terça-feira, 25 de abril de 2017

Os presentes que a Odebrecht diz ter dado a Lula X A defesa do petista


Delatores falam em "saldo amigo" à disposição de Lula e um milhão para reforma em sítio

Defesa de ex-presidente diz que delações provam que petista não cometeu crime

Em várias das delações premiadas da Odebrecht na Lava Jato há longos trechos descrevendo a relação da empresa com Luiz Inácio Lula da Silva, réu em três ações da operação, e com o PT. Os executivos que relataram as práticas corruptas em troca de diminuição em suas penas afirmam que Lula sabia tanto do caixa 2 oferecido pela empresa a nomes do PT como do oferecimento, pela empreiteira, de dinheiro e favores a ele e a sua família. Os delatores não dizem que o ex-presidente petista era com quem falavam diretamente sobre ilícitos ou sobre vantagens pessoais, mas aparecem nos relatos como interlocutores sua mulher, já falecida, e outros líderes do PT que, de acordo com os delatores, falavam com a sua anuência.
Veja os principais pontos que aparecem nas delações e o que a defesa do ex-presidente, que argumenta que "o que emergiu das delações é que ele não praticou nenhum crime", diz sobre cada uma deles. Lula, em entrevista a uma rádio na semana passada, afirmou que os meses na cadeia, em situação adversa, devem ter incentivado Marcelo Odebrecht, o ex-presidente do grupo, a dar versões "inverossímeis".

1 - "Saldo amigo"

O que dizem os delatores: O empresário Marcelo Odebrecht diz ter disponibilizado um montante para uso do PT e ainda um "saldo" batizado de "saldo amigo" para uso específico de Lula. Em meados de 2010, de acordo com ele, ainda havia um saldo desse valor combinado.  “Separamos 40 milhões para o 'saldo amigo', para atender a demandas que viriam do Lula. Quando [ex-ministro Antonio] Palocci pedia para descontar do saldo amigo, eu sabia que ele estava se referindo a Lula, mas não tinha como comprovar”. Segundo Marcelo, em duas oportunidades ficou claro para ele que o ex-presidente sabia da existência do saldo e que houve saques feitos em dinheiro, que teriam totalizado 13 milhões de reais.
O que diz a defesa de Lula: Trata-se de uma ilação absurda e o Ministério Público já tem os registros fiscais, telefônicos e bancários de Lula para saber a origem de seus recursos e rastrear o suposto "saldo". "Se for verdadeiro o depoimento, Marcelo Odebrecht teria feito um aprovisionamento em sua contabilidade para eventuais e futuros transferências ou pagamentos. Isso é muito diferente de dizer que havia uma 'conta Lula' na Odebrecht [...] A ser verdadeira, trata-se de uma decisão interna da empresa. Uma 'conta' meramente virtual que nunca se materializou em benefícios diretos ou indiretos para Lula". Segundo seus advogados, Lula nunca pediu, autorizou ou soube do "saldo". A defesa cita ainda que o advogado de Branislav Kontic, tido como operador dos saques, negou, em nota ao Jornal Nacional, que seu cliente tenha praticado as ações citadas pelos delatores.

