenuidade e falta de respeito pela vida humana. Não é um líder nato. Calhou estar num sítio num determinado momento e beneficiando de todo um conjunto de circunstâncias (excessos ideológicos da Frelimo gloriosa, fragilidade dum estado em formação, etc.), incluindo, curiosamente, os próprios erros (a sua incapacidade em transformar a Renamo num partido político constitui, no contexto de Moçambique, um trunfo) foi vendo a sua história a ser construída pelo acaso. Tal como Escobar, é visto por muita gente como uma espécie de Messias. De parte do problema passou a ser parte da solução perante a credulidade de muitos que olham para o seu próprio país como se fossem meros espectadores. Retiram excertos da entrevista onde ele ridiculariza o governo, postam-nas no Facebook e riem-se esquecendo que se estão a rir de si próprios. Não veem o verdadeiro ridículo da situação que consiste em serem reféns dum desgraçado. Pensam que se riem do governo.

A entrevista voltou a mostrar a forma irresponsável e desrespeitosa para com os moçambicanos como o Chefe de Estado tem estado a gerir este dossier. Os detalhes que ele não dá ao povo que o elegeu, o líder da oposição dá. Enquanto ele vai ao Parlamento elogiar os esforços do líder da oposição pela paz (que ele violou, diga-se de passagem), este último apresenta o Chefe do Estado como alguém que não tem poder de decisão, é inexperiente e não tem força suficiente para se impor, razão pela qual faz as coisas na calada. Na série “Narcos” Escobar chegou a “negociar” com o presidente colombiano a construcção duma prisão num lugar por ele escolhido e sem guardas prisionais do estado colombiano, local a partir do qual ele viveu à grande e continuou a controlar os seus negócios ilícitos. Isto é, o estado colombiano capitulou. É difícil não ver nos planos revelados pelo líder da Renamo na entrevista da STV a capitulação do Estado moçambicano. De alguém que reagiu à derrota eleitoral com violência (violando a constituição da República), o líder da Renamo passou, com a ajuda do governo moçambicano, para grande obreiro da descentralização e factor de paz.

Nem sempre o país me dá razões para dele me sentir orgulhoso. No governo ainda vejo, apesar de tudo, razões para algum orgulho, ainda que seja mais no estilo daquele aviso que se colocava nos “saloons” do “Wild West” americano: “por favor, não mate o pianista; ele está a fazer o seu melhor”. Mas sempre que vejo o fascínio da nossa imprensa e de alguma massa “(des)intelectual” pelo nosso Escobar fico desesperado. É incrível a nossa falta de auto-estima.

E como sempre, vai aparecer alguém aqui a perguntar por alternativas. Pois, não tenho nenhuma. Creio, contudo, que havia mais opções que não foram exploradas. O processo eleitoral teve irregularidades. Corrigi-las respeitando a Constituição e aqueles que a respeitam é o mínimo que se podia esperar dum governo democraticamente eleito. Isso passava por envolver o maior número possível de moçambicanos na correcção dessas irregularidades mantendo o ônus da violação da constituição por cima da Renamo e do seu líder. Para mim é completamente incoerente ouvir as autoridades a classificarem os atacantes de Mocímboa da Praia de “terroristas” quando ao mesmo tempo demonstram pelos seus actos que o crime compensa.






























































Contra Elisio Macamo

O maior filósofo e epistemológo do século passado Karl Popper escreveu um dos seus mais famosos livros "Contra Marx". Quando estava a ler o texto do Professor Elisio Macamo num dos perfis do José de Matos e do Homer Wolf (Reféns de um desgraçado) recordei-me imediatamente da crítica do Popper a Marx. Mas a maior crítica fê-lo em outro livro ainda mais famoso: "A Sociedade Aberta e seus Inimigos. Platão, Aristóteles, Hegel e Marx falsos Profetas". Pensei se podia usar um destes atributos que Popper usou. "Inimigo"? "Falso profeta"? Penso que podia usar os dois. O de inimigo e do falso profeta.
1. Inimigo porque impede a realização da "Sociedade Aberta" sendo verdadeiros obstáculos de construção de sociedade democrática baseada em consenso produzido pelo diálogo. 2. Falso profeta porque fazendo-se passar pelo intelectual traz receitas erradas de construção de "Sociedade Fechada", intolerante que elimina quem pensa diferente.

Para alem de Popper recordei-me também de outros intelectuais promotores de anti-democracias e defensores do fascismo e nazismo, estou a falar do grande filósofo e intelectual italiano Giovanni Gentile (Castelvetrano, 30 de maio de 1875 — Florença, 15 de abril de 1944) juntamente com Benedetto Croce. Os dois foram dos maiores expoentes do neoidealismo e do fascismo italiano e nazismo. Sem falar do grande Hegel, mestre de Karl Marx e Feuerbach (o ateu e materialista alemão).
O racismo e anti-democracia sempre tiveram defensores intelectuais. Não me admira nada que um destes indivíduos venha aqui a desprezar os esforços do Presidente Nyusi atribuíndo a Dhlakama o adjetivo depreciativo de "Desgraçado" ao nível do narcotraficante Escobar.

