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DIVULGAÇÃO SOCIEDADE
Maputo, Agosto de 2017 1 de 5
O CONTEXTO POLÍTICO E INSTITUCIONAL DAS DÍVIDAS OCULTAS:
PERSPECTIVAS SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO
Maputo | Agosto | 2017 Por José Jaime Macuane
Nº4 Este artigo tem como objetivo apresentar o quadro político e institucional por
detrás das dívidas ocultas e as perspectivas para a responsabilização. O foco são
as instituições de gestão de fi nanças públicas, assumindo-se que a compreensão
da sua dinâmica é importante para entender o contexto das dívidas ocultas. O
trabalho divide-se em três secções: a primeira e a segunda apresentam o contexto
político e institucional respectivamente, complementadas pela terceira secção
que se debruça sobre as refl exões gerais e implicações para a responsabilização.
Uma nota que se revela importante, principalmente tendo em conta que a
questão da dívida, como será adiante apresentado, também se transformou
num campo de disputa de signifi cados, é o sentido de responsabilização que
aqui será usado. Esta é aqui entendida como simplesmente o apuramento das
responsabilidades políticas e legais cabíveis em cada um dos contextos aqui
analisados e a aplicação das correspondentes e previstas sanções. No sentido
mais concreto, a responsabilidade política pode vir através do voto, punindo
ou recompensando quem a cidadania considera responsável por algo positivo
e negativo. Por sua vez, a responsabilidade institucional formal, se refere às
sanções defi nidas na lei, quando aplicadas à uma determinada violação desta. Os
elementos políticos e institucionais são adequados para se entender a questão
das dívidas ocultas porque é no contexto político que se defi ne a vontade dos
cidadãos e os processos legítimos de sua materialização; cabendo às instituições
materializá-la. É também ideia deste artigo que a refl exão sobre o contexto das
dívidas ocultas nestes termos deve ser capaz de identifi car e refl ectir sobre os
pontos críticos existentes e, com base nisso subsidiar a discussão sobre como é
que este problema pode ser pensado no futuro.
O Contexto Político
Dois aspectos serão aqui destacados: o processo histórico de construção do
Estado moçambicano e a dinâmica politica que o acompanha, tendo como pano
de fundo o contexto de democratização e do pós-guerra civil ou de 16 anos.
Historicamente, a base de criação do Estado moçambicano é a vitória da luta de
libertação nacional, que tornou a Frelimo no principal patrocinador político do
processo de construção do Estado e da nação. Consequentemente, os ideais da
luta de libertação informaram e enformaram a ideologia central da construção
do Estado. Em um certo momento histórico esta ideologia foi o marxismoleninismo,
formalmente de 1977 a 1989 (entre o III e V congressos da Frelimo),
que teve como consequência a confusão entre o Estado e o partido governante.
A guerra civil protagonizada pela Renamo e o Governo da Frelimo, contribuiu
para o questionamento desta ideologia do Estado e foi um dos factores, aliado
ao contexto internacional e a pressões e discussões dentro do regime do dia,
que levou à democratização e à adopção formal da separação do Estado e
do partido e abriu espaço para o multipartidarismo, cuja operacionalização
levou às primeiras eleições multipartidárias no país desde 1994. O processo
de pacifi cação culminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz em 1992 e
a integração da Renamo no jogo institucional. A Renamo foi integrada num
Estado cujos fundamentos ideológicos, mesmo que fossem formalmente
pluralistas, continuavam a ser refl exo do partido-estado construído no período
posterior à independência, mas desta vez legitimado também com o formalismo
democrático de realização de eleições regulares. Este projecto de Estado é
inacabado, uma vez que continuou sem sucesso a reivindicação do monopólio
do uso legítimo da violência, constantemente desafi ado pela existência de uma
Renamo ainda armada.
O segundo ponto, a dinâmica política da democracia multipartidária, abalou
a reivindicação da infl uência exclusiva do Estado pela Frelimo. As eleições
revelaram-se parcialmente disfuncionais à manutenção hegemónica do poder
da Frelimo, porque pelo menos entre 1994 e 1999 mostraram que a Frelimo
poderia perder o poder. A quase-derrota de 1999 levou o acender do alarme e a
pressão interna da Frelimo para saída do então Presidente Joaquim Chissano, que
foi substituído por Armando Guebuza como salvador do projecto hegemónico
da Frelimo. Eleito em 2002, Guebuza reforçou o partido enfraquecido na era
de Chissano. Já eleito Presidente da República, reivindicou com sucesso a
presidência da Frelimo, então detida por Chissano, com o argumento de que
historicamente o poder do Estado e da Frelimo estiveram concentrados numa
mesma fi gura para evitar a fragmentação e a potencial inefi cácia.
O poder dado ao Presidente Guebuza como salvador do “quase fracasso
eleitoral” de 1999 e posteriormente as suas vitórias altamente expressivas
de 2004 e 2009 reforçaram o seu poder e a sua liderança dentro do partido
Frelimo e do Estado, o que lhe conferiu uma base sólida para imprimir a sua
visão pessoal na transformação de ambos. Nesse âmbito se assiste à uma
tentativa de fortalecimento do Estado e do partido, com este a controlar
aquele e sob a liderança do Presidente Guebuza. No que concerne ao partido,
este processo fi cou consolidado no X Congresso realizado em 2012, em que se
estatuiu a obrigação dos membros do Estado de prestarem contas aos órgãos
da Frelimo, no âmbito do artigo 76 dos Estatutos então aprovados, e o sucesso
de Guebuza em eleger seus apoiantes para os órgãos decisores do partido; a
Comissão Política e o Comité Central. Relativamente ao Estado, três eixos podem
ser destacados: as reformas do sector público, o reforço da liderança sobre o
Estado e a reivindicação do monopólio do uso legítimo da violência pelo
Estado, já referido. Neste contexto, muitas das reformas institucionais iniciadas
na governação anterior foram continuadas, com destaque para as reformas da
gestão das fi nanças públicas, que serão apresentadas em mais detalhe adiante.
