( E agora, o que será de nós sem inimigos? )
Ler poemas de Konstantinos Kafavis é uma experiência inolvidável. Pena que não tenha acesso a traduções em português para poder partilhar com a maioria dos meus amigos virtuais. Kafavis, nascido em Alexandria, no Egipto, aos 29 de Abril de 1863, é geralmente considerado o maior nome da poesia no idioma grego, tal como o conhecemos agora.
Li de um fôlego um conjunto de poemas, acabando por me concentrar num que vou apresentar aqui. Em espanhol. Fui parar aos poemas de Kafavis depois de passar por alguns perfis de amigos virtuais, sobretudo os que discutem assuntos políticos. Uma característica comum de todos os debates por onde passei (inseri alguns comentários em duas postagens, ambas de Marcelo Mosse), uma característica comum, dizia, são os insultos, o tom inconveniente, a intolerância e a projecção de outro como "O inimigo", em vez de adversário e parceiro.
Armando Guebuza é a principal vítima da linguagem pouco digna ou imprópria, por parte de alguns sectores. Ele é apresentado em alguns fóruns como a causa de todos os males, sendo que todas as frustrações, todos os fracassos individuais são a ele achacados. Por tabela, todo aquele que é visto como a ele "ligado" é lhe negado o direito de opinar. Trata-se dos mesmos sectores que, há mais de 10 anos, se enfrascaram numa campanha contra Joaquim Chissano e sua família, os quais eram, também, apresentados como a causa de todos os males. Lembro-me inclusivamente de um conhecido Semanário que enviou para si próprio, numa canhestra manipulação informativa, uma kangara de galinhas (parodiando um tal "Filho do Galo") com o fito de, nesses anos longínquos, ridicularizar e demonizar a então Primeira Família. Aqui a visada era a então Primeira Dama.
Afonso Dlhakama e a sua Renamo têm, também, sido vítimas de comentários e postagens intolerantes e insultuosos, que os projectam como entes que não podem querer o bem de Moçambique. Neles também se projecta a problemática crença de que quem não pensa como nós é um inimigo. De resto, se eu pretendesse estabelecer a narrativa do debate político em Moçambique, sobretudo aquele que ocorre nas redes sociais e na imprensa escrita, radiofónica e televisiva, resumi-lo-ia como um jogo de exclusão e de intolerância mútuas entre os militantes das principais forças políticas.
Assim, o nosso país torna-se numa das nações do mundo com mais inimigos. E o mais paradoxal em tudo isso é o facto de esses inimigos serem quase todos moçambicanos!
Como dizia, esta realidade opressiva ressaltou-me mais quando lia os poemas de Kafavis. O título do poema que me chamou a atenção para este fenómeno é : "Esperando a los Barbaros". Em síntese, o poema descreve uma época em que os inimigos da Grécia eram os bárbaros, os quais a qualquer momento poderiam atacar a pátria Helénica.
Os bárbaros de tanto terem sido mistificados, justificavam todos os passos que os gregos davam, todas as frustrações sociais e todos os erros que eram cometidos. Importantes sectores da sociedade grega viviam suspensos da entrada dos bárbaros na sua cidade. Era assim com os filósofos, com os donos de escravos, com os cônsules, com os pretores, com as classes nobres, com os intelectuais, com os senadores e, até, com o imperador.
Muitos destes, num dado dia, foram postar-se junto aos muros da cidade, junto ao pórtico maior, o equivalente, quiçá, ao Facebook e às redacções dos jornais de hoje, à espera da anunciada invasão. Todos aguardam ansiosamente que os bárbaros , ou seja, os inimigos cheguem. E, estranhamente, há uma desilusão geral quando esse inimigo não invade o sagrado solo pátrio! A questão que se colocava era como todos esses nobres e intelectuais passariam, daí em diante, a viver sem bárbaros? Sem inimigos!?