2 - Sítio em Atibaia

O que dizem os delatores: Nas vésperas do aniversário de 65 anos de Lula, em 2010, Emílio Odebrecht e Alexandrino de Alencar queriam dar um presente ao ex-presidente: um livro, sobre a história da mãe de Lula, dona Lindu. No dia do aniversário, o presente foi entregue em Brasília, juntamente com uma maquete da Arena Corinthians, estádio do time de Lula. Na sala do parabéns,  Marisa fala em reservado com Alencar e diz que precisa de um favor do executivo. “Estou precisando terminar uma reforma num sítio”, diz ela, segundo ele. “Eu entendi que era um sítio que ele tinha no Rio Grande da Serra, mas ela disse ‘não, peraí, o sítio é em Atibaia, o pessoal do Bumlai tá fazendo a obra, mas tá muito lento. Nós precisávamos de alguém que consiga fazer para que em janeiro ficasse pronto”, explica.
Em 15 de dezembro de 2010 a obra inicial começou. Estimava-se gastar em torno de 500.000 reais. O compromisso era de fazer a obra em um mês, porque em 15 de janeiro a primeira dama queria estar no sítio. “Sei que a dona Marisa esteve um dia na obra e que no dia 15 de janeiro a obra foi entregue. O valor final foi de cerca de 1 milhão de reais”, conta Alencar. Foram reformados “três ou quatro quartos, mexeram no lago e fizeram um campo de futebol”.
Apesar de a obra ter sido a pedido da então primeira-dama, Alencar afirma que o sítio não é do ex-presidente. “O sítio era do filho do ex-prefeito de Campinas, Jacó Bittar, companheiro dos primórdios do presidente Lula”. Mesmo assim, o ex-executivo demonstra certa preocupação com a descrição da reforma. “Sei que pela sensibilidade do processo nenhum dos nossos funcionários usou macacão da Odebrecht, a compra dos materiais feitas na região foram todas em dinheiro vivo. Foram cuidados que foram tomados”, disse.
O delator afirma desconhecer a origem do dinheiro para a reforma, mas conta que o advogado de Lula, Roberto Teixeira, o procurou preocupado em como seriam feitas as deduções fiscais. “Isso [a contabilidade] foi feito com notas fiscais que o Emir [o engenheiro responsável] conseguiu falar com o Carlos Rodrigues Prado [empreiteiro] para fazer uma nota fiscal mostrando que foi pago pelo Fernando Bitar. Foi feito um escalonamento de pagamento de modo que não ficasse uma coisa muito cara de modo que [perguntariam] como o Fernando Bittar conseguiu pagar a obra”.
Emílio Odebrecht, por sua vez, afirma que a reforma no sítio era uma surpresa para o ex-presidente. “Marisa pediu que eu não comentasse com Lula porque isso era uma surpresa”, disse. “Mas no final do ano, dia 30, eu estive com ele [com Lula]. Aí eu disse: ‘Olhe chefe, o senhor vai ter uma surpresa, nós vamos garantir o prazo que nós tínhamos dado naquele problema lá do sítio”, conta. “Ele não fez nenhum comentário mas também não notou nenhuma surpresa. Ele já estava sabendo”.
O que diz a defesa de Lula: "O sítio não é do ex-presidente, não há nenhum ato dele em relação ao sítio, nem vantagem indevida, patrimônio oculto ou contrapartida", diz a defesa, que não comenta trecho que Alencar afirma ter negociado com um advogado e amigo de Lula como apresentar notas fiscais da obra ou sobre os pedidos de Marisa. Questionam ainda a acusação de Emílio Odebrecht de que Lula sabia do "presente" ainda no cargo de presidente. "É estranho nesse contexto que Emílio Odebrecht diga que na véspera do fim do mandato tenha 'avisado' Lula da obra. E é inadmissível que o silêncio de Lula, diante do suposto aviso, seja interpretado como evidência."

3 - Doações e terreno do Instituto Lula

O que dizem os delatores: “Fizemos doações para o Instituto Lula para a operacionalidade do Instituto”, afirma Alexandrino de Alencar. “É prática do grupo quando o presidente deixa o cargo manter alguma relação com ele”, segue. Ele explica que em 2010, Marcelo Odebrecht chegou a comprar, indicado por Bumlai e Roberto Teixeira, um imóvel no valor de 12 milhões de dólares para ser a sede do Instituto Lula. Mas Lula e dona Marisa não teriam gostado do imóvel e desistiram da compra.
Marcelo Odebrecht pede então que Alencar junto com Paulo Okamoto procurem uma alternativa para o imóvel. “E esse é o trabalho que eu fiz durante uns dois ou três anos, procurando um imóvel que fosse no valor aproximado desses 12 milhões”, diz Alencar.
O delator confirma que em 2011 foram doados cerca de 515.000 reais ao Instituto, em 2013, 1,1 milhão e em 2014, 3 milhões de reais. “A [doação] de 2014 é porque era um ano eleitoral, então achamos que tínhamos que dar um valor um pouco maior”, diz. Alencar não deixa claro se as doações era por via legal ou não.
O que diz a defesa de Lula: "O tal terreno foi recusado. E foi recusado porque sequer havia sido solicitado pelo Instituto ou por Lula. É prova do lawfare e perseguição a Lula que um terreno recusado seja objeto de uma ação penal", diz a defesa. Segundo o Instituto Lula, as doações da Odebrecht não representam nem 15% do valor total arrecadado antes do escândalo. Diz ainda que "jamais houve envolvimento de Antonio Palocci ou de qualquer intermediário nos pedidos de doação ao Instituto" .

