Ministério dos Transportes e Comunicações pode ser culpado por muitos acidentes que matam e mutilam nas estradas
Simplesmente
foi cumprido o estabelecido no Regulamento de Inspecções Periódicas
Obrigatórias aos Veículos Automóveis e Reboques, aprovado pelo Diploma
Ministerial do Ministério dos Transportes e Comunicações, que
curiosamente pune severamente a falta de triângulo e colete reflectores,
mas tolera um grave problema mecânico no sistema de travões.
Vamos por partes.
Com
exclusividade, tivemos acesso ao relatório da inspecção realizada no
dia 12 de Julho de 2017, no Centro de Inspecção da Controlgold, na
cidade de Maputo, ao veículo da marca Zhongtong, matrícula ADD 763 MC – o
mesmo do acidente que matou 12 pessoas no distrito de Quissico,
província de Inhambane.
No
documento, reporta-se uma diferença no desempenho do sistema de
travões. De acordo com os dados, a roda frontal esquerda tinha um
desempenho de 19.85 kilo newton e a direita, 11.02 kilo newton. Ou seja,
a diferença era de 44%, o que na mecânica é considerado grave.
Para
melhor percepção dos números apresentados acima, ouvimos o instrutor de
condução Armindo Luís Júnior, que foi mais esclarecedor: “durante uma
travagem, pelo valor que está na ficha de inspecção, o veículo vai
guinar da direita para a esquerda, porque no índice de travagem, o valor
é maior do lado esquerdo do que do lado direito. Mesmo que o condutor
tente segurar o veículo com o volante, é impossível, porque o veículo
vai tender a fugir para o lado em que a roda está a prender. No mesmo
eixo (no caso nas duas rodas frontais), tem que ser a mesma quantidade
de pressão que é exercida. Se o valor é superior de um lado, acima dos
20 ou 25%, automaticamente ele entra em desequilíbrio”.
É
exactamente o que aconteceu com o autocarro do acidente em análise. O
autocarro desequilibrou-se e caiu do lado esquerdo. Coincidência ou não é
o lado da roda que melhor travava.
Voltando
ao relatório da inspecção, encontramos a seguinte descrição, na parte
final: “Travão de serviço – diferença de travagem por eixo superior a
30%, eixo 1”. “Estado mecânico do travão de estacionamento – Bloqueio
insuficiente ou desgaste excessivo na alavanca”.
Mesmo
com essas anomalias, o veículo foi aprovado na inspecção. A razão para
isso está no seguinte detalhe: a margem de diferença de desempenho no
sistema de travões do mesmo eixo está abaixo de 70% do esforço exercido
na roda menos travada. Assim sendo, é classificado como sendo
Deficiência do Tipo I, à luz do Diploma Ministerial nº 81/2011, de 3 de
Março, aprovado pelo Ministério dos Transportes e Comunicações, relativo
às Inspecções Periódicas Obrigatórias aos Veículos Automóveis e
Reboques.
O que significa Deficiência do Tipo I?
O
Diploma Ministerial no 80/2011 diz, no Artigo 7: “Tipo I – deficiências
que não afectam gravemente as condições de funcionamento do veículo nem
directamente as suas condições de segurança, não implicando, por isso,
nova apresentação do veículo à inspecção para verificação da reparação
efectuada”.
Entretanto,
segundo o mesmo documento, “A falta do colete reflector, a ausência do
sinal de pré-sinalização de perigo e das marcas reflectivas, equipara-se
a deficiências do Tipo III”.
E
o que são deficiências do Tipo III? O mesmo artigo 7º esclarece que são
“Deficiências muito graves ou irregularidades que implicam a
paralisação do veículo ou permitem somente a sua deslocação até ao local
de reparação, devendo esta ser confirmada em posterior inspecção”. Ou
seja, um problema no sistema de travões é menos grave que a falta de
colete e triângulo reflectores.
Aliás,
o Diploma Ministerial nº 80/2011 veio alterar alguns artigos do diploma
anterior, nº 56/2003, de 28 de Maio, que curiosamente não aceitava uma
diferença no sistema de travões acima de 25%.
Para
o especialista em segurança rodoviária e instrutor de condução Cassamo
Lalá, isto é uma prova evidente de que o Governo não está preocupado em
reduzir os acidentes de viação nas estradas nacionais. “Fez-se um plano
estratégico para poder combater-se todos estes problemas da insegurança
rodoviária, mas esse plano estratégico foi arquivado nas gavetas, porque
não existe dotação orçamental para poder implementar-se. A própria lei
que regula o estado dos nossos pneus é uma lei caduca, porque diz que
basta que um pneu tenha no seu trilho um milímetro de profundidade em
três quartos da zona de rolamento do pneu, este pneu é considerado como
estando em condições. Ora, nós sabemos que, com um milímetro, é como se o
pneu estivesse careca por completo”.
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