Não só as anti-democracias tiveram grandes defensores intelectuais como também o racismo. O racismo "cientifico" quis afirmar-se como ciência autônoma. Primeiro chamado de etnologia deluindo-se agora em antropologia cultural.

De entre aqueles que elevaram o racismo ao estatuto de ciência se afiguram grandes personalidades como Aristóteles, o alemão Immanuel Kant, o francês Jean Jacques Rousseau. Este último comparou o negro com um ser inocente (criança), tambem fez o mesmo o Levy-Bruhl que considerou o negro de pre-lógico. Já Hegel viu no negro uma criança num corpo de um adulto.

Na construção de consensos que caracteriza a "Sociedade Aberta" encontram-se muitos inimigos na óptica de Popper. Elisio Macamo é um destes inimigos.
Os maiores inimigos da sociedade aberta são os intolerantes, exactamente aqueles que se fazem passar por grandes intelectuais e encontram mentes tão ingênuas pra os crer.
Popper apontou como grandes inimigos os intelectuais de grandeza não de Elisio mas de Platão, Aristóteles, Hegel e Marx aqueles que fizeram a história intelectual da humanidade. Estes aparecem como profetas usando estatutos intelectuais pra destruir a construção de consensos, a democracia e sociedade aberta pra no seu lugar construir "Sociedade Fechada", ditatorial e intolerante. Objectivos? muitas vezes obscuros.

Professor Elisio foi comparar Dhlakama (oposição política admitida em todos países civilizados) com um dos maiores, senão o maior narcotraficante de todos os tempos o senhor Escobar pra tornar credível a sua argumentação confundindo as pessoas que quem pega a arma pela droga tem o mesmo estatuto com o de quem luta pelas mudanças sociais muitas vezes não perceptíveis naquele momento.
O senhor Macamo não sabe ou deveria saber porque são questões elementares de que não existe a democracia sem as diferenças ideológicas, diferenças de visão e diferenças de pensamentos. Estas diferenças podem extremar-se passando da convivência pacífica à beligerância. As grandes mudanças sociais infelizmente foram feitas beligerantemente. Incluindo a nossa independência. Mas a racionalidade humana e o bom senso faz apelo pra ultrapassar diferendos através do diálogo, o que implica o abandono da solução pela violência. Isso é o que o Presidente Nyusi tem vindo incansavelmente a fazer.

É normal a existência de diferendos numa sociedade plural e democrática onde as soluções devem passar pelo diálogo. A construção de consensos pra citar o grande professor Mazula exige inteligência e equilíbrios dos envolvidos.

Na óptica de Macamo Moçambique está refém de Dhlakama tanto seria útil como foi pra Colômbia assassina-lo a maneira de Escobar, ou seja eliminar os focos de diálogo e qualquer esforço tendente à solução através do diálogo.

O professor Macamo sugeriu fazendo um paralelismo com Escobar justamente pra ver uma medida cirúrgica a colombiana que passaria por não perder o tempo com o "Desgraçado" do senhor Dhlakama pra usar as suas palavras, o análogo de Escobar mas caça-lo e assassina-lo justamente como um narcotraficante.
Como trouxe Colômbia pra sustentar os seus argumentos, a própria Colômbia mostra ao Professor Macamo e ao povo moçambicano que ele (Macamo) não lê a história. Quando FARC foi criada em 1964 com seu líder Manuel Marulanda Velez o governo colombiano apostou em armas pra eliminar a farc, o tempo foi passando, o povo a sofrer por 10, 20, 30, 40, 50 anos até hoje que apareceu o presidente Juan Santos que apostou no diálogo.

A visão belicista e intolerante do Professor Macamo não tem enquadramento possível nas ciências modernas e nas sociedades abertas modernas. Nem na antropologia política onde acção de um político não pode ser comparada com a de um narcotraficante, nem na filosofia política contemporânea que respeita a oposição política, promove a tolerância e o diálogo pra ultrapassar os diferendos, nem pode ser enquadrada nas ciências políticas contemporâneas onde as diferenças ideológicas que geram adversários não devem gerar inimigos.
Único inimigo da sociedade aberta segundo Popper é o intolerante e este intolerante será o Professor Macamo.
Vamos apoiar os esforços de pacificação de Moçambique. Bem haja Presidente Nyusi e Dhlakama. O partido Frelimo apoiou o presidente Nyusi encorajando-o a continuar.
Se o presidente Nyusi respondesse com fogo e mais o fogo da Renamo teríamos o país a arder. A economia seria aquela dos anos 80 quando a guerra destruiu tudo e queríamos resolver tudo pelas armas. Perdemos 16 anos da nossa história (comendo repolho e sal) e com os falsos profetas podemos voltar ao retrocesso sem igual.

Nestas lutas a guerrilha sempre sobrevive, o povo sofre e o país empobrece.

Voltando a Colômbia o pais de eleição do Professor Macamo ele (Macamo) teria aprendido da lição dada pelo Presidente pacifista da Colômbia, Juan Manuel Santos que eliminou a guerra com a FARC que durava há mais de 50 anos através do diálogo. Santos como Nyusi se empenhou pessoalmente nas negociações que trouxeram a paz aos colombianos. Juan Santos ganhou prêmio Nobel de paz. Hoje a farc está desarmada e a integração uma realidade.
Atentos aos falsos profetas.

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