4 - Palestras

O que dizem os delatores: Lula se tornou, nas palavras de Alexandrino de Alencar, “um cartão de visitas” para a Odebrecht em outros países. “O Lula é uma figura quase um pop star. Ele levava uma imagem positiva”. O ex-presidente funcionava também como uma espécie de diplomata da empreiteira fora do Brasil, resolvendo problemas para a companhia com presidentes com quem tinha boas relações. “No Equador, houve um problema numa obra nossa e o nosso pessoal teve até que ficar na embaixada do Brasil lá. Teve um estresse e para ajudar nesse estresse [Lula foi acionado]”.
Depois que Lula deixou a presidência, Alexandrino desenvolveu o programa das palestras de Lula no exterior junto com Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula. “Tanto é que a primeira palestra que o Lula fez no exterior foi conosco. Os primeiros famosos 200.000 dólares pagos foi através da gente”. Foi no Panamá. “Que me conste, as 40 e poucas palestras que ele fez todas foram de 200.000 dólares”.
O que diz a defesa de Lula: "A legislação brasileira não impede que ex-presidentes deem palestras. Não impediria que eles fossem diretores de empresa, o que Lula nunca foi. Todas foram realizadas, e a comprovação de tudo relacionado as palestras já está na mão do Ministério Público do Distrito Federal e do Paraná". Antes da Odebrecht, diz a defesa, empresas como a Microsoft, LG e Ambev já haviam contratado o petista pelo mesmo valor.

5 - A mesada para o irmão de Lula e ajuda a Okamoto

O que dizem os delatores: Uma das novidades das massivas delações da Odebrecht envolvendo o ex-presidente Lula envolve o irmão do petista, conhecido como Frei Chico. Segundo os delatores, Chico, que recebeu o apelido de Metralha, recebia uma mesada da empresa, que variava entre 3.000 e 5.000 reais por mês. Em seu depoimento Alexandrino Alencar, ex-executivo da empreiteira, afirma que inicialmente Chico foi contratado para prestar serviços de assessoria. “Em função da privatização do setor petroquímico estávamos tendo dificuldades com o setor sindical”, afirma. Neste contexto, “tivemos alguns contatos com o Lula, que ainda não era presidente na época, e em um desses contatos ele trouxe o frei Chico”. O irmão do ex-presidente “viajava para os Estados onde tínhamos problemas e conversava com o pessoal [dos sindicatos], fazia um trabalho de consultoria nessa área, prestou efetivamente um serviço”.
Após a eleição do Lula, em 2001, o quadro mudou. “Nós pensamos, ‘opa, vamos ter que mudar o tipo de relacionamento’. Aí fizemos uma rescisão contratual [com Chico], e eu passei a dar para ele uma mesada”, diz Alexandrino. O ex-executivo afirma que o recurso continuo a ser pago “durante os últimos 13 anos”, em função “dele ser irmão do Lula”. “O Lula sempre soube que ele tinha uma ajuda nossa”, conclui o delator. De acordo com o depoimento, não está claro se o pedido para que Chico continuasse a ser pago partiu do ex-presidente.
A Odebrecht também ajudou Frei Chico de outra maneira. Uma de suas filhas era estudante de jornalismo em uma faculdade de São Bernardo do Campo. “Aí em 2011 o Chico me pediu um estágio para ela na empresa e eu consegui. Ela desempenhou bem o papel e pelo que eu soube ela foi efetivada por seus próprios méritos”, diz.
Alexandrino de Alencar afirma ainda que Paulo Okamoto recebeu durante “cinco ou seis meses” uma espécie de mesada da Odebrecht. “Ele estava com dificuldade financeira”, diz. O valor repassado era em espécie e tinha “pleno conhecimento de Emilio Odebrecht”. “Foi uma oferta minha”, diz Alencar.
O que diz a defesa de Lula: A defesa diz que, mesmo se verdadeiras, a eventual relação entre a Odebrecht e o irmão de Lula "eram relações privadas". "Lula não tem tutela sobre seu irmão mais velho e não solicitou ajuda a ele, nem cuidava de sua vida. Não há relato de infração, nem de contrapartida, nem de que tenha sido o ex-presidente que tenha solicitado qualquer ajuda ao irmão." Não há menção sobre o suposto dinheiro para Okamoto.

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