Construção de uma escola da Aliança Atlântica em Oeiras arranca no final de Abril, apesar das suspeitas e da batalha jurídica. Paulo Portas é acusado por empresa de intervir no negócio.
O Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa está a investigar o concurso de construção da Escola NATO de Comunicações e Sistemas de Informações, em Oeiras, cujas obras arrancam no final deste mês. Adjudicada por 19,5 milhões de euros à Mota-Engil, a obra está envolta num clima de suspeita e numa batalha jurídica cuja próxima fase decorrerá no Tribunal Central Administrativo do Sul.
A intervenção do Ministério Público foi solicitada por denúncia da Tecnorém, em 9 de Fevereiro passado, contra Paulo Portas e o director-geral de Recursos do Ministério da Defesa, Alberto Coelho, por “claro favorecimento da Mota-Engil”. Foi há duas semanas, a 27 de Março, que o acordo foi assinado por Alberto Coelho e os responsáveis da empresa. “Tenho provas e factos para apresentar ao Ministério Público sobre diligências de Paulo Portas junto de Alberto Coelho”, diz, ao PÚBLICO, Francisco Silva Pereira, advogado da Tecnorém, uma das oito empresas concorrentes e cuja proposta, depois de considerada como a mais vantajosa no primeiro relatório preliminar, foi, numa segunda fase, desclassificada.
Alberto Coelho, presidente do Conselho de Fiscalização do CDS-PP e desde Janeiro de 2015 director-geral de Recursos do Ministério da Defesa, é quadro deste ministério desde 1992. Era director-geral de Pessoal e Infra-Estruturas à data em que Portas foi ministro da Defesa, em 2002. Estes e outros factos ainda não revelados pelo advogado da Tecnorém estão na base da denúncia ao Ministério Público.
O PÚBLICO sabe que Paulo Portas alega que as suas funções de consultor na construtora abrangem a América Latina, não o território nacional. Do mesmo modo, o antigo líder centrista tem tentado desvalorizar a ligação partidária.
Em comunicado, a Mota-Engil afirma ter reclamado por ter apresentado “a proposta financeira com o custo mais baixo” e não ser adjudicatária da obra. Os 19,5 milhões de euros, face aos 20,8 milhões da Tecnorém, não eram critério único. O preço pesava 40%, estando o restante na classificação da qualidade técnica da memória descritiva e justificativa; e adequação do programa de trabalhos, planos de mão-de-obra e equipamentos.
Nestes dois critérios, a Tecnorém teve uma ponderação de 90% perante os 66,3 da Mota-Engil, e no segundo voltou a estar à frente (80 versus 70%). No apuramento final, a Tecnorém teve uma classificação de 53,9% face aos 50,2 da concorrente. Ou seja, a Tecnorém - empresa com 400 trabalhadores e 30 anos de actividade - seria a adjudicatária, segundo o primeiro relatório preliminar de 13 de Outubro de 2016.
Seis dias depois, a Mota-Engil e o Agrupamento Graviner reclamaram. Ambos os concorrentes pediam, entre outros aspectos, a exclusão da Tecnorém por "falsas declarações" sobre a posse de alvarás em duas subcategorias de trabalhos eléctricos. O segundo relatório preliminar, de 16 de Dezembro, reconheceu a queixa, alterando significativamente a classificação dos concorrentes de dois meses antes.
Assim, a proposta da Tecnorém passa de vencedora por ser a “economicamente mais vantajosa” a excluída, e a classificação passa a ser liderada pela Mota-Engil, seguida do Agrupamento Graviner e da Somague. Finalmente, no relatório final, de 13 de Janeiro, a empreitada é adjudicada à Mota-Engil.
O fundamento desta alteração radica numa conformidade de alvarás, com o debate a centrar-se numa interpretação jurídica. A Tecnorém pediu, em 30 de Setembro, a concessão do alvará ao IMPIC [Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção] que foi deferido favoravelmente a 14 de Outubro, ou seja, um dia depois da publicação do primeiro relatório preliminar.
“A elevação do alvará só é precisa quando se trata da assinatura do contrato e da habilitação de documentos. Entre o primeiro relatório e o recurso das outras empresas foi entregue a actualização”, refere Carlos Baptista.
Contudo, de acordo com o segundo relatório preliminar e o relatório final, a versão é outra. Nestes documentos é referido que em 3 de Junho de 2015 um decreto-lei terminou com a dispensa, até então em vigor, dos alvarás em causa. Na origem destes dois relatórios está a Sérvulo & Associados, entidade externa à qual o Ministério da Defesa entretanto recorreu. A Sérvulo & Associados foi o único escritório de advogados a participar, em 2008, na elaboração do Código de Contratação Pública, em que se baseia este processo.
Os argumentos de tecnicidade jurídica não convenceram a Tecnorém. Em 20 de Janeiro passado, interpôs recurso hierárquico junto do Ministério da Defesa Nacional, iniciativa que foi indeferida pelos serviços do ministro Azeredo Lopes. Em 16 de Fevereiro, a empresa pediu a impugnação da decisão ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, procurando o seu efeito suspensivo automático, ao que o ministério respondeu com um pedido de levantamento desta suspensão. O ministério sempre argumentou com a necessidade de cumprimento do prazo da NATO para a conclusão da empreitada – Maio de 2018. As obras arrancam no final deste mês, na previsão oficial.
O Tribunal de Leiria veio a dar razão ao Governo em decisão de 23 de Março, a qual chegou ao conhecimento dos visados quatro dias depois. “Nesse mesmo dia, 27 de Março, em que fomos notificados da decisão, foi assinado o contrato entre o Ministério da Defesa e a Mota-Engil, quando decorria o período de recurso no tribunal de Leiria”, especifica Silva Pereira. O advogado antevê o próximo passo nesta batalha jurídica: “Iremos apresentar no Tribunal Central Administrativo um recurso contra o levantamento da suspensão”.
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