Quando analiso os nossos debates concluo que estamos a ser como os gregos da antiguidade clássica. Estamos a estruturar as nossas vidas em função dos bárbaros. Em função dos inimigos. Quando os inimigos habituais no futuro nos faltarem ( como os bárbaros que não chegaram) ainda corremos o risco de proceder pior que os gregos. No poema que abaixo partilho, em espanhol, estes se perguntam angustiados: "E agora, o que será de nós sem os bárbaros? "
Temo que, quando os inimigos habituais nos faltarem, e tomando em conta o facto de já não conseguirmos viver sem eles, comecemos a inventar inimigos entre nós. Inclusivamente entre os que, invariavelmente, trocam entre si "likes" nos respectivos posts.
Os que forem capazes de ler em espanhol eis, de seguida, o espantoso e significativo poema:
ESPERANDO A LOS BÁRBAROS
- Qué esperamos reunidos en el ágora?
Es que los bárbaros van a llegar hoy día.
- Por qué en el Senado tal inactividad?
Por qué los Senadores están sin legislar?
Porque los bárbaros llegarán hoy día.
Qué leyes van a hacer ya los Senadores?
Los bárbaros quando lleguen legislarán.
- Por qué nuestro emperador se levantó tan de mañana, y está
sentado en la puerta mayor de la ciudad sobre el
trono, solemne,
portando la corona?
Porque los bárbaros llegarán hoy día.
Y el emperador esperar a ricibir
a sua jefe. Y más aún ha preparado
un pergamino para dárselo. Allí
les escribió muchos títulos y nombres.
- Por qué nuestros cónsules y los pretores
salieron
hoy con sus togas púrpuras, bordadas;
por qué se pusieron brazaletes con tantos
amatistas,
y anillos con magníficas, brillantes esmeraldas;
por qué toman hoy valiosisimos bastones
en plata y oro esplendidamente labrados?
Porque los bárbaros llegarán hoy día;
y tales cosas deslumbran a los bárbaros.
- Por qué tampoco los valiosos oradores no
acuden como siempre
a pronunciar sus discursos, a decir sus cosas?
Porque los bárbaros llegarán hoy día;
y los aburren las elocuencias y las arengas.
-Por qué comenzó de improviso esta inquietud
y confusión? (Los rostros qué serios que se han puesto.)
Por qué rápidamente se vacian las calles y las
plazas
y todos regresan a sus casas pensativos?
Porque anocheció y los bárbaros no llegaron. Y unos vinieron desde las fronteras
y dijeron que bárbaros ya no existen.
Y ahora qué será de nosotros sin bárbaros.
Los hombres esos eran una cierta solución.
- Qué esperamos reunidos en el ágora?
Es que los bárbaros van a llegar hoy día.
- Por qué en el Senado tal inactividad?
Por qué los Senadores están sin legislar?
Porque los bárbaros llegarán hoy día.
Qué leyes van a hacer ya los Senadores?
Los bárbaros quando lleguen legislarán.
- Por qué nuestro emperador se levantó tan de mañana, y está
sentado en la puerta mayor de la ciudad sobre el
trono, solemne,
portando la corona?
Porque los bárbaros llegarán hoy día.
Y el emperador esperar a ricibir
a sua jefe. Y más aún ha preparado
un pergamino para dárselo. Allí
les escribió muchos títulos y nombres.
- Por qué nuestros cónsules y los pretores
salieron
hoy con sus togas púrpuras, bordadas;
por qué se pusieron brazaletes con tantos
amatistas,
y anillos con magníficas, brillantes esmeraldas;
por qué toman hoy valiosisimos bastones
en plata y oro esplendidamente labrados?
Porque los bárbaros llegarán hoy día;
y tales cosas deslumbran a los bárbaros.
- Por qué tampoco los valiosos oradores no
acuden como siempre
a pronunciar sus discursos, a decir sus cosas?
Porque los bárbaros llegarán hoy día;
y los aburren las elocuencias y las arengas.
-Por qué comenzó de improviso esta inquietud
y confusión? (Los rostros qué serios que se han puesto.)
Por qué rápidamente se vacian las calles y las
plazas
y todos regresan a sus casas pensativos?
Porque anocheció y los bárbaros no llegaron. Y unos vinieron desde las fronteras
y dijeron que bárbaros ya no existen.
Y ahora qué será de nosotros sin bárbaros.
Los hombres esos eran una cierta solución.
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