Por outro lado, as presidências abertas e inclusivas, que muitas vezes revertiam
as decisões tomadas pelos órgãos do Estado no que concerne aos planos e
orçamentos aprovados, criando matrizes paralelas nas instituições e governos
locais visitados, imprimiram uma marca pessoal ao funcionamento da máquina
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O CONTEXTO POLÍTICO E INSTITUCIONAL DAS DÍVIDAS OCULTAS:
PERSPECTIVAS SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO
estatal e reforçaram o poder do Presidente Guebuza sobre esta. Paralelamente,
o discurso sobre o desarmamento da Renamo, que havia adormecido durante
a governação do Presidente Chissano retornou, mas acompanhado também
de crescentes desavenças com este partido quanto ao afastamento dos seus
antigos guerrilheiros do exército. O impasse na discussão do pacote eleitoral com
a Renamo e a crise político-militar que se seguiram entre 2012 e 2013 deram as
oportunidades necessárias para a efectivação do projecto de pôr fim à existência
de uma força armada fora do Estado, com o desarmamento ou esperada derrota
militar da Renamo. Este contexto de conflito também reforçou a importância do
aparelho de defesa e segurança na estratégia de fortalecimento do Estado.
A estratégia de liderança do Presidente Guebuza sofreria abalos com três
elementos: (i) o fracasso da solução militar e a assinatura do acordo de cessação
das hostilidades de 5 de Setembro de 2014 com a Renamo, que permitiu a
este participar nas eleições gerais do mesmo ano; (ii) a eleição de Filipe Nyusi
como candidato da Frelimo, depois de uma disputada eleição interna em que
a tentativa de Guebuza de controlar o processo de sua sucessão foi desafiada
por parte dos membros da Frelimo e se abriu espaço para mais candidatos, o
que também acirrou os conflitos internos e o questionamento da sua liderança;
(iii) crescimento eleitoral da Renamo e do seu líder nas eleições de 2014, em
comparação com as de 2004 e 2009, mesmo tendo perdido as eleições de 2014
para a Frelimo e seu candidato Filipe Nyusi, o que revelou que aquela força ainda
era politicamente relevante no contexto político moçambicano.
Este desenvolvimento de acontecimentos viria a resultar na renúncia de
Guebuza à presidência do partido em março de 2015, mas nem por isso a sua
base de apoio no partido foi totalmente desmontada, uma vez que a Comissão
Política do partido Frelimo e o Comité Central ainda reflectem a representação
do X Congresso da Frelimo. A mudança na configuração de forças espera-se que
se efective no XI Congresso da Frelimo, em setembro de 2017.
A aura salvacionista da liderança do Presidente Guebuza o conferiu mandato
para reforçar o partido e o Estado, mas a sua tendência centralizadora acabou
sendo também excludente e fragmentadora dentro e fora da Frelimo. Nesta, isso
se reflectiu no crescer das críticas duras à governação de Guebuza pelos seus
correligionários. Na sociedade como um todo, além da polarização do debate
público e a criação de um grupo de 40 analistas para defender o governo, o G40,
o ponto mais alto foi o reacender do conflito com a Renamo, já acima referido.
Este contexto criou um ambiente propício para os projectos militaristas que
foram financiados pelas dívidas. Há teses, como a exposta pelo jornal Canal
de Moçambique (nr. 416 - 5 de julho de 2017), de que houve um grande
papel do aparelho securitário na engenharia dos projectos que levaram ao
endividamento e que o Presidente Guebuza teria sido apenas envolvido. Em
sede da Comissão Parlamentar de Inquérito, Guebuza diria que seria difícil
encontrar um envolvimento directo da sua parte nestes projectos, uma vez que
se tratava de aspectos operacionais da criação das empresas e que como chefe
do executivo só lhe cabia receber relatórios e informação dos responsáveis dos
pelouros e dar as devidas recomendações. A tese defendida pelos membros
do Governo era da defesa da soberania, no caso da Empresa Moçambicana de
Atum (EMATUM), a existência de 130 embarcações a pescarem Atum e em que
apenas uma era nacional, e nos casos da Mozambique Assets Management
(MAM) e do PROINDICUS a protecção da costa marítima, também tendo em
conta os crescentes projectos de investimento do gás. Isto foi apontado como a
razão principal para que o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE)
fosse o coordenador interinstitucional da operação, por envolver questões de
segurança, dentro do contexto de criação de um sistema de protecção da Zona
Económica Exclusiva, denominado SIMP (Sistema Integrado de Monitoria e
Protecção).1
A informação pública existente sugere que a arquitectura do endividamento
foi feita não só à margem do parlamento, sob a alegação de que por envolver
questões militares numa situação de conflito não faria sentido envolver um
órgão em que a Renamo participa, mas também ao próprio Governo, enquanto
que Conselho de Ministros e ao partido Frelimo. Alguns membros do Governo
foram envolvidos na sua condição individual de representação dos seus
pelouros, com destaque para o ex-Ministro das Finanças, que assumiu, conforme
depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito para Investigar a Situação da
Dívida Pública (CPI), que as competências que lhe foram atribuídas no âmbito do
Decreto 2/2010 de 19 de março, que cria o Ministério das Finanças, lhe conferiam
o poder de emitir garantias que extravasam os limites fixados na lei orçamental e
nas competências definidas na Constituição da República.2
Deste modo, pela natureza restrita da pequena coalizão envolvida nesta
operação das dívidas, pode-se inferir que este projecto se enquadrou na forma
personalista e excludente como o Presidente Guebuza exerceu o seu mandato
de líder do Estado e da Frelimo, depois lhe ter sido conferido pelo seu partido.
