terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Presidente da Assembleia da República reforça necessidade de revisão da legislação sobre violência doméstica


Escrito por Emildo Sambo  em 28 Fevereiro 2017
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Foto do ParlamentoA presidente da Assembleia da República (AR), Verónica Macamo, condena a prevalência da violência doméstica em Moçambique, que antes era considerada um problema só perpetrado contras as mulheres, mas actualmente aflige também os homens, incluindo os jovens, e, por conseguinte, toda a sociedade.
“Não faz sentido que pessoas que se casam, jurando amor eterno, fidelidade, solidariedade e companheirismo agridam-se e violentem-se” a ponto de se tirarem a vida, disse a número um do órgão legislativo e fiscalizador do Governo, nesta segunda-feira (27), na abertura da V Sessão Ordinária do Parlamento, cujas actividades prolongar-se-ão até 11 de Maio próximo.
A violência doméstica tem abalado cada vez mais as famílias moçambicanas, colocando-as num dilema sem precedentes. Diante de determinadas desinteligências, violentar e, na pior das hipóteses, matar tende a ser banal.
Um dos casos mais gritantes e pavorosos de violência doméstica aconteceu na noite de 14 de Dezembro de 2016, na Avenida Julius Nyerere, uma das zonas aristocráticas da cidade de Maputo.
Nessa fatídica data, Valentina Guebuza, filha do ex-Chefe de Estado moçambicano, Armando Guebuza, foi assassinada a tiros pelo próprio marido, em casa, facto que deitou por terra a ideia de que este fenómeno só atinge maioritariamente as famílias pobres e gente sem instrução.
Mas antes disso, na madrugada de 17 de Outubro de 2015, algures na cidade de Maputo, Josina Machel, a filha do primeiro Presidente de Moçambique independente, Samora Machel, e da activista de direitos humanos Graça Machel, foi violentada pelo empresário Rufino Licuco, quando os dois regressavam de uma casa de pasto.
A vítima, de 41 anos de idade, perdeu completamente a visão no olho direito. Por conseguinte, o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM) condenou, na passada terça-feira (21), o agressor à pena de três anos e quatro meses de prisão maior, convertida em indemnização no valor 200.579.000 meticais, o qual deve ser pago no prazo de 30 dias, como condição para o réu não recolher compulsivamente aos calabouços.
Um estudo lançado um dia antes de Valentina Guebuza ser morta pelo esposo, dá conta de que seis em cada 10 mulheres e raparigas são violentadas de diferentes maneiras nos espaços públicos da capital de moçambicana, particularmente nos bairros suburbanos, onde a segurança pública continua precária e circular à noite é um acto de coragem.
O abuso sexual é um dos casos recorrente nos distritos municipais de KaMaxaquene e KaLhamankulo, indica uma pesquisa da ONU Mulheres, intitulada “Cidade Segura Livre de Violência Contra Mulheres e Raparigas”.
Sobre esta vergonha social, a dirigente da chamada “Casa do Povo”, reconheceu ainda que, actualmente, “mas do que nunca”, assiste-se o aumento da violência com “perdas de vidas humanas como consequência da degradação de valores ético-morais e culturais”.
Código Penal não previne a violência doméstica
Na semana passada, a Ordem dos Advogados de Moçambique condenou este problema e alertou que o Código Penal (CP), recentemente revisto, “não contribui para a prevenção geral do fenómeno (...)”.
A Ordem condenou ainda o facto de CP prever penas mais gravosas a crimes contra o património em geral, enquanto a pena máxima aplicável à violência doméstica nunca excede os oito anos de prisão e, na sua maioria, são crimes de prisão simples (até dois anos).
“A saúde física e mental dos cidadãos, como bens jurídicos, deveriam ter uma maior protecção relativamente ao património”, disse a instituição sugerindo que os sociólogos deviam estudar as causas da violência doméstica.
Nesta segunda-feira, Verónica Macamo defender também que se for preciso que se reveja legislação, porque este tipo de crime não só coloca a sociedade em xeque, como também traz sofrimento, mal-estar e trauma para os filhos dos que se agridem e matam.
Ser espancado manter-se calado
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), por vezes, “muitas vítimas” de violência doméstica mantêm-se “no silêncio por necessidade de protecção do agressor ou considerar como uma situação normal”, ignorando o facto de os seus direitos estarem a ser infringidos e colocarem em risco própria “saúde física e psíquica”.
Dos dados, pode-se concluir que o que antes era tido como um problema de alçada familiar e com maior incidência no meio rural, está camuflado nos centros urbanos, onde se encontram as instituições – e respectivas sedes – que lidam com a matéria.
Contudo, o silêncio é mantido também pelas vítimas com maior grau de escolaridade. Algumas, no caso das mulheres – e não são poucas – disfarçam os hematomas com os cosméticos.
No que diz respeito à violência psicológica, o drama é maior, com oito vítimas em cada 10 mulheres, no distrito municipal KaMaxaquene, onde a violência sexual é também considerada elevada.
No Ka Lhamankulo, sete em cada 10 raparigas são sujeitas ao mesmos maus-tratos. Os estabelecimentos destinados à venda de bebidas alcoólicas são tidos como os locais mais propensos a esta situação.
Os agressores são jovens
O relatório acima referido aponta que as mulheres que frequentam as barracas são violentadas pelos homens porque estes julgam que apenas eles podem frequentar esses lugares.
“São coisas que só os homens podem fazer, são comportamentos típicos do homem, não de mulheres. Estas devem ficar em casa”, disse um dos homens entrevistados no estudo.
A pesquisa refere ainda que as pessoas que incentivam a violência contra as mulher e raparigas são jovens na sua maioria consumidores de bebidas alcoólicas e outras drogas.
Os crimes em causa são perpetrados por jovens com idades que variam de 18 a 30 anos, desempregados e que não frequentam a escola.
Os visados, indica o documento, são moradores dos bairros e quarteirões onde há relatos desses problemas, ou de zonas circunvizinhas que “se integram aos grupos” alegadamente por más influências e instrumentalização.

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