Uma reportagem num jornal russo denunciou aquilo que testemunhos e informações recolhidas por organizações de defesa dos direitos já indicavam: as autoridades tchetchenas estão a deter ilegalmente centenas de homens em toda a república. De que são culpados? Da sua orientação sexual.
Atraídos para emboscadas, presos ilegalmente pela polícia, torturados durante dias, quando não assassinados. Obrigados a denunciar amigos e conhecidos, chantageados pelas autoridades, ameaçados pelas próprias famílias. Há vários anos que associações de defesa dos direitos humanos, como a Human Rights Watch, ou a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA), vêm alertando para a violenta discriminação de que são alvo os gays tchetchenos. Aquilo que denuncia uma reportagem publicada recentemente no diário russo Nóvaya Gazeta mostra que discriminação é expressão insuficiente para descrever o que se passa na pequena república do Cáucaso, integrante da Federação Russa.
A União Europeia e o Departamento de Estado dos Estados Unidos exortaram a Rússia a investigar o caso. “É indispensável levar a cabo investigações eficazes e exaustivas sobre as informações de sequestros e assassinatos de homossexuais na república da Tchetchénia no Cáucaso”, defendeu em comunicado Federica Mogherini, alta representante para a política externa da União Europeia. A Rússia, cujo Governo se tem mostrado particularmente activo internamente na supressão dos direitos dos homossexuais, negou ter conhecimento de quaisquer perseguições.Segundo o artigo, está neste momento a ser levada a cabo uma verdadeira purga da comunidade gay da república, com a polícia a deter centenas de homens em centros prisionais onde são mantidos em condições desumanas e torturados para denunciar aqueles, entre os seus conhecidos, que tenham a mesma orientação sexual. Apesar de não haver confirmação do denunciado pelo Nóvaya Gazeta por parte de fontes independentes, a Human Rights Watch russa já confirmou que o relatado coincide com informações e testemunhos que a associação recolheu no terreno. Segundo o diário, há três mortes confirmadas, mas suspeita-se que o número possa ser muito superior, tendo em conta a impossibilidade de recolher dados, quer junto às autoridades, quer junto das vítimas de perseguição que evitam contactar entre si devido ao controlo apertado que o estado tchetcheno faz a todo o tipo de comunicações.
A reportagem do Nóvaya Gazeta foi elaborada com recurso a fontes internas das autoridades tchetchenas e ao depoimento de homens presos em várias cidades que, após a detenção pelas autoridades, conseguiram escapar da república. Na Tchetchénia, região de maioria muçulmana, extremamente conservadora e onde a homofobia é a norma, os gays vivem numa quase total invisibilidade. Além de lidar com a hostilidade das autoridades, têm muitas vezes contra si a própria família. Na Tchetchénia, ter um familiar homossexual é considerado pela maioria da população como uma desonra para toda a família e o chamado crime de honra surge como a forma de limpar o seu bom nome. Daí a maioria dos gays tchetchenos serem obrigados a viver vidas duplas, casados de forma tradicional e escondendo de toda a família a sua orientação sexual. Daí que as autoridades tchetchenas, república liderada por Ramzan Kadyrov, tenham negado qualquer tipo de perseguição. Para o regime, tal é, muito simplesmente, uma impossibilidade. “Não se pode deter e perseguir pessoas que, muito simplesmente, não existem na república”, declarou o porta-voz de Kadyrov à agência noticiosa Interfax, acrescentando que, “se houvesse pessoas assim na Tchetchénia, os órgãos responsáveis pelo cumprimento da lei não precisariam de fazer nada, porque os seus familiares iriam enviá-las para um sítio de onde não é possível regressar”.
Uma reportagem do Guardian publicada esta quinta-feira recolhe depoimentos de duas vítimas da perseguição em curso na Tchetchénia. Um dos homens que acederam falar sob anonimato com o jornal britânico conta como foi atraído para uma cilada por um amigo chantageado pela polícia. Quando chegou ao local onde combinara o encontro, esperavam-no seis pessoas, algumas em uniforme. Levado para um centro de detenção, passou dez dias a ser espancado e torturado pela polícia com choques eléctricos. Por vezes, eram levados à sua presença outros prisioneiros, que os guardas, anunciando-lhes que estavam na presença de um gay, incitavam a agredi-lo.
Outro detido entrevistado pelo Guardian conta como foi obrigado a fazer pagamentos regulares à polícia, que o chantageava com a ameaça de divulgar na Internet e junto da sua família a sua orientação sexual. Quando aquilo que está a ser descrito como uma perseguição em massa teve início, encontrava-se fora da Tchetchénia. Recebeu um telefonema da família, que estava acompanhada pela polícia tchetchena. Esta exigia-lhe que regressasse, caso contrário, manteriam refém um membro da sua família. Entre insultos, um dos familiares exigiu-lhe que regressasse imediatamente. Prometeu que o faria, mas não o fez. No dia seguinte, estava a caminho de Moscovo. “Não tenho a mínima dúvida que os meus próprios familiares planeavam matar-me. Era o convite para uma execução”, diz. Apesar de todo o historial de homofobia e da perspectiva de atravessar a vida reprimido, confessa aos repórteres que nunca imaginou ver-se nesta situação: “Só queria fazer a minha mãe feliz e orgulhosa. Estava preparado para me casar. Teria levado todos estes problemas comigo para a sepultura. Nunca imaginei nos meus piores pesadelos que estaria aqui em frente a um jornalista a dizer: ‘Sou tchetcheno e sou gay’”
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