Quando as dívidas e seus contornos foram revelados, o contexto em que
elas foram tomadas, conforme acima descrito, influenciou a forma como as
mesmas foram discutidas e particularmente a questão da responsabilização.
Um elemento que importa ter em conta neste ponto é a polarização do debate
público, principalmente no último mandato do Presidente Guebuza, que se
caracterizou pela hostilização crescente e rotulação dos críticos ao governo,
1. Comissão Parlamentar de Inquérito para Investigar a Situação da Dívida Pública (2016). Relatório da Comissão
Parlamentar de Inquérito para Investigar a Situação da Dívida Pública. Maputo: Assembleia da República.
2. Idem.
com recurso a epítetos como “apóstolos de desgraça”, antipatriotas, delirantes e
outros adjectivos menos abonatórios. Também o debate se transformou numa
batalha discursiva em torno de significados, com chavões políticos repetidos
a todos os níveis, alguns deles divisivos, como a ideia sobre nacionalidade, na
mesma vertente rotuladora, com expressões como “moçambicanos da gema”,
sem uma definição clara de quem são os “outros moçambicanos”. O mesmo
tratamento teve também a ideia de patriotismo, que foi apropriada como sendo
sinónimo da defesa do Governo do dia e, consequentemente os críticos foram
rotulados de antipatriotas.
Este discurso sobre o patriotismo, nos seus elementos divisivos, não foi
completamente abandonado no contexto actual da governação do Presidente
Nyusi, embora não assumido oficialmente como discurso do governo do
dia. Neste âmbito, seria retomado aquando das reacções ao debate público e
tentativas de manifestação em relação à dívida pública, desde as manifestações
da sociedade civil que sofreram fortes intimidações, incluindo ameaças às
pessoas da sociedade civil pelas redes sociais e a exibição ostensiva do poderio
de repressão policial, que criou um clima de intimidação que eventualmente terá
contribuído para a baixa participação popular nas manifestações convocadas.
Também se promoveu uma extensa campanha de propaganda, alertando para
a existência de supostas agendas externas que moviam a sociedade civil e que
se estenderiam até a fase dos debates depois que foi apresentado o relatório
de auditoria independente às dívidas, o relatório Kroll. Em suma, o discurso
sobre o patriotismo, nos últimos anos, estruturou-se em torno da ideia de
uma sociedade dividida – tanto dentro da coalização mais ampla do partido
no governo, assim como desta em relação à sociedade como um todo – do
projecto político da liderança do dia, baseado em fundamentos ambíguos, e
muitas vezes antagonizando a prática de direitos consagrados na constituição,
como o da liberdade de expressão e de opinião. Esta antagonização também
se estendeu a vozes discordantes dentro do partido Frelimo, que foi explicitada
com um discurso do actual Presidente Filipe Nyusi aquando da Décima Reunião
Nacional de Quadros do partido Frelimo, em outubro de 2016, no qual dedicou
particular atenção à necessidade de se respeitar a disciplina e coesão partidária
como elementos fundamentais do fortalecimento desta força política.3
O discurso que se estruturou em justificação das dívidas ocultas – como
justificáveis face à ameaça da Renamo, para proteger os recursos naturais
dos estrangeiros (incluindo o gás e o atum), ou simplesmente em defesa da
soberania – que será importante no processo de responsabilização, com ou sem
mérito, deve ser enquadrado neste contexto de alta conflitualidade e disputas
pelos significados sobre o Estado, a nação a pátria e o interesse nacional. Em
outras palavras, no contexto político vigente, estes significados sobre se as
dívidas foram em prol do interesse nacional ou individual ou de grupo, serão
interpretados de acordo com a posição de cada um, num contexto de conflito e
competição, tanto dentro da coalizão governamental, entenda-se Frelimo, como
fora dela. Ou seja, há espaço para muita subjectividade.
Portanto, no que concerne ao contexto político, no momento actual combinamse
três factores que é importante ter em conta no processo de responsabilização:
(i) a supremacia do poder informal do partido Frelimo sobre o Estado, que
mesmo com as nuances do multipartidarismo ainda é forte; (ii) a ausência de
uma fundamentação ideológica ou de valores em defesa do Estado e que foi
substituída por um discurso panfletário, com ideias simplistas sobre o patriotismo
e interesse nacional; e (iii) o projecto de manutenção do status hegemónico da
Frelimo, que implica na continuidade da construção do Estado e principalmente
na sua vertente de reivindicação do monopólio legítimo da violência, assim
como na manutenção do seu status de um partido vencedor eleitoralmente, o
que implica numa maior sensibilidade para com a responsabilização perante os
cidadãos e maior abertura às suas reivindicações. Neste último ponto, também
se torna importante o jogo de poder inerente ao XI Congresso do partido
Frelimo, em que tanto pode ser a consolidação do presidente Nyusi como o seu
enfraquecimento. Neste jogo, a questão das dívidas ocultas ganha importância,
porque a responsabilização pode determinar a união ou a divisão da Frelimo e
isso tem implicações no potencial sucesso eleitoral nos próximos pleitos de 2018
(eleições municipais) e 2019 (eleições gerais).
A estes elementos, juntam-se os de ordem institucional, que serão apresentados
a seguir.
O Contexto Institucional
Começando pela década passada, o país vem introduzindo reformas em áreas
relevantes à compreensão do quadro institucional em que ocorreram as dívidas
ocultas e o quadro de responsabilização. As reformas produziram resultados
mistos sob o ponto de vista de desempenho institucional. Para uma melhor
sistematização propõe-se a subdivisão das instituições em dois tipos: (ii) de
funções executivas– referentes à gestão das finanças públicas; (ii) de funções de
responsabilização – que são aquelas voltadas ao controlo, prestação de contas
e responsabilização.
