ANTICORRUPÇÃO
Anticorrupção - Transparência - Integridade Edição No
24/2017 - Setembro- Distribuição Gratuita
Centro de Integridade Pública
MINISTÉRIO PÚBLICO
LEI ANTI-CORRUPÇÃO
LEI DE PROBIDADE PÚBLICA
CÓDIGO PENAL
O sector da Saúde é um dos mais importantes
e sensíveis da governação e, consequentemente,
dos que mais recebem fundos do Estado e de
parceiros internacionais. Entretanto, a gestão
destes fundos não tem sido transparente.
O procurement público para a aquisição de
medicamentos, material médico-cirúrgico e
empreitada de obras públicas tem sido uma das
áreas mais problemáticas, com o Ministério da
Saúde (MISAU) a recorrer sistematicamente à
modalidade de contratação de ajuste directo para
a adjudicação, sem que haja razões palpáveis que
sustentem a escolha contínua desta opção.
Os ajustes directos do MISAU apresentam três
tipos de padrões:
• As empresas adjudicadas por via da modalidade
de ajuste directo são sempre as mesmas;
•. Nos casos em que se verifica alguma rotatividade
de empresas no processo de adjudicação,
somente há mudança do nome da empresa,
porque a estrutura accionista se mantém intacta
ou apresenta a entrada de um sócio novo. Ou seja,
os beneficiários mantêm-se, mesmo mudando a
empresa à qual se adjudicou o contrato.
• A opção pela modalidade de ajustes directos
sempre ocorre quando os fundos que financiam
as compras são do Orçamento do Estado.
Este é o primeiro de uma sequência de artigos
sobre o procurement público do sector da Saúde,
resultado de uma investigação jornalística de
mais de dois anos.
Neste artigo apresentam-se adjudicações na
modalidade de contratação por ajuste directo
desde o início do presente ano de 2017 até à
data, processo que perfaz um valor total de
170.228.883,01 Meticais e 842.548,50 Dólares
americanos.
Negócios questionáveis do sector da saúde (I)
Conheça os fornecedores
estratégicos do MISAU e
saiba quanto ganham
2
Tabela 1. Lista de ajustes directos no MISAU de
Janeiro a Agosto de 2017
Fonte: Investigação do CIP
MedTech, Limitada
A MedTech, Limitada tem como sócios Hussein
Basma, Mohamed Basma e Quitério Nassone
Muhate, conforme o BR nº 98, III Série, 2º Supl., de
10 de Dezembro de 2013. Foi-lhe adjudicado, por
ajuste directo Nº 07/OE-MED/AJD017, o contrato
com o valor de 32.008,50 USD (Trinta e dois mil
e oito dólares americanos e cinquenta cêntimos,
datado de 31 de Agosto de 2017, número de
contrato 58A/AD/03MED/07/017, cujo objecto é
fornecimento de medicamentos de especialidade
para o Serviço Nacional de Saúde.
Foi proponente da adjudicação António Amade
Amisse Assane, Director Nacional da Central
de Medicamentos e Artigos Médicos, e teve
despacho de autorização da Ministra da Saúde,
Nazira Abdula.
Bed Center, Limitada
Em Abril de 2017, mais uma vez, a Família Basma
beneficiou de um ajuste directo através da empresa
Bed Center, Limitada, Sociedade Industrial e
Comercial a que foi adjudicado por ajuste directo
Nº 06/OE-ARRENDAMENTOARMAZEM/017,
de Abril de 2017, um negócio de 600.000 USD
(Seiscentos mil Dólares norte-americanos
(25.000,00 USD por mês durante dois anos de
arrendamento de armazém para medicamentos
e artigos médicos).
O proponente do negócio, que optou pelo regime
excepcional – a regra é o concurso público – é
mais uma vez o Director Nacional da Central de
Medicamentos e Artigos Médicos, António Amade
Amisse Assane. A modalidade de adjudicação foi
autorizada por despacho da Ministra da Saúde,
Nazira Abdula.
São accionistas da Bed Center, Limitada, Hussein
Basma, Mohamed Hassan Basma, Mohamed
Joseph Basma e Mohamad Basma, conforme
consta do Boletim da República (BR) nº 7, III Série,
Supl., de 16 de Fevereiro de 2012.
