Entrevista
O economista italiano Claudio Borghi acredita que esta União Europeia
está condenada. É o que deseja para um projecto que, diz, será lembrado
“como um monstro, comparável à União Soviética”.
Itália vive há anos em crise, mas os últimos meses foram de golpes e
contragolpes acelerados. Matteo Renzi chegou ao poder sem eleições,
jogou tudo num referendo sobre a reforma constitucional e perdeu. O
Governo actual, do mesmo Partido Democrático, está a prazo, até ser
concluída uma nova lei eleitoral. O Movimento 5 Estrelas, de Beppe
Grillo, pode ter votos para governar (é o que dizem as sondagens) e
deverá aliar-se à Liga Norte e aos Fratelli d'Italia. Em comum têm o
plano de saída do euro de Claudio Borghi, economista que falou ao
PÚBLICO por telefone.
Faz uma avaliação negativa dos 20 meses de Governo Renzi?
Foi um desastre. No fundo, a única coisa que conseguiu fazer foi propaganda. Realmente, a pior coisa que fez foi nos bancos, aceitar aquela lei louca do bail-in [regra europeia que exige que os accionistas e credores dos bancos assumam perdas antes dos Estados]. Aceitar esta lei num sistema bancário como o italiano, muito dependente do privado, da confiança dos credores nos bancos, foi destrutivo. As pessoas começaram a levantar dinheiro, porque não se sentiam seguras. A questão mais grave que era a do [banco] Monte dei Paschi, não quis tratá-la.
O que é que teria feito?
A questão do Monte dei Paschi devia ser concluída com a nacionalização completa do banco.
Completa?
Sim, deve ser adquirido pelo Estado com o acordo dos credores. E é obrigatório impugnar a normativa do bail-in porque se não é impossível. Começa-se a pôr algum dinheiro num banco e vai sempre crescendo. Estamos a falar de milhões, não de trocos. Se o BCE não sabe avaliar qual é a solvência de um banco, quantos são os milhões que fazem falta… Nós queremos que os cidadãos e os credores sejam informados.
Mas isto está a acontecer em vários países. É um problema maior.
É como se estivessem a usar uma arma. Considero que está a acontecer a segunda parte de uma guerra na Europa, uma guerra financeira. A primeira guerra, que já viu o fim, foi a das dívidas soberanas, em 2008. Usaram a arma dos títulos de Estado para constranger tantos países a fazerem o mesmo, a porem-se de joelhos e a pedir ajuda, ou para pagar dívidas, como no caso de Itália, ou a pedir empréstimos, como no caso de Portugal. O importante era que os países estivessem subalternos. Não se considera suspeito que ninguém quisesse títulos de Estado e agora esteja tudo bem? Não é por estarmos melhores, os valores são decididos pelo BCE, que é quem define valores e pode tirar as garantias. Se se tira as garantias a determinados títulos de Estado ninguém os compra, se lhes dá garantia acontece isto. Agora, passou-se aos bancos. Por causa da recessão, todos os países da Europa do Sul – o Euro impede o crescimento – acumularam muitos débitos que não restituíram. Os bancos emprestam às empresas, se as empresas faliram não pagam aos bancos. E então utilizam os bancos como nova arma para conseguir dinheiro às pessoas.
Não há má-fé na acção dos responsáveis? Todos os problemas são uma consequência da recessão?
Principalmente, são uma consequência da recessão. E em qualquer caso, quem não tem culpa é um cidadão responsável que usa o seu banco e acredita que é controlado pelo BCE.
Como se faz para forçar uma mudança? É preciso pensar em sair do euro?
Sair do Euro é a única forma para voltar a crescer. Se o problema fosse só dos bancos bastaria, decidir que todas as faltas de capitalização ou outras dos bancos seriam cobertas pelo BCE. O Banco Central Europeu acaba de criar 1,1 biliões de euros em divisas… Quer dizer, não era preciso isto tudo para garantir a segurança dos bancos.
Quem é que tinha de convencer?