3. FRELIMO (2016). Reforçando a Disciplina Interna e Coesão Rumo à Novas Vitórias. Discurso do Camarada Presidente
da FRELIMO, Filipe Jacinto Nyusi, por ocasião da abertura da Décima Conferência Nacional de Quadros. Matola, 01
de outubro de 2016.
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O CONTEXTO POLÍTICO E INSTITUCIONAL DAS DÍVIDAS OCULTAS:
PERSPECTIVAS SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO
Descrição do Indicador 2006 2010 2015
BUDGET CYCLE
C (ii) Previsão e Controlo da Execução Orçamental
PI-13 Transparência das obrigações fiscais e
responsabilidades dos contribuintes B+ A A
PI-14 Eficácia das medidas de registo de
contribuintes e avaliação tributária BA B
PI-15 Eficácia na cobrança de impostos D+ C+ D+
PI-16 Previsibilidade da disponibilidade de fundos
para compromissos de despesas C+ C+ C+
PI-17 Registo e gestão dos balanços de caixa,
dívidas e garantias AA A
PI-18 Eficácia do controlo da folha de salários B B B
PI-19 Competição, value-for-money e controlo no
processo de procurement B B D+
PI-20 Eficácia dos controlos internos para despesas
não salariais B B+ C+
PI-21 Eficácia da auditoria interna B C+ B+
C (iii) Contabilidade, Registo e Reporte
PI-22 Pontualidade e regularidade na reconciliação
de contas BB B
PI-23 Disponibilidade de informação de recursos
recebidos pelas unidades de prestação de serviços DD D
PI-24 Qualidade e pontualidade dos relatórios
orçamentais durante o ano C+ C+ B
PI-25 Qualidade e pontualidade dos relatórios
financeiros anuais C+ C+ B+
C (iv) Controlo Auditoria Externos
PI-26 Âmbito, natureza e acompanhamento da
auditoria externa D+ C+ C+
PI-27 Exame parlamentar da lei orçamental anual B+ C+ C+
PI-28 Exame parlamentar dos relatórios de auditoria
externa C+ C+ C+
Progresso significante
Estagnação
ou fraco
progresso
Regressão/estagnação em
um ponto crítico
Fonte: Relatórios PEFA 2008 e 2015
Moçambique tem uma forte tradição de predomínio do poder executivo sobre
os outros poderes, o que aliado à supremacia do poder presidencial no processo
decisório, assim como a disciplina partidária da maioria legislativa, controlada
pelo partido Frelimo, reforça o domínio das instituições de funções executivas.
Conforme será apresentado nesta secção, apesar de as reformas da gestão das
finanças públicas envolverem o fortalecimento dos três poderes que participam
no processo orçamental, as instituições de funções executivas têm tido maior
desempenho do que as de funções de responsabilização. Isto também tem a
ver com a desproporcionalidade dos recursos alocados a cada uma dessas
instituições, assim como a vontade política subjacente ao seu fortalecimento.
O impacto dessas reformas e do desempenho na área de finanças públicas e
responsabilização tem sido avaliado regularmente de forma conjunta pelo
Governo e seus parceiros internacionais. Um destes instrumentos é o Public
Expenditure and Financial Accountabilty (PEFA), que mede o desempenho
olhando para os três poderes envolvidas no processo orçamental, nomeadamente
o Parlamento, o Executivo e a função de controlo externo (exercida pelo Tribunal
Administrativo) e os doadores. O relatório produzido neste processo é conhecido
como de Avaliação do Desempenho da Gestão de Finanças Públicas (GFP). Até
agora já foram realizadas no país três avaliações de GFP usando a metodologia
PEFA, referentes aos anos 2006, 2010 e a mais recente é de 2015. Por ser um
instrumento compreensivo, que abarca a análise de múltiplas instituições, o
PEFA dá uma visão mais completa do desempenho nesta área.
O quadro abaixo resume o desempenho nas áreas de gestão de finanças públicas
em alguns indicadores selecionados, nomeadamente: previsão e controlo da
execução orçamental, contabilidade, registo e reporte, controlo e auditoria
externos, referentes ao ciclo orçamental.
Quadro: Indicadores Seleccionados de Desempenho da Gestão de Finanças Públicas
A avaliação da GFP mostra que no geral houve melhorias nas áreas relacionadas
à gestão, embora algumas áreas críticas tenham piorado ou permanecido com
baixo desempenho de 2010 a 2015, dentre as quais a efectividade no registo
de contribuintes e recolha de impostos. As funções de controlo no geral têm
desempenho mais fraco e em alguns casos pioraram nos últimos cinco anos
do período analisado, depois de terem tido melhorias, como o controlo nas
aquisições e nas despesas não salariais, controlo do procurement e das despesas
não salariais. O controlo externo é o único caso de melhorias globalmente, o
que sugere que segue uma tendência ligeiramente diferente. Mesmo assim,
melhorou do período de 2006 a 2010, mas de lá para 2015 se manteve estagnado
nos indicadores avaliados. Um ponto a destacar nas melhorias é o aumento das
auditorias do Tribunal Administrativo que atingiram o pico de 450 entidades em
2012 e 2013, tendo baixado para 188 entidades em 2016. Em termos de cobertura
orçamental, o pico foi em 2015, como 44% de cobertura do OE, tendo baixado
para 42,56 em 20164
. Por sua vez, a fiscalização orçamental pelo legislativo
piorou relativamente a 2006 e o escrutínio legislativo dos relatórios de auditorias
externas, o que seria o acompanhamento das auditorias do TA, manteve-se estável,
mas com baixa pontuação. O principal instrumento de prestação de contas na
execução orçamental, a Conta Geral do Estado (CGE) só a partir do reporte de
2014, após a descoberta das dívidas ocultas, é que passou a incluir as garantias
e avales passados pelo Estado. Até este ano, ainda havia casos de bilhetes de
Tesouro passados sem cobertura legal. Um outro ponto crítico sob o ponto de
vista de controlo e fiscalização é a discricionariedade que o Governo tem de fazer
alterações ao orçamento no processo de sua execução, devendo apenas solicitar
autorização legislativa quando os valores totais dos tectos mudam. Ademais,
persistiam problemas no registo do Património do Estado, por exemplo, o
parecer do TA à CGE de 2014 alerta para a existência de instituições públicas que
tinham inventariado apenas 28% do valor de compra dos bens inventariáveis5
.