Afri Farmácia, Limitada
Em Março de 2017, o Ministério da Saúde
adjudicou à empresa Afri Farmácia, Limitada o
fornecimento de medicamentos via clássica,
Empresa Valor (MZN) Valor (USD)
MedTech 32.008,50
Bed Center 600.000,00
Afri Farmacia 18.950.546,62
Afri Farmacia 27.335.100,00
Afri Farmacia 210.540,00
ACE Healthcare 10.979.853,55
Hospitec 23.058.305,14
Hospitec 22.184.397,23
THL 20.801.230,59
Cyberonic Construction
Lda
46.997.450,00
Total 170.228.883, 01 842.548.50
no valor de 18.950.546,62 Mt, através do ajuste
directo Nº 05/OE-MED/AJD016-Afri Farmácia, de
10 de Março de 2017.
Conforme o Boletim da República Nº 24, III
Série, de 21 de Março de 2014, são sócios da
Afri Farmácia Chiracal Raman Nair Nandakumar,
George Dominic Kurusimmoottil e RESOURCES 4
AFRICA INC.
António Amade Amisse Assane, o Director
Nacional da Central de Medicamentos e Artigos
Médicos, foi o proponente da adjudicação. A
mesma foi autorizada pela Ministra da Saúde,
Nazira Abdula.
No dia 28 de Julho de 2017, a Central de
Medicamentos e Artigos Médicos (CMAM), através
do seu Director António Assane, de acordo
com a Informação/Proposta nº 321/03222-2017,
solicitou que fosse efectuado o pagamento pelo
fornecimento de medicamentos da via clássica
ao fornecedor Afri Farmácia, Limitada ao qual
se tinha adjudicado o contrato por via do ajuste
directo Nº 16/OE-MED/015-Afri Farmácia, no valor
de 27.335.100,00 Meticais, conforme a Factura
93893.
No dia 21 de Agosto de 2017 a Afri Farmácia,
Limitada beneficiou-se de outro ajuste directo no
valor de 210.540,00 Dólares americanos, com o
número 2739/043.3/2017.
Portanto, até à data esta empresa beneficiou de
3 ajustes directos por parte do MISAU, tendo-lhe
sido adjudicados mais de 46 milhões de Meticais
e 210,5 mil Dólares americanos.
ACE Healthcare
A 30 de Agosto de 2017, à ACE Healthcare foi
adjudicado, em ajuste directo nº 05/OE-MED/
AJD/015-ACE Healthcare, um contrato no valor
de 10.979.853,55 (Dez milhões, novecentos e
setenta e nove mil, oitocentos e cinquenta e três
Meticais e cinquenta e cinco centavos).
O contrato destina-se ao fornecimento de
medicamentos via clássica. Foi proposto por
António Amade Amisse Assane, Director Nacional
da Central de Medicamentos e Artigos Médicos,
com despacho de autorização da Ministra da
Saúde.
São sócios desta empresa Anupam Talukdar,
Dineshali Pyarali Hemnani e Vijaykumar
Sureshkumar Javiya, conforme registos constantes
do BR nº 14, III Série, de 4 de Fevereiro de 2016.
Hospitec, Limitada
A Central de Medicamentos e Artigos Médicos
(CMAM), através da Informação/Proposta nº
311/032.22/2017, no dia 28 de Julho de 2017 solicitou
o pedido de pagamento pelo fornecimento de
Reagentes e Consumíveis – Ajuste Directo nº 02/
OE-REAG/AJD016-Hospitec – um negócio de
adjudicação orçado em 23.058.305,14 Meticais
para o fornecimento de reagentes e consumíveis.
Foi proponente do negócio António Amade
Amisse Assane, Director Nacional da Central
de Medicamentos e Artigos Médicos, com
autorização da Ministra da Saúde, Nazira Abdula.
São sócios da Hospitec João Ramos Perino e
João Pedro Fernandes Perino, conforme o BR nº
13, III Série, de 29 de Março de 2006.
