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Escrito por Adérito Caldeira em 02 Junho 2017 |
A multinacional italiana ENI assinou nesta quinta-feira(01) com os seus parceiros CNPC, Kogas, Galp e o Estado moçambicano, representado pela Empresa Nacional de Hidrocarbonetos de Moçambique, o acordo final para o investimento de 4,6 biliões de dólares norte-americanos na construção, em 60 meses, de uma fábrica flutuante de gás natural liquefeito(FLNG no acrónimo em língua inglesa) na zona sul do campo Coral, na província de Cabo Delgado. Mas para a materialização deste projecto sem precedentes na África sub-sahariana, que no global irá investir 8 biliões de dólares, Moçambique teve de sacrificar os benefícios financeiros iniciais e as primeiras receitas que forem geradas já estão hipotecadas para pagar as dívidas da Proindicus, EMATUM e MAM. Paradoxalmente a cerimónia aconteceu na cidade de Maputo, da província onde os recursos serão explorados só veio a Governadora que nem sequer teve direito a palavra.
“Não foi nossa decisão, mas no futuro os eventos vão acontecer em Cabo Delgado, aliás nós trabalhamos em Cabo Delgado, é raro vir aqui” justificou Claudio Descalzi, o administrador delegado da petrolífera italiana que esclareceu que embora existam oportunidades de negócios indirectas para as pequenas e médias empresas locais existirão “muitas mais chances” quando a ENI iniciar a construção de outra fábrica de produção de gás em terra, no complexo denominado Mamba.
Todavia esse projecto ainda está em fase de viabilização e a sua decisão final de investimento não tem data para acontecer, mas é certo que não irá será tomada este ano nem em 2018.
Segundo Descalzi com este investimento de 4,8 biliões de dólares norte-americanos, financiados por 15 bancos(3 nacionais e 12 internacionais), ao qual se juntam o investimento de 3,2 biliões de dólares das empresas concessionárias para as restantes infra-estruturas necessárias, é direccionado apenas a exploração do campo Coral sul(no mesmo campo a empresa tem outra área de exploração mais a Norte), vai gerar em receitas tributária para o erário moçambicano 16 biliões de dólares norte-americanos, ao longo de 25 anos.
Governo cedeu a pressão das multinacionais e concedeu mais benefícios fiscais
Contudo estas receitas bilionárias não devem começar a entrar nos cofres do Estado em 2022, quando iniciar a produção e a exportação do gás. “Tivemos que decidir pela venda de quase toda produção a um único comprador, e numa dimensão relativamente mais reduzida sacrificamos os benefícios financeiros numa primeira fase, sacrificamos também numa primeira fase o abastecimento de gás ao mercado doméstico”, reconheceu o Presidente Filipe Nyusi no seu discurso.
Parte dos sacrifícios referidos pelo Chefe de Estado estão relacionados com a decisão de mudar, em benefício das multinacionais, a legislação sobre o Regime Específico de Tributação e Benefícios Fiscais das Operações Petrolíferas assim como o Regime Específico de Tributação e Benefícios Fiscais da Actividade Mineira.
O @Verdade apurou que especificamente o Executivo de Nyusi aceitou conceder um maior período de “estabilidade fiscal”, decisão tomada na reunião de Conselho de Ministros da passada terça-feira(30), que actualmente está estabelecido em “10 anos a contar da aprovação de um plano de desenvolvimento”.
Por outro lado, passada esta fase de benefícios fiscais para as multinacionais, as primeiras receitas tributárias que efectivamente forem cobradas o Governo de Filipe Nyusi já prometeu usa-las não para acabar com a fome e a pobreza dos moçambicanos mas para pagar as dívidas inconstitucionais e ilegais das empresas Proindicus, EMATUM e MAM que hoje estão estimadas em pouca mais de 2 biliões de dólares norte-americanos mas, com os calotes das empresas aos bancos, o valor deverá aumentar em consequência da acumulação de juros.
Moçambicanos irão ver muitos navios a passar mas pouco negócio terão no Coral Sul
“Este empreendimento marca o início da transformação em dinheiro deste recurso estratégico de que Moçambique dispõe, embora de forma não imediata, mas a rede para tal esta bem lançada", disse ainda o Presidente Nyusi no seu discurso.
Contudo desses biliões que serão gerados pouco ficará para os moçambicanos. Por exemplo, durante cerimónia, realizada na melhor unidade hoteleira da capital, foram assinados os contratos para a construção da fábrica flutuante de gás natural liquefeito, que vai extrair o gás natural de depósitos no mar, transforma-lo em líquido e exportá-lo em navios. Nenhuma das empresas contratadas é moçambicana.
Os moçambicanos certamente irão ver muitos navios a passar, como têm visto os gasodutos de Inhambane para África do Sul ou os comboios de Moatize para os portos, a economia voltará a crescer de forma pujante porém, recordando que o crescimento económico do passado recente não só não acabou com a pobreza como ainda gerou mais pobres.
Sendo certo que ilhas de desenvolvimento irão nascer em torno deste, e dos outros projectos, de exploração de gás na Bacia do Rovuma, a julgar pelas decisões políticas que estão a ser tomadas é muito provável que o dinheiro que gerado fique nas mãos da habitual elite política do partido Frelimo e pouco reste para o povo de Cabo Delgado.
Nenhum empresário de Cabo Delgado, ou representante, esteve no evento. A representar a província nortenha neste momento histórico esteve somente a Governadora Celmira da Silva, que entrou muda e saiu calada.
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