A fraqueza no controlo também se nota relativamente à gestão do sector
empresarial do Estado. Em 2012 entrou em vigor a nova lei das empresas
públicas (EP), a lei 6/2012 de 8 de fevereiro, que dentre outras coisas introduz
a obrigatoriedade de estas entidades submeterem relatórios financeiros e
de auditoria ao Ministério de Economia e Finanças (MEF), de publicação dos
relatórios de desempenho e de auditoria na internet e também a sujeição
às auditorias externas do Tribunal Administrativo. No entanto, a prática é
que a informação do sector empresarial do Estado não é enviada regular e
atempadamente ao MEF e a Conta Geral do Estado (CGE) apenas apresenta
informação resumida sobre estas entidades e instituições autónomas. Ainda
neste âmbito, o Tribunal Administrativo no seu relatório de atividades de 2016,
ainda não se refere as auditorias às EPs, o que pode sugerir que até ao fim do ano
passado ainda não haviam iniciado. Segundo o Relatório de Transparência Fiscal
do FMI de 2014, estas entidades também estão associadas aos desafios na gestão
do risco fiscal pelo Estado, cujas causas incluem ainda a emissão de garantias do
Estado sobre dívidas externas contraídas por EPs; e participações do Estado em
empresas privadas (geridas através do Instituto de Gestão de Participações do
Estado, o IGEPE), como é o caso das empresas envolvidas nas dívidas ocultas6
.
Moçambique é ainda um país vulnerável à transações financeiras
ilícitas, com um ambiente favorável para a não responsabilização. De
acordo com um relatório da Global Financial Integrity, a adulteração
de facturas comerciais entre 2002 e 2011 levou à perda média de
receitas equivalentes a 10,4% das receitas totais do governo7
.
Mais ainda, um outro estudo afirma que no período de 2004 a 2013,
os fluxos financeiros ilícitos atingiram um valor cumulativo de 2,42
mil milhões de USD e as saídas comerciais cumulativas de facturação
adulterada no mesmo período chegaram a 2,33 mil milhões de USD8
.
Moçambique tem uma entidade nacional responsável por investigar os
fluxos financeiros ilícitos, denominada Gabinete de Informação Financeira de
Moçambique (GIFIM). No entanto, um dos obstáculos que esta entidade enfrenta
é a fraca capacidade técnica das entidades que devem dar seguimento ao seu
trabalho de investigação para desencadear a subsequente acção penal. A fraca
colaboração entre as instituições, um ponto que muitas vezes foi apontado no
Relatório Anual da PGR, tem sido uma barreira para a responsabilização jurídica.
Apesar das reformas no sector de justiça e a sua interface com
a áreas das finanças públicas (que de princípio melhorou a sua
capacidade de detectar ilícitos), a responsabilização jurídica – com
destaque para o combate à corrupção, abuso de cargo ou função9
– ainda enfrenta desafios.
Na presidência de Guebuza foram levados à barra de tribunal dois ministros
acusados de envolvimento em abuso de cargo e função e corrupção. O primeiro
caso foi de Almerino Manhenje, Ministro do Interior do Governo do Presidente
Joaquim Chissano que expressou publicamente a sua discordância sobre a prisão
do seu ex-subordinado e posteriormente a imprensa local chegou a noticiar
a realização de um encontro entre os dois líderes para desanuviar o ambiente
tenso que se criou, dentre outras coisas, com a prisão deste ministro. O segundo
foi o ministro dos Transportes e Comunicações do próprio Presidente Guebuza,
António Munguambe. Mais recentemente, foi levado à barra do Tribunal o exministro
da Justiça no Governo de Filipe Nyusi, Abdurremane Lino de Almeida.
A condenação do primeiro e do último tiveram a particularidade de serem
num contexto de transição de uma liderança para outra. Coincidência ou não,
o combate à corrupção foi parte dos discursos políticos no início de mandato,
4. Tribunal Administrativo (2017). Relatório Anual de Progresso e Financeiro 2016. Maputo: Tribunal Administrativo
5. Tribunal Administrativo (2015). Parecer Sobre a Conta Geral do Estado de 2014. Maputo: Tribunal Administrativo
6. AECOM/CESO (2016). Avaliação do Desempenho da Gestão de Finanças Públicas 2015: Moçambique. PEFA
Secretariat; International Monetary Fund (2015). Republic of Mozambique: Fiscal Transparency Evaluation. IMF
Country Report No. 15/32. Washington: International Monetary Fund.
7. Baker, R., Clough, C., Kar, D., Leblanc, B., & Simmons, J. (2014, May). Hiding in Plain Sight. Trade Misinvoicing
and the Impact of Revenue Loss in Ghana, Kenya, Mozambique, Tanzania, and Uganda: 2002-2011. Retrieved from
Global Financial Integrity: http://iff.gfintegrity.org/hiding/Hiding_In_Plain_Sight_Report-Final.pdf;
8. Kar, D., & Spanjers, J. (2015, December). Illicit Financial Flows from Developing
Countries: 2004-2013. Global Financial Integrity. Retrieved from Global Financial Integrity: http://www.gfintegrity.
org/report/illicit-financial-flows-from-developing-countries-2004-2013/.