A mesma empresa, a Hospitec Limitada, no dia
17 de Agosto de 2017 voltou a beneficiar de um
ajuste directo no valor de 22.184.397,23 Meticais.
Tecnologia Hospitalar e
Laboratorial Moçambique,
Limitada (THL)
Igualmente a esta empresa da família Perino (que
tem os mesmos accionistas da Hospitec, João
Ramos Perino e João Pedro Fernandes Perino) e
conforme o BR nº 42, III Série, de 16 de Outubro
de 2002, foi adjudicado em Julho de 2017, por
ajuste directo nº 02/OE-REAG/AJD016-THL, de 24
de Julho de 2017, outro negócio de fornecimento
de Reagentes e Consumíveis, no valor de
20.801.230,59Mt. O proponente foi o mesmo,
António Amade Amisse Assane, Director Nacional
da Central de Medicamentos e Artigos Médicos, e
com a autorização da Ministra da Saúde.
4
Portanto, deste o início do ano a esta parte, à
família Perino foram adjudicados, por via da
modalidade de ajuste directo, mais de 60 milhões
de Meticais pelo MISAU.
Cyberonic Construction,
Limitada
A esta empresa foi adjudicado, por ajuste directo,
um contrato no valor de 46.997.450,90 Meticais,
destinado a obras de construção do Hospital
Distrital de Fíngoe, na província de Tete.
São sócios da empresa, conforme consta do BR
21, Série III, de 24 de Maio de 2006, Daniel Baloi e
He Jianping.
O ajuste directo foi anunciado este ano, mas a
obra já tinha sido realizada há pelo menos dois
anos.
Esta empresa Cyberonic Construction, Limitada é
a mesma que realizou as obras de construção do
Hospital Provincial da Matola, cujo cumprimento
do contrato esteve sempre envolto em polémicas
devido ao excessivo número de adendas, fazendo
com que o preço final da obra fosse muito superior
ao valor previamente adjudicado entre a entidade
contratante (MISAU) e o empreiteiro.
Os casos aqui apresentados confirmam os
padrões acima identificados que se caracterizam
pela existência de fornecedores privilegiados do
MISAU cujas empresas ganham adjudicações
directamente sem que seja necessário o
lançamento de concursos públicos. Estes
fornecedores, em conluio com o topo da
hierarquia do MISAU, alternam as adjudicações a
diferentes empresas que, entretanto, pertencem
aos mesmos beneficiários.
Um outro aspecto não menos relevante reside
no facto de a aplicação da modalidade de Ajuste
Directo ocorrer sempre que os fundos para
aquisição são provenientes do Orçamento do
Estado. Isso demonstra, de certa forma, a facilidade
com que os procedimentos administrativos são
atropelados quando os fundos são do Orçamento
do Estado.
Um exemplo elucidativo desse facto ocorreu
aquando da adjudicação por via da modalidade
de ajuste directo da contratação do fornecimento
de luvas cirúrgicas para o Sistema Nacional de
Saúde (Ajuste Directo nº 05/CDC-MMC/AJD/017).
Esta adjudicação foi autorizada no dia 20 de
Fevereiro de 2017, tendo sido instaurados os
procedimentos na modalidade de ajuste directo
para a contratação de fornecimento de luvas
cirúrgicas, de diversos tamanhos e quantidades,
no que resultou a celebração do contrato nº 58A
00125/AD/01MMC/05/17/2017, entre o MISAU e
a Quayle Dental, no valor de 308.780,93 Dólares
americanos, cuja despesa seria suportada pelo
fundo do CDC.
No dia 22 de Agosto de 2017 a Direcção Nacional
de Assistência Médica (DNAM) enviou o ofício
N/Refª2724/032.22/DNAM/2017 cujo assunto
era devolução do contrato de pagamento de
fornecimento de luvas referente ao ajuste directo
nº 05/CDC-MMC/AJD/017-Quayle Dental.
No ofício em questão, a DNAM procede à
devolução para efeito de regularização de alguns
aspectos constantes do fornecimento de luvas
cirúrgicas, mais concretamente das Facturas nº
5610/D, 5611/D, 5612/D, 5565/D, 5582/D/2017 e
Guias de Entrega nº 089, 108, 039, 045, 061/2017.