Enfim, é preciso convencer os alemães que foram os que organizaram esta arma. Por isso é que eu digo que temos de sair do euro. Queremos convencer gente que nos quer de joelhos a fazer a coisa certa. É preciso sair do Euro, recuperar poderes para fazer as coisas normais. É preciso que os nossos produtos, qualquer coisa que possa ser fabricada ou feita em Itália ou Portugal, volte a ser conveniente para o resto do mundo.
O seu plano é conhecido mas nunca foi feito. Não há muitos imponderáveis?
Como em tudo, há riscos de execução. Mas por um lado temos riscos de execução, do outro temos a certeza do desastre. Se continuamos assim não há forma de evitar que tudo fique pior.
É uma escolha sem recuo.
Evidente. Mas penso que quando um país como a Itália sair do euro, o euro não fica, não imagino que possa sobreviver. Veremos o que acontece, depende de cada país. Se, como eu espero, cada país, uma vez recuperada a soberania monetária, queira pôr-se de acordo para manter as outras coisas que fazem parte da UE.
O mercado livre.
Sim, é só a moeda. Tirando a moeda de tudo o resto que é a União Europeia, seria possível. Eu preferia que se começasse de novo, tornou-se um monstro que será recordado a par da União Soviética ou algo do género. Mas se quisessem sair da moeda e manter tudo o resto, pode fazer-se. Seja como for, há uma série de países da União Europeia que não têm euro.
Então, depende tudo dos governos, das vontades?
Sim, é preciso um país com coragem para dar o primeiro passo e compreender que fora se está bem. Não obstante, apesar do que se diz, toda a gente antecipava um desastre com o “Brexit” mas na minha opinião está a correr muito bem.
Há problemas nas negociações.
Sim, as negociações são sempre assim, mas os mercados que são os que antecipam o que pode acontecer, estão tranquilos e vêem que a incerteza vem da UE e não parte da Grã-Bretanha.
Mas e se a Itália sai e o euro termina, não há muitos riscos para outros países, que podem não ter preparado a saída?
É um bom ponto, mas eu penso que no fim as pessoas serão inteligentes. Os responsáveis vão sentar-se à mesa e vai sair daí um plano de desmantelamento válido para todos. Diz-se que não há alternativa, mas se um quiser sair e disser, “eu vou, querem que vá e provoque a confusão ou vamos todos e resolvemos os problemas de todos?”. Em qualquer caso, para accionar os procedimentos que permitam resolver os problemas de custos, de realização, é preciso perceber o grupo de países implicado, todos menos os que decidam juntar-se à Alemanha.
E depois da Itália?
Eu não penso que a Itália será o primeiro. À frente de todos, neste momento, está a França. Porque, de facto, Marine Le Pen, mesmo que digam que não vai acontecer, eu acredito que vai vencer.
E se Le Pen vencer as presidenciais de Abril e Maio a saída do euro vai mesmo acontecer?
Sim, sim, se vence vai fazê-lo. Nós temos contactos com Marine, eu estou em contacto com a Frente Nacional, até por estarmos no mesmo grupo no Parlamento Europeu, trabalhamos juntos nesta matéria, sei que vão avançar mesmo.
O mais provável em Itália é que a Liga se alie para governar.
É verdade que pensamos em unir-nos, mas alguns destes partidos não nos convencem em relação aos temas do euro e da União Europeia. Por exemplo, venceríamos de certeza se nos aliássemos ao Movimento 5 Estrelas, era uma vitória segura. Uma aliança com o único objectivo de sair do euro.
Neste ponto estão de acordo.
Sim, é verdade. Mas eles continuam a dizer que querem fazer o referendo, e isso é impossível, por causa da lei italiana. Em Itália não é possível referendar um tratado europeu sem mudar a Constituição…
Mudar a Constituição não se consegue.
Pois [risos], imagine, é melhor nem nos metermos nisso. Mesmo que por hipótese se avançasse e fosse possível, não é assim. Imagine, marcávamos um referendo sobre a saída do euro e o BCE podia fazer a chantagem que entendesse, tinha os bancos na mão, e no estado em que estão. Não se pode [mais risos]. Eles continuam com a ideia do referendo e eu desconfio que eles não querem mesmo sair do euro.