9. Aqui usa-se estas ilicitudes e crimes como referências para a análise, em linha com o texto desta série da autoria
de Gilberto Correia, sobre eventuais responsabilidades jurídicas neste caso. Vide Correia, G. (2017). Um Breve Olhar
Sobre as Eventuais Responsabilidades Jurídicas no Caso das Dividas Ocultas. Fórum de Monitoria do Orçamento,
Publicado no jornal Savana do dia 11 de agosto de 2017.
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O CONTEXTO POLÍTICO E INSTITUCIONAL DAS DÍVIDAS OCULTAS:
PERSPECTIVAS SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO
tanto de Guebuza como de Nyusi. No caso do primeiro, este ímpeto depois
amainou e o desempenho do país neste quesito foi piorando. Estes casos de
condenação não reflectem necessariamente uma tendência ou compromisso de
promoção de integridade pública ou responsabilização de altos funcionários do
Estado por erros ou violação da lei no exercício das suas funções. Os dados sobre
os crimes aplicáveis aos casos em pauta contidos nos Informes do ProcuradorGeral
da República à Assembleia da República nos períodos de 2011 a 2016
também não fornecem elementos conclusivos, uma vez que a informação é
classificada de diferentes maneiras de ano para ano, incluindo diferentes tipos
de crimes10, o que dificulta a análise de evolução do desempenho de ano para
ano. Um ponto a destacar é, no geral, o aumento de recursos orçamentais e
capacidade nas entidades responsáveis por deduzir a acusação nesses casos,
nomeadamente o Gabinete Central de Combate à Corrupção e os Gabinetes
Provinciais de Combate à Corrupção. Contudo, o volume de trabalho dos
procuradores afectos a essas entidades, em comparação com os outros, é
ainda muito baixo, mas nem por isso a sua produtividade pode ser considerada
maior, uma vez que muitos casos ainda transitam para os anos seguintes. Por
exemplo, no período entre 2010 e 2014, cada procurador afecto ao GCCC e
aos GPCs tinha em média 23 casos por ano sob a sua responsabilidade, contra
131 dos restantes procuradores. No mesmo período, em média, apenas 50%
dos casos tramitados chegaram à fase de acusação e 35% foram julgados11.
Estes números mostram que existe algum movimento em termos de
responsabilização dos crimes relacionados à integridade e responsabilidade
pública, mas não informam se a responsabilização recai sobre os funcionários
do Estado de todos os níveis, e particularmente se há uma tendência de
responsabilizar também aos funcionários dos níveis superiores. Neste quadro
inconclusivo, resta a impressão ou evidência anedótica, que sugere que
tendo em conta os níveis de corrupção existentes no país e potencialmente
situações de abuso de cargo ou função, não é realista se pressupor que a
responsabilização de três ministros seja por si indício do fortalecimento
da independência das instituições de justiça na responsabilização de altos
funcionários do Estado. Há uma percepção na sociedade de que o quadro ainda
não mudou positivamente. A título ilustrativo, a última ronda do Afrobarómetro,
uma pesquisa de opinião à escala nacional realizada em 2016, indica que 48%
dos moçambicanos consideram que a corrupção cresceu de 2014 a 2015. Por
outro lado, a mesma pesquisa aponta que de 2002 a 2015 a percentagem de
pessoas satisfeitas com a democracia reduziu de 54% para apenas 23%12.
Isso pode também sugerir que a insatisfação se estende às instituições
democráticas.
Os elementos descritos nesta secção mostram a existência de um quadro
institucional que, embora em formação e reforma, tem potencial e condições
para uma gestão consistente de finanças públicas e responsabilização. No
entanto, a dinâmica e as escolhas estratégicas dos actores que operam
dentro dessas instituições e no processo de responsabilização têm ditado um
desempenho misto, combinando progresso, estagnação e retrocesso. Para uma
melhor compreensão dessa dinâmica, é pertinente destacar alguns dos seus
aspectos.
O desempenho dos diferentes actores envolvidos na governação das finanças
públicas também foi diversificado, tendo havido mais progresso por parte das
instituições como o Tribunal Administrativo e o Executivo na arrecadação e
criação de sistemas de gestão e controlo centralizado – mais precisamente o
SISTAFE, mas que ainda tem falhas no controlo em áreas críticas como o registo
do património, seguimento das recomendações do Tribunal Administrativo
à CGE e ausência de uma fiscalização parlamentar mais incisiva. A par disso o
crescente desencanto com a democracia por parte dos cidadãos pode contribuir
para o enfraquecimento dos processos e instituições de responsabilização no
geral. A mesma ambiguidade se manifesta nos processos de responsabilização
jurídica que, apesar de historicamente terem envolvido altas figuras do Estado
como ex-ministros, não mostram uma tendência clara em termos de reforço ou
enfraquecimento da eficácia das instituições relevantes.
A dinâmica institucional aqui descrita sugere que há tendência para se privilegiar
o desempenho na parte de gestão das finanças públicas e menos na área de
responsabilização, tanto dentro do quadro das finanças públicas como no quadro
mais amplo. Isso sugere dois elementos sobre a dinâmica institucional. Primeiro,
é preciso entender que, de certa forma, embora com finalidades diferentes,
houve uma confluência de interesses entre doadores e o Governo nas reformas
da GFP, que contribuíram para o seu sucesso. Por parte dos doadores, no âmbito
da agenda da efectividade da ajuda externa e alinhamento com os programas
nacionais e uso dos sistemas de gestão nacionais, o fortalecimento da gestão
de finanças públicas era um ponto central para a canalização de fundos pela via
do apoio directo ao orçamento. Daí que dentre as reformas institucionais bemsucedidas
no país destaca-se a introdução do Sistema de Administração Financeira
do Estado (SISTAFE) em 2002. Por sua vez, por parte do Governo a possibilidade
de gestão de fundos externos com menos condicionalismo e usando os sistemas
nacionais, era uma proposta atractiva para a adopção de sistemas robustos de
10. Os crimes agrupados sob a responsabilidade dos GCCC e GPC têm sido corrupção, desvio de fundos do Estado,
peculato, abuso de cargo ou função.
