quinta-feira, 27 de abril de 2017

Pensava que o noivo era um “homem normal”. Acabou na Síria, refém do Estado Islâmico


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Conheceram-se na Internet e casaram. Logo depois, ele disse que tinha uma surpresa: iam juntar-se ao EI. Quatro anos, três maridos e dois filhos depois, conseguiu fugir. Mas ainda não está a salvo.
CNN
Chama-se Islam Mitat, é marroquina e mãe de Abdullah, de quase dois anos, e de Maria, de apenas 10 meses. Foi encontrada por uma equipa de reportagem da CNN algures no nordeste da Síria, numa casa segura do YPG, a milícia curda que tem rechaçado os avanços do Estado Islâmico naquela zona do país, juntamente com outras mulheres e crianças. Apesar de a salvo, depois de quatro anos de terror e reclusão, continua presa, sem passaporte que lhe permita sair do país, nem ajuda das autoridades de Marrocos — a embaixada em Beirute não respondeu nem aos apelos do YPG nem aos da própria televisão norte-americana. “Não sei para onde irei, não sei porque a minha vida está destruída”, disse ao canal.
Depois, recapitulou a história de amor que começou no Muslima.com (o equivalente no mundo muçulmano ao Match.com); passou por Dubai, Afeganistão e Turquia; e acabou na Síria, numa série de casas para familiares de combatentes ligados ao Estado Islâmico.
Quando conheceu Ahmed Khalil, um afegão de Cabul a viver no Reino Unido, Islam Mitat ficou entusiasmada. Porque gostou dele e das conversas que mantiveram, via site de encontros, e, não nega, pelo facto de ele ter nacionalidade britânica — tinha o sonho de ser designer de moda e Khalil podia muito bem ser o seu bilhete dourado para fora de Oujda, cidade marroquina a apenas 15 km da fronteira com a Argélia.
Alguns meses após o primeiro clique, Khalil voou para Marrocos (acompanhado por uma mulher que, na altura, apresentou como irmã, mas que, sabe hoje Islam, não o seria), conheceu a família dela, pediu-lhes permissão para casarem — e apresentou extratos do banco, a atestar que era um bom partido e tinha intenções sérias. Casaram. “Ele era um homem normal”, defende-se ela, quatro anos mais tarde.
O facto de o marido lhe ter rapidamente exigido que trocasse as calças justas de ganga e as t-shirts por vestidos até aos pés não fez soar qualquer alarme de perigo na cabeça de Islam. O mês que passaram logo depois em Jalalabad, no Afeganistão, com a família dele, também não lhe pareceu fora do normal — tirando terem de regressar antes do previsto, porque a situação “não era segura”, correu tudo bem.
Começou a haver problemas quando, de passagem pelo Dubai, ele lhe disse que tinha arranjado emprego na Turquia e que ia levá-la numas férias pelo país. Problema: em vez de a levar para um resort à beira-mar na Antalya ou a visitar a Mesquita Azul ou a de Santa Sofia em Istambul, o marido instalou-a numa casa cheia de homens, mulheres e crianças (devidamente separados, eles para um lado, elas para o outro) na pouco turística Gaziantep, no sul da Turquia, junto à fronteira com a Síria.
Quando estávamos no Dubai ele disse-me: ‘Tenho uma surpresa para ti, mas só vou dar-ta na Turquia’. Era aquela a surpresa: íamos para a Síria“, contou agora Islam Mitat à CNN. Ainda tentou dizer-lhe que não ia: “És minha mulher e tens de me obedecer”, foi a resposta que recebeu.
Na Síria, ficaram instalados em Jarablus, na região de Alepo numa guesthouse para muhajarin — pessoas que, como eles, estavam ali para se juntarem ao Califado e lutarem pelo Estado Islâmico. “Havia gente de todos os sítios”, contou Islam à CNN, “do Reino Unido, do Canadá, França, Bélgica, Tunísia, Marrocos, Argélia e Arábia Saudita”.
Khalil foi enviado rapidamente para um campo de treino militar onde passou um mês, ela ficou na casa, grávida e impedida de sair ou de comunicar com os locais, pelos outros muhajarin. Quando ele voltou, apenas para ser mandado para a frente de combate em Kobani e morrer logo no primeiro dia, ainda pensou que podia ter uma hipótese de regressar a Marrocos. Em vez disso, foi levada para outra guesthouse, com um dos irmãos do marido e a família, que se lhes tinham juntado entretanto, onde ficou sob vigilância apertada até ter o filho. Assim que Abdullah nasceu, foi informada de que tinha de casar outra vez.
Com Abu Talha Al-Almani, o alemão, viveu em Manbij e depois em Raqqa, mudanças forçadas pelo avanço das forças curdas no terreno. O novo marido, amigo do anterior, também não a deixava sair de casa. Conseguiu separar-se dele, mas não escapar ao controlo dos outros muhajarin, que a mantinham afastada de locais e de potenciais traficantes de pessoas, que a pudessem levar, juntamente com o filho, para fora da Síria, mediante pagamento. Em vez disso, foi obrigada a casar uma terceira vez, dessa feita com um homem chamado Abu Abdallah Al-Afghani, uma “alma gentil”, do Afeganistão ou da Índia mas com uma mãe a morar na Austrália.
Diz que os tempos que passou em Raqqa, tornada capital do Estado Islâmico, foram “como se estivesse morta”. “Aquilo não é vida, estava sempre com medo, sempre a ouvir bombas, armas, tiros”. E contou que, nos últimos meses, a comida escasseava e a luz elétrica e a água eram cortadas com cada vez mais frequência.
Apesar de o marido ser melhor, continuava a querer fugir — com Abdullah e Maria, nascida entretanto do terceiro casamento. Quando também ele morreu em combate, tratou de vender tudo o que tinham e usou o dinheiro para pagar a uns traficantes, que os levaram para território controlado pelo YPG.
Em segurança, mas não a salvo, Islam Mitat ainda sonha com a possibilidade de os filhos receberem passaportes britânico e australiano, tendo em conta as origens dos respetivos pais. A falta de resposta por parte da embaixada de Marrocos na Síria não é o melhor augúrio. Ainda assim, o pai de Islam mantém a esperança de que, em Rabat, o rei Mohammed VI veja a reportagem da CNN e a leve finalmente para casa.

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