Faz uma avaliação negativa dos 20 meses de Governo Renzi?
Foi um desastre. No fundo, a única coisa que conseguiu fazer foi propaganda. Realmente, a pior coisa que fez foi nos bancos, aceitar aquela lei louca do bail-in [regra europeia que exige que os accionistas e credores dos bancos assumam perdas antes dos Estados]. Aceitar esta lei num sistema bancário como o italiano, muito dependente do privado, da confiança dos credores nos bancos, foi destrutivo. As pessoas começaram a levantar dinheiro, porque não se sentiam seguras. A questão mais grave que era a do [banco] Monte dei Paschi, não quis tratá-la.
O que é que teria feito?
A questão do Monte dei Paschi devia ser concluída com a nacionalização completa do banco.
Completa?
Sim, deve ser adquirido pelo Estado com o acordo dos credores. E é obrigatório impugnar a normativa do bail-in porque se não é impossível. Começa-se a pôr algum dinheiro num banco e vai sempre crescendo. Estamos a falar de milhões, não de trocos. Se o BCE não sabe avaliar qual é a solvência de um banco, quantos são os milhões que fazem falta… Nós queremos que os cidadãos e os credores sejam informados.
Mas isto está a acontecer em vários países. É um problema maior.
É como se estivessem a usar uma arma. Considero que está a acontecer a segunda parte de uma guerra na Europa, uma guerra financeira. A primeira guerra, que já viu o fim, foi a das dívidas soberanas, em 2008. Usaram a arma dos títulos de Estado para constranger tantos países a fazerem o mesmo, a porem-se de joelhos e a pedir ajuda, ou para pagar dívidas, como no caso de Itália, ou a pedir empréstimos, como no caso de Portugal. O importante era que os países estivessem subalternos. Não se considera suspeito que ninguém quisesse títulos de Estado e agora esteja tudo bem? Não é por estarmos melhores, os valores são decididos pelo BCE, que é quem define valores e pode tirar as garantias. Se se tira as garantias a determinados títulos de Estado ninguém os compra, se lhes dá garantia acontece isto. Agora, passou-se aos bancos. Por causa da recessão, todos os países da Europa do Sul – o Euro impede o crescimento – acumularam muitos débitos que não restituíram. Os bancos emprestam às empresas, se as empresas faliram não pagam aos bancos. E então utilizam os bancos como nova arma para conseguir dinheiro às pessoas.
Não há má-fé na acção dos responsáveis? Todos os problemas são uma consequência da recessão?
Principalmente, são uma consequência da recessão. E em qualquer caso, quem não tem culpa é um cidadão responsável que usa o seu banco e acredita que é controlado pelo BCE.
Como se faz para forçar uma mudança? É preciso pensar em sair do euro?
Sair do Euro é a única forma para voltar a crescer. Se o problema fosse só dos bancos bastaria, decidir que todas as faltas de capitalização ou outras dos bancos seriam cobertas pelo BCE. O Banco Central Europeu acaba de criar 1,1 biliões de euros em divisas… Quer dizer, não era preciso isto tudo para garantir a segurança dos bancos.
Quem é que tinha de convencer?
Enfim, é preciso convencer os alemães que foram os que organizaram esta arma. Por isso é que eu digo que temos de sair do euro. Queremos convencer gente que nos quer de joelhos a fazer a coisa certa. É preciso sair do Euro, recuperar poderes para fazer as coisas normais. É preciso que os nossos produtos, qualquer coisa que possa ser fabricada ou feita em Itália ou Portugal, volte a ser conveniente para o resto do mundo.
O seu plano é conhecido mas nunca foi feito. Não há muitos imponderáveis?
Como em tudo, há riscos de execução. Mas por um lado temos riscos de execução, do outro temos a certeza do desastre. Se continuamos assim não há forma de evitar que tudo fique pior.
É uma escolha sem recuo.