11. Informe Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República – anos 2011, 2012, 2013, 2014,
2015, 2016, 2017.
12. Isbell, T. (2017). Um Voto de Desconfiança? Os Moçambicanos Ainda Votam, Mas a Fé na Democracia Está a
Diminuir. Afrobarómetro, Boletim Nº 139, Abril de 2017; Isbell, T. (2017). Efficacy for fighting corruption: Evidence
from 36 African countries. Afrobarometer Policy Paper No. 41, July 2017.
gestão, que foi complementada com um maior empenho no reforço das receitas
internas, para a médio e longo prazo reduzir e até eliminar a dependência externa
e desta vez ter mais autonomia e menos interferência na sua Governação. Neste
âmbito, de referir a criação da Autoridade Tributária de Moçambique e a sua
capacitação, o que fez com que a arrecadação de receitas internas do Estado
passasse de 14.3% do PIB em 2005 para mais de 24% para os próximos dois anos13.
Estes incentivos contribuíram para um melhor desempenho na área tributária
e da gestão orçamental, por exemplo e menos nas áreas de controlo externo
(no que concerne ao seguimento e sancionamento das recomendações do TA)
e controlo da execução orçamental pelo Legislativo, estrategicamente menos
interessantes para o Executivo.
O segundo aspecto é que a lógica do desenho institucional do executivo
privilegia formas institucionais que reduzem a responsabilização. Tome-se
como exemplo o formato institucional das empresas criadas no âmbito das
dívidas ocultas, que são consideradas de direito privado, embora com garantias
do Estado e em certos casos com participação de entidades ligadas a este.
Este formato institucional tem implicações sob o ponto de vista de escrutínio
e responsabilização. Um exemplo disso foi a reação da EMATUM quando
solicitada informação pela bancada do MDM em julho de 2017, tendo a empresa
respondido que não tem o dever de prestar informações, por alegadamente
ser privada. Na mesma situação se encontra a sociedade Notícias, detentora do
principal jornal diário do país, que apesar de ter como seu maior acionista uma
entidade do Estado, o Banco de Moçambique, se define como empresa privada.
Dentre os depoimentos apresentados no Relatório da CPI das dívidas ocultas
também é referido que a criação de empresas pelo aparelho de segurança é uma
prática já existente no País.
Outro exemplo foi a reação que o executivo teve para contornar o problema da
emissão das garantias e avales acima dos limites definidos na lei orçamental.
A figura abaixo mostra como isso tem sido feito. De forma interessante, de
2011 a 2014 o valor das garantias e avales manteve-se constante, a MZN 183,5
milhões. Em 2015 baixou drasticamente para apenas MZN 17 milhões e em
2016 subiu de forma exponencial, cerca de 124 vezes da média de 2011 a 2014,
atingindo MZN 22.750 milhões. Em 2017 as garantias e avales continuaram a
crescer, tendo atingido MZN 40.600 milhões. Esta estabilidade do valor das
garantias e avales durou até 2014, exatamente até ao ano em que o Governo
não incluía as garantias e avales na Conta Geral do Estado. Esta situação e os
ajustes posteriores podem indiciar que os limites provavelmente não eram
respeitados e, no presente momento, sob pressão das dívidas ocultas, o governo
decidiu ser mais transparente e ajustou os limites ao valor real. No entanto,
duas questões ainda permanecem em aberto: em que medida estes limites são
consistentes com as medidas de ajuste fiscal necessárias neste momento e que
entidades estariam a beneficiar destas garantias. A segunda resposta pode ser
parcialmente respondida: as empresas públicas em situação financeira precária
e que já foram apontadas como fontes de riscos fiscais estão entre algumas das
beneficiárias, dentre as quais as Linhas Aéreas de Moçambique e a empresa
Aeroportos de Moçambique.14 Isto ocorre num quadro em que a prestação de
contas destas empresas, assim como o seu controlo externo pelo TA ainda não
são efectivos, pelo menos que seja público. Em suma, o executivo usou os seus
dispositivos institucionais, no caso os poderes legislativos orçamentais – de
propor orçamento e usar a sua bancada maioritária na Assembleia da República
para aprová-lo sem o devido escrutínio quanto ao impacto fiscal, para contornar
a responsabilização diante de um quadro de crescente endividamento público.
A escolha de diferentes formatos institucionais ou organizacionais para melhor
promover interesses políticos não é exclusividade de Moçambique. Pelo
contrário, é uma estratégia já documentada na literatura da economia política
das instituições e apontada como uma forma de os políticos poderem responder
aos seus interesses de forma mais flexível. Nesta óptica, as empresas públicas
podem ser formas de melhor promover interesses de soberania, corrigir falhas
de mercado, realizar investimentos de grande escala que não poderiam ser
13. Ministério de Economia e Finanças (2016). Cenário Fiscal de Médio Prazo 2017-2019. Maputo: Ministério de
Economia e Finanças; Ministério de Planificação e Desenvolvimento (2006). Cenário Fiscal de Médio Prazo 2007-
2009. Maputo: Ministério de Planificação e Desenvolvimento.
14. Vide Jornal Savana, 11 de agosto de 2017, página 8.
Fonte: Leis Orçamentais 2011-2017
Savana 18-08-2017 13 DIVULGAÇÃO SOCIEDADE
Maputo, Agosto de 2017 5 de 5
O CONTEXTO POLÍTICO E INSTITUCIONAL DAS DÍVIDAS OCULTAS:
PERSPECTIVAS SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO
Maputo, Agosto de 2017 5 de 5
feitos por empresas privadas, apesar de necessários, e também permitir o acesso
a recursos sem passar pelo escrutínio do legislativo.15 No caso vertente, em que
não se trate de empresas públicas mas sim de fi nalidade pública, com a aprovação
da Lei de Bases da Organização e Funcionamento da Administração Pública (Lei
7/2012 de 6 de fevereiro) e com a lei do Direito à Informação (Lei 34/2014, de
31 de Dezembro), que estendem a possibilidade de escrutínio público ou o
dever de prover informação às entidades de interesse público, este estratagema
tem, em tese, efi cácia limitada. No entanto, a coberto da crónica inefi ciência
das instituições, pode-se esperar que essa “ambiguidade institucional” possa
ser usada para difi cultar o processo de prestação de contas das empresas das
dívidas ocultas.
