segunda-feira, 17 de abril de 2017

Glamourização da Pobreza


Reynaldo Gianecchini esteve recentemente em Moçambique glamourizando a nossa Pobreza como manda a praxe.
São várias as celebridades que viajam para África com dois objectivos bem distintos: férias de luxo ou trabalho voluntário.
A primeira categoria acontece sobretudo fora das grandes cidades, em ilhas semi-desertas e privadas, de pouco acesso para nós, pobre locais – ainda que sejamos os nacionais.
E geralmente nestes casos não há muitas fotos, à excepção de uma ou duas fotos na redes sociais, pois afinal de contas a proposta de valor desses locais é a oportunidade de os famosos manterem alguma privacidade, longe dos paparazzi e dos olhares dos fãs.
Por outro lado, o trabalho voluntário que essas celebridades vêm fazer envolve muita notícia. Afinal de contas, o que seria caridade se ninguém aplaudisse o gesto do privilegiado que estica a sua mão para os desfavorecidos?
Gianecchini não desaponta. Com a mesma dedicação com que a genética desenhou a sua face, ele tira fotos com crianças e idosos, no meio da savana africana, num tal país chamado Moçambique.
E como não podia deixar de ser, emociona-se ao se aperceber da triste felicidade que essas pessoas vivem diariamente. Com tão pouco são tão felizes. Não passam a vida a reclamar. São verdadeiramente ricas. Aos meus olhos não vejo miséria. Têm vidas preenchidas com amor.
Certamente é esse amor e essa tal felicidade que lhes enche a barriga à noite. Que cura as doenças. Que rega as suas machambas e alimenta os animais.
Os moçambicanos partilharam todas as fotos cheios de orgulho pela presença de Sua Majestade, Reynaldo Gianecchini lá no meio do nada, a forçar sorrisos com as pobres crianças.
Esqueceram-se até que por fotos idênticas quase boicotaram um show do Nelson Freitas.
Em 2016, quando Nelson Freitas esteve em Maputo para um espectáculo de lançamento do seu novo álbum, à saída do aeroporto tirou fotos das ruas. Ao publicar a realidade nua e crua foi criticado, chegando até a apagar a foto.
Os seguidores se mostraram desconfortáveis em ver a sua Pobreza exposta.
Segundo eles Maputo é mais do que aquilo. Moçambique é melhor que aquela foto. Moçambique é lindo, é rico, é limpo. E de facto, somos isso tudo.
Mas somos também essa Pobreza, essa imundice, essa crueldade. Somos – e temos de assumir isso – feitos de contrastes.
Ao negarmos uma Pobreza e aceitarmos a outra evidenciamos a nossa hipocrisia. A nossa preocupação é selectiva. Pouco nos importa quem vê a nossa Pobreza, mas queremos que a Pobreza venha bonita.
A glamourização da Pobreza valida-a. Naturaliza-a.
Ajuda-nos a olhar para a pobreza como algo normal, como algo que não deve ser corrigido.
Visitamos uma escola onde as crianças estudam sem carteira e aplaudimos as suas notas. Sentamo-nos no chão ao seu lado e sorrimos como se fosse confortável estar naquele lugar e de facto aprender. Rimos e brincamos com elas como se aquilo fosse de facto uma escola.
Olhamos para as mulheres atarefadas, a carregar os filhos, as compras e metade do mundo e dizemos “Parabéns! És tão forte!”, em vez de oferecermos soluções concretas para acabar com o seu sofrimento. Soluções para ela não precisar de ser forte. Para ela se sentir confortável em mostrar vulnerabilidade.
Aplaudimos a Pobreza que nos é exibida de forma glamourizada. Gostamos de ver as pessoas pobres a brincar, sofrendo de forma feliz, de forma a que não perturbe a nossa vida pseudo-burguesa.
Queremos ver uma Pobreza com maquilhagem, cirurgia plástica, filtro do instagram, sorriso falso. Uma Pobreza disfarçada.
Pobreza não é glamour. Não é prémio. Não é benção.
É Pobreza.

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