Evidente. Mas penso que quando um país como a Itália sair do euro, o euro não fica, não imagino que possa sobreviver. Veremos o que acontece, depende de cada país. Se, como eu espero, cada país, uma vez recuperada a soberania monetária, queira pôr-se de acordo para manter as outras coisas que fazem parte da UE.
O mercado livre.
Sim, é só a moeda. Tirando a moeda de tudo o resto que é a União Europeia, seria possível. Eu preferia que se começasse de novo, tornou-se um monstro que será recordado a par da União Soviética ou algo do género. Mas se quisessem sair da moeda e manter tudo o resto, pode fazer-se. Seja como for, há uma série de países da União Europeia que não têm euro.
Então, depende tudo dos governos, das vontades?
Sim, é preciso um país com coragem para dar o primeiro passo e compreender que fora se está bem. Não obstante, apesar do que se diz, toda a gente antecipava um desastre com o “Brexit” mas na minha opinião está a correr muito bem.
Há problemas nas negociações.
Sim, as negociações são sempre assim, mas os mercados que são os que antecipam o que pode acontecer, estão tranquilos e vêem que a incerteza vem da UE e não parte da Grã-Bretanha.
Mas e se a Itália sai e o euro termina, não há muitos riscos para outros países, que podem não ter preparado a saída?
É um bom ponto, mas eu penso que no fim as pessoas serão inteligentes. Os responsáveis vão sentar-se à mesa e vai sair daí um plano de desmantelamento válido para todos. Diz-se que não há alternativa, mas se um quiser sair e disser, “eu vou, querem que vá e provoque a confusão ou vamos todos e resolvemos os problemas de todos?”. Em qualquer caso, para accionar os procedimentos que permitam resolver os problemas de custos, de realização, é preciso perceber o grupo de países implicado, todos menos os que decidam juntar-se à Alemanha.
E depois da Itália?
Eu não penso que a Itália será o primeiro. À frente de todos, neste momento, está a França. Porque, de facto, Marine Le Pen, mesmo que digam que não vai acontecer, eu acredito que vai vencer.
E se Le Pen vencer as presidenciais de Abril e Maio a saída do euro vai mesmo acontecer?
Sim, sim, se vence vai fazê-lo. Nós temos contactos com Marine, eu estou em contacto com a Frente Nacional, até por estarmos no mesmo grupo no Parlamento Europeu, trabalhamos juntos nesta matéria, sei que vão avançar mesmo.
O mais provável em Itália é que a Liga se alie para governar.
É verdade que pensamos em unir-nos, mas alguns destes partidos não nos convencem em relação aos temas do euro e da União Europeia. Por exemplo, venceríamos de certeza se nos aliássemos ao Movimento 5 Estrelas, era uma vitória segura. Uma aliança com o único objectivo de sair do euro.
Neste ponto estão de acordo.
Sim, é verdade. Mas eles continuam a dizer que querem fazer o referendo, e isso é impossível, por causa da lei italiana. Em Itália não é possível referendar um tratado europeu sem mudar a Constituição…
Mudar a Constituição não se consegue.
Pois [risos], imagine, é melhor nem nos metermos nisso. Mesmo que por hipótese se avançasse e fosse possível, não é assim. Imagine, marcávamos um referendo sobre a saída do euro e o BCE podia fazer a chantagem que entendesse, tinha os bancos na mão, e no estado em que estão. Não se pode [mais risos]. Eles continuam com a ideia do referendo e eu desconfio que eles não querem mesmo sair do euro.
É possível que seja em Junho mas muita gente diz que será em Setembro porque [risos] os parlamentares em Setembro já podem ter pensão. Pode ser que usem os regulamentos jurídicos do Parlamento para arrastar a situação. É um pouco triste.
Seja como for, antes da Alemanha, em Outubro ou Novembro?
Sim, acredito que antes da Alemanha. O ideal para nós seria ao mesmo tempo que a França.
Há tantas análises alarmistas sobre o fim do euro e o futuro da Europa. Tem uma visão diferente.
Claro, porque se a Europa se dissolve não resulta daí nada de negativo. Tal como sempre houve análises excessivamente optimistas sobre como se ia resolver estas crises e eu sempre disse que não ia ser assim.
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