Perspectivas sobre a Responsabilização
O contexto político e as dinâmicas institucionais aqui descritas chamam a atenção
à necessidade de se ter em conta as dinâmicas e interesses políticos, assim como
as dinâmicas confi gurações institucionais que podem diluir a responsabilização.
No âmbito político é preciso refl ectir e questionar sobre o discurso do processo
de endividamento e seus signifi cados, colocando-os dentro do contexto onde
o mesmo ocorreu e ocorre. Ou seja, as ideias sobre defesa do interesse nacional
e soberania que justifi caram o endividamento foram defi nidas fora do quadro
institucional vigente e com bases em visões de grupos específi cos, num contexto
de um projecto específi co de construção do Estado e de competição política e pelo
poder dentro da Frelimo, assim como entre esta e outras forças políticas, dentre as
quais a Renamo. Consequentemente, essas ideias são sujeitas a questionamento,
pelo que o primeiro passo do processo de responsabilização deve ser a refl exão
e desconstrução do discurso sobre o mandato e responsabilidades dos autores
das dívidas. Em termos mais concretos, sob o ponto de vista político, é crucial
evitar que a discussão do processo de responsabilização possa ser capturado
pelas dinâmicas minimalistas de competição pelo poder dentro e fora do partido
no poder, que podem implicar na personalização ou encenação do processo de
responsabilização, sem implicações sob o ponto de vista de reparação dos danos
causados (no que ainda é possível recuperar), assim como reforço dos processos
de responsabilização em si para se evitar repetições dos mesmos erros no futuro.
Isso não quer dizer que a responsabilização, havendo matéria para tal, não deva
recair sobre pessoas concretas envolvidas no processo, mas que deva ser feita
de acordo com as responsabilidades objectivas e em que medida elas violaram
a lei, assim como numa perspectiva de reforço das instituições e do processo de
responsabilização.
15. Horn, M. (1995). The Political Economy of Public Administration: institutional choice in the public sector. New
York: Cambridge University Press.
No que concerne ao quadro institucional, é pertinente prestar atenção às dinâmicas
que historicamente têm se desenvolvido nas instituições, que privilegiam
o fortalecimento das funções do executivo ou de execução, em detrimento
das de controlo, fi scalização, prestação de contas e responsabilização. Isso é
refl exo da dominância do poder executivo sobre os outros órgãos no processo
decisório. Esse domínio deve ser entendido como decorrente das competências,
recursos e força política do Executivo e também da sua capacidade de defi nir
mecanismos e formas institucionais que limitam a sua responsabilização. Neste
âmbito, é preciso também se prestar atenção às escolhas institucionais feitas
pelo executivo para reforçar a falta de responsabilização ou diluir o papel das
instituições de controlo na sua responsabilização. As dívidas ocultas foram feitas
a partir de uma decisão política de contornar as instituições de responsabilização,
seja pelo “by-pass” feito ao parlamento e ao Conselho de Ministros, assim como
pelo formato institucional que as empresas tomaram, de empresas de direito
privado, que pode criar ambiguidades na exigência de prestação de contas,
como o caso de solicitação de informação da EMATUM mostra. Algumas vezes
essas ambiguidades podem decorrer da má interpretação da lei, como este
foi o caso vertente. Dentre os mecanismos institucionais que devem merecer
atenção para o reforço da responsabilização e fortalecimento do quadro de
gestão de fi nanças públicas recomenda-se: (i) o seguimento das recomendações
do Tribunal Administrativo à CGE; (ii) a monitoria da emissão das garantias e
avales e a verifi cação de que os seus limites são defi nidos dentro do quadro
fi scal, mais precisamente o cenário fi scal de médio prazo; (iii) a transformação
deste num documento vinculativo para ser um instrumento de promoção da
consolidação fi scal; (iv) a monitoria do desempenho e prestação de contas de
empresas públicas e participadas pelo Estado; e (v) defi nição dos mecanismos
de fi scalização e responsabilização às empresas benefi ciadoras das garantias e
avales do Estado, assim como a disponibilização da informação sobre as mesmas
a um público mais amplo.
Uma última nota sobre a responsabilização no quadro político-institucional
vigente. A responsabilização jurídica implica a articulação de várias instituições
no quadro da separação e interdependência dos poderes. No entanto, a história
recente do país mostra que as circunstâncias políticas são determinantes
para a responsabilização jurídica de altos funcionários do Estado. O domínio
do executivo no quadro institucional moçambicano, aliado ao domínio do
partido no poder sobre o Estado e a sobreposição da liderança deste com a
do partido, avoluma a importância do Presidente da República no processo
de responsabilização. No contexto da democracia eleitoral o Presidente da
República é ao mesmo tempo a única fi gura sujeita à uma responsabilidade
eleitoral directa, devido à sua eleição por voto directo. Isto sugere que, a ser a
responsabilização um issue importante para os eleitores, o Presidente se expõe
a um alto custo ou tem oportunidades de altos ganhos, dependendo de como
gerir este assunto.
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