É que, após a orientação do doador (CDC –
Centre for Desease Control), em coordenação
com os técnicos da DNAM, se constatou que
havia discrepâncias entre as Guias de Recepção
do fornecedor (Dental Quayle) e as Guias de
Recepção das Direcções Provinciais de Saúde (DPS)
com os seguintes nº: 0000006652, 0000006686,
0000006701, 0000006474 e 0000006394.
Tendo em conta a constatação das irregularidades,
o doador exigiu a devolução do valor à proveniência
até que fosse regularizado o processo. E a DNAM
solicitava uma rápida intervenção por parte do
CMAM de modo a solucionar o assunto, que aliás
se vinha arrastando há muito tempo, sob o risco
de se perder o valor disponibilizado pelo doador.
Perante a pressão do doador para que as
irregularidades fossem sanadas, em vez de
esclarecer as zonas de penumbra na execução
do contrato procurando esclarecer a razão
das discrepâncias entre as Guias de Recepção
do fornecedor ao Armazém Central e as
5
Guias de Recepção das DPS, o CMAM emite
Informação/Proposta refª374/043.3/CMAM/17,
solicitando à Ministra da Saúde que autorizasse
a celebração de Apostila ao contrato 58A 00125/
AD/01MMC/05/17/2017 e a mudança da fonte
de financiamento do CDC para o Orçamento
do Estado, alegando que, após a recepção dos
bens e submissão das facturas de pagamento, as
condições de pagamento exigidas pelo CDC, o
financiador do projecto, contrariavam os termos
do contrato. O CMAM alegava ainda que as Guias
de Recepção no Armazém Central e as Guias
de Remessa enviadas às diferentes Direcções
Provinciais de Saúde, que o CDC queria ver
sem discrepâncias, podiam ser feitas a posterior.
Para o CMAM, a exigência do CDC podia ser
entendida como sendo indisponibilidade de
pagamento, visto que os termos do contrato
com o fornecedor indicavam o Armazém Central
de Medicamentos do Zimpeto como o local de
entrega das luvas, situação cumprida na íntegra
pela parte contratada.
Como se pode depreender dos ofícios trocados
entre o DNAM e o CMAM e depois entre o CMAM e
o Gabinete da Ministra, há uma clara manipulação
dos argumentos cujo fim era conseguir a alteração
do financiamento do CDC para o OE (Orçamento
do Estado).
No entanto, o que o CDC pretendia do CMAM era
somente que este procedesse ao esclarecimento
das disparidades existentes nas Guias de Entrega
e Recepção das luvas cirúrgicas.
Este é um dos vários exemplos a que o CIP
teve acesso e que demonstra as janelas de
oportunidade que existem para a manipulação
dos concursos públicos sempre que os mesmos
têm como financiador o Orçamento do Estado.
Concluindo
O uso abusivo e recorrente dos ajustes directos ao
longo dos primeiros meses do ano 2017, por parte
do MISAU, pode ser sintoma de um fraco sistema
de planificação e gestão de stocks, que obriga a
que sejam realizadas constantemente compras
de emergência, ou pode ser um claro indicador
de existência de conluio entre determinados
fornecedores do MISAU e os funcionários séniores
deste ministério.
6
Parceiros:
Rua Fernão Melo e Castro,
Bairro da Sommerchild, nº 124
Tel: (+258) 21 499916 | Fax: (+258) 21 499917
Cel: (+258) 82 3016391
@CIP.Mozambique @CIPMoz
www.cipmoz.org | Maputo - Moçambique
CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA
Anticorrupção - Transparência - Integridade
InformaÇão editorial
Director: Adriano Nuvunga
Equipa técnica: Anastácio Bibiane, Baltazar Fael,
Borges Nhamire, Celeste Filipe, Edson Cortez,
Egídio Rego, Fátima Mimbire, Inocência Mapisse,
Jorge Matine, Stélio Bila
Propriedade: Centro de Integridade Pública
Maquetização: Liliana Mangove
Sem comentários:
Enviar um comentário
MTQ