26.11.2016 às 17h14
“Fidel morreu, paz à sua alma. Mas não morreu um humanista ou um democrata, ou sequer um grande estadista, a menos que queiramos considerar dessa forma qualquer vulgar ditador.” Crónica de Henrique Monteiro, no dia em que Fidel Castro morreu, aos 90 anos
Na Grande Regata dos Países Socialistas, realizada na baía de Havana, o relatador da rádio entusiasmou-se com o facto de Cuba ir em terceiro. “Passou a segundo, deixando para trás a República Democrática Alemã, só falta ultrapassar a União Soviética”, gritava. E agora, perto da meta, Cuba luta pelo primeiro lugar, com a URSS. “Só mais um esforço”, pede o autor do relato, “só mais um esforço”. Sim, Cuba ultrapassa a URSS e continuam a remar com força, passam a meta e continuam a remar, sempre com mais força, até que, desesperado, o radialista grita: “Agarrem-nos, que fogem para Miami”.
O sucesso desta anedota, juntamente com aquela que dizia ser Cuba o maior país do mundo – com o Governo em Moscovo, a tropa em Angola e o povo nos EUA – mostra bem que, apesar do comunismo, das prisões, dos fuzilamentos ordenados por Fidel e Che, entre outros, o povo não perdeu o humor.
Sim, Cuba é um país de festa e em festa para alguns intelectuais orgânicos dos partidos comunistas e seus compagnons de route. Mas nunca o foi para o seu próprio povo, nem durante Fulgêncio Batista e o seu Governo corrupto e a sua economia de casino dominada pela Mafia, nem durante os 55 anos, que ainda se arrastam a custo, em que Fidel – e depois o seu irmão, como em todas as monarquias comunistas que se prezem – governou.
Fidel morreu, paz à sua alma. Mas não morreu um humanista ou um democrata, ou sequer um grande estadista, a menos que queiramos considerar dessa forma qualquer vulgar ditador. Morreu um homem que dominou com punho de ferro um povo que ludibriou constantemente, que se entregou nos braços da União Soviética, quase sem reservas, que encarniçou a guerra civil em Angola, apoiando o MPLA de tal modo que o MPLA se fartou do apoio.
Cuba merecia, certamente, melhor destino.
Por isso, meus camaradas jornalistas, façam a justiça de noticiar este evento com o mesmo distanciamento que mostram face a qualquer um. Não se é melhor ou pior por se esperar o julgamento da História. A democracia é tramada, permite julgamentos a curto prazo e a longo ninguém se lembrará de Fidel. Foi mais um, de uma extensa galeria, de que fazem parte Mugabes, Obiangs, Josés Eduardos dos Santos, Erdogans, Pinochets, Videlas e tantos outros.
Distanciem-se, não caiam na cantiga dos nossos comunistas e dos nossos amigos de Cuba. Não desejavam, seguramente viver assim, com uma verdade oficial, com uma polícia secreta ao vosso lado, com jornalistas independentes presos. Não quereriam, recusariam, a menos que fossem do mesmo apparatchik do que a classe dirigente.
Eu, por mim, estou sinceramente cansado da hagiologia, da santificação do fidelíssimo Castro. Ok, morreu e de velho, ao contrário de muitos que mandou matar. Não sou cruel ao ponto de lhe desejar mal, mas manda a verdade que se diga a verdade:
Morreu um ditador!
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