I
gual a si mesmo, Carlos Nuno
Castel-Branco, cuja crítica já
lhe fez parar na barra do Tribunal,
voltou a tecer, esta semana,
duras críticas contra a elite política
nacional. Desta vez não citou nomes,
mas o economista, para quem
o processo político e económico nas
últimas duas décadas, em Moçambique,
tem se focado na formação
de uma classe de capitalistas, sublinhou,
em sede da V Conferência
Internacional do Instituto de Estudos
Sociais e Económicas (IESE),
que as sucessivas crises que têm
marcado a trajectória económica
de Moçambique são parte orgânica
do processo de acumulação de
capital no país. E avisou que uma
economia assim gerada, nem multiplica
empregos decentes, muito
menos reduz a pobreza, antes pelo
contrário, cria milionários e reproduz
as estruturas dependentes de
expansão económica até ao ponto
de ruptura que, no caso actual, foi
cristalizada na crise da dívida.
Falando das “Crises Económicas e
a sua Lógica Histórica na Economia
Moçambicana”, Castel-Branco
anotou que, nos últimos 60 anos, a
economia moçambicana foi sempre
marcada por uma série de crises.
Depois de escalpelizar a economia
do país durante o período colonial
até aos anos que se seguiram à independência,
que também foram marcados
por sucessivas crises, cada uma
com as suas peculiaridades, o economista
voltou-se para a história mais
recente, tendo dito que, neste século
XXI, dois indicadores sempre chamaram
atenção sobre uma iminente
ebulição da economia nacional.
Trata-se de uma escalada de investimento
externo e uma reduzida
eficácia do crescimento económico
em reduzir pobreza, bem como a redução
dessa eficácia à medida que o
crescimento económico acelera e o
investimento aumenta.
Debruçando-se sobre as condições
estruturais de sustentabilidade da expansão
da economia, Castel-Branco
afirmou que não é muito difícil entender
que uma economia só pode
expandir em função da capacidade
de sustentar essa expansão a longo
prazo, o que significa que os novos
sectores que entram na economia
devem ser capazes de gerar recursos
e energia necessários para sustentar a
expansão, em vez de apenas viverem
dos outros sectores.
Chamou atenção de que isso é, particularmente,
verdade para economias
como a nossa, que tem uma base de
exportação, que é de produtos primários,
débil, frágil, volátil e concentrada
em mercados não dinâmicos e
que, além do mais, o resto da economia
em expansão é muito exigente
em termos de recursos que não está
a gerar.
Sublinhou a forte dependência do
país pelo investimento externo e a
sua concentração no núcleo extractivo
e sectores adjacentes, cujo impacto
real na economia, como a criação de
emprego, é diminuto, para enfatizar
que a sustentabilidade de impulsos
acelerados neste tipo de economia
depende do que acontece com os
sectores que sustentam a economia e
com a velocidade com que os novos
sectores passam a criar novos recursos
para a economia, em vez de apenas
consumirem.
“Se isto não é tão difícil de entender,
então, porquê se reproduzem as crises
ao longo da história”, perguntou,
de forma retórica, a fonte, para quem,
ao longo da história económica do
país, nota-se a ocorrência e recorrência
de crises de expansão económica
que resultam em contracção, com
medidas de austeridade que agravam
essa contracção.
É por isso que, para ele, embora o
país tenha o que apelidou de crescimento
brutal de endividamento, a
causa primária da crise não é a dívida
(interna e externa), muito menos
a dívida ilícita em particular. Pelo
contrário, defendeu, a dívida é uma
consequência e não a causa primária
da crise mais geral.
Na óptica de Castel-Branco, o problema
primário, esse sim, é a forma
como os recursos e força de trabalho
são expropriados, reorganizados e
utilizados; a expansão e aumento das
capacidades produtivas em algumas
áreas e a sua contracção em outras,
ao mesmo tempo que grupos sociais
e comunidades são excluídos do
acesso a essas capacidades em expansão;
bem como a expansão da forma
capitalista de organização a todas as
esferas da sociedade, incluindo os recursos
e serviços públicos, a seguran-
ça social e as finanças.
Entende que a crise vem também da
forma particular como o processo de
reorganização e expansão do capitalismo
acontece em Moçambique, que
é determinada pelo foco do processo
político e económico nas últimas
duas décadas, que é a formação de
uma classe de capitalistas.
“Revistas especializadas, como a Forbes,
mostram que Moçambique é o
País africano com uma taxa mais rá-
pida de crescimento do grupo de milionários.
Entre 2002 e 2014, o nú-
mero de milionários moçambicanos
duplicou, aumentando de um milhar,
e o número de pobres aumentou em
cerca de 2.1 milhões. Isto é, cada
novo milionário custou um pouco
mais de 2.000 pobres”, afirmou o
economista que, em 2013, questionou
a qualidade de liderança política
do então presidente da República,
Armando Guebuza e a direcção para
que estava a levar o país.
Para Carlos Nuno Castel-Branco, a
formação de capitalistas, nas condi-
ções de Moçambique, depende do
acesso ao capital externo e, para o
mobilizar, o Estado pós à sua disposição
os recursos estratégicos e a sua
capacidade de endividamento.
Esta estratégia, avançou, foi concretizada
através do que chama como as
primeiras três ondas de expropriação
do Estado, nomeadamente, as privatizações
de empresas na década de
1990, a expropriação e privatização
de recursos naturais estratégicos na
última década e meia e o endividamento
desenfreado do Estado na
última década a favor do capital privado.
E entende o economista que a resposta
que está a ser dada à crise daí
resultante é outra, a quarta, onda
de expropriação do Estado, em que
este assume a privatização às finan-
ças públicas, a “financeirização” dos
recursos estratégicos e a austeridade
social.
“A economia assim gerada nem multiplica
empregos decentes, nem reduz
a pobreza, embora crie milionários e
reproduz as estruturas dependentes
de expansão económica até ao ponto
de ruptura que, neste caso específico,
foi cristalizado na crise da dívida”,
lamentou.
Segundo ele, a crise moçambicana
foi ainda exacerbada pelo contexto
global, nomeadamente, a “financeirização”
do capitalismo global (isto é, o
domínio das formas especulativas fi-
nanceiras sobre o processo global de
reprodução da economia), as formas
de integração da economia moçambicana
no capitalismo global e as vá-
rias crises nos mercados de produtos
primários.
Mas para Castel-Branco, não basta
dizer que estamos expostos às tendências
globais.
“Moçambique ficou mais vulnerável
a essas tendências globais pela forma
como a gula por capital fez as classes
capitalistas nacionais, com o apoio
do Estado, expor Moçambique a
essas vulnerabilidades – a mercados
financeiros especulativos, à ira das
instituições financeiras internacionais
e à cada vez maior dependência
de produtos primários”, esclareceu.
Rejeitar a austeridade e
eliminar dívida odiosa
Para o economista, a saída desta encruzilhada
passa, em primeiro lugar,
por rejeitar a austeridade.
Mas defende que, rejeitar a austeridade
passa por duas coisas: primeiro
entender o que a austeridade
é, na sua dimensão mais complexa,
desde os cortes nas despesas sociais,
emprego, salários, inflação dos bens
básicos de consumo, até ao aumento
das restrições monetárias e das medidas
anti-inflacionárias assentes no
aumento da escassez e do preço do
capital para a diversificação da base
produtiva.
Segundo, mostrar que a austeridade
é injusta e ineficaz a resolver os
problemas que diz pretender porque
a austeridade cria novos problemas
como a contracção da economia, da
procura interna, ou seja, reforça as
dinâmicas extractivas da economia.
Para ele, em vez da austeridade, é
preciso ir para outras respostas, como
a mobilização de capacidade fiscal
através da grande base económica
que já existe, bastando aproveitar a
grande capacidade fiscal ociosa, redireccionar
o investimento público,
o complexo mineral e energético e
alargar a base produtiva.
Indicou que outra coisa fundamental
para relançar a economia moçambicana
é a reestruturação da dívida.
“A reestruturação da nossa dívida vai
ter duas dimensões. Uma é a eliminação
daquilo que é a dívida odiosa,
dívida ilícita, que o povo, o Estado,
e a economia não devem pagar. Mas
para eliminar isso é preciso demonstrar
que essa dívida é odiosa, isso
quer dizer que foi contraída para
servir objectivos privados à custa do
público e não serve o País e demonstrar
isso é preciso dizer quem bene-
ficiou, etc., portanto, significa passar
por uma fase também de identificar
o problema a esse nível”, disse, explicando
que a segunda dimensão
da reestruturação é pegar no resto da
dívida e renegociar os juros, prazos
de pagamento, etc., para libertar a
capacidade do Estado de poder desenvolver
programas económicos e
sociais numa base mais alargada sem
serem dominados pelas dinâmicas
de “financeirização” da dívida e dos
recursos.
O economista lamenta que o neoliberalismo
e a “financeirização”
tenham imposto a emergência e renascimento
do nacionalismo econó-
mico não só na Europa e nos Estados
Unidos da América, mas em outras
partes do mundo, onde o populismo
de direita ganhou força – como em
Moçambique, Tanzânia, África do
Sol e Índia, onde a defesa e a promoção
das classes capitalistas e seus
interesses são deliberadamente confundidos
com anti-imperialismo.
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