terça-feira, 29 de novembro de 2016

Como reagirá Juliana ?

Jessemuse Cacinda

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Está a circular uma campanha nos canais televisivos e nas redes sociais, chancelada pela Fundação Clarice Machanguana e que se propõe a promover hábitos de vida saudável aos seropositivos. A campanha em referência, promove quão o uso de antiretrovirais pode deixar a pessoa saudável e aconselha aos moçambicanos para fazerem o teste de HIV e conhecer o seu estado para permitir que tenham tratamento quanto antes.
Nesta campanha a qual vai a minha devida vénia pela iniciativa, algo chamou-me atenção. Um vídeo em que é apresentada a Juliana, uma rapariga que nasceu com HIV. Sem dizer uma palavra sequer, mas ensaiando o sorriso que caracteriza uma criança, a Juliana é exposta e a sua felicidade associada ao consumo de antiretrovirais.
Neste filme, a actriz principal, não tem voz, ou seja, há quem fala por si e a sua face embrulhada entre a imagem e movimento, características imprescindíveis do cinema. De certo, pode-se dizer que tudo foi feito para que a história fosse muito bem contada.
Mas a actriz é uma menor de idade, ou seja, sob o ponto de vista legal, alguém responde por si. Provavelmente esta particularidade terá sido respeitada para que se fizesse a gravação. Aliás, a mãe da própria rapariga também aparece no vídeo convidado aos telespectadores para que não deixem que o HIV os afaste das pessoas que mais amam.
Jesemusse Cacinda
Jessemusse Cacinda é jornalista moçambicano. Formado em Filosofia/História pela Universidade Pedagógica e Mestrando em Sociologia Rural e Gestão de Desenvolvimento pela Universidade Eduardo Mondlane. Tem uma larga experiência na comunicação social, tendo trabalhado na Rádio Moçambique e agora no Centro de Apoio a Informação e Comunicação Comunitária, um projecto baseado na Universidade Eduardo Mondlane. Comenta em programas de rádio e televisão e tem artigos de opinião dispersos pela imprensa escrita no país e no estrangeiro
Será que quando tiver idade para discernir a Juliana vai ficar feliz quando olhar para estes vídeos em que é exposta como seropositiva? Se ela tivesse idade para responder por si, teria aceitado fazer parte do vídeo? E se a resposta for contrária? Como ficam os danos causados a imagem desta pobre rapariga?
E como será o relacionamento desta rapariga com as outras crianças com as quais convive na escola ou mesmo na sua circunscrição residencial? A descriminação que sem dúvidas irá passar não vai afectar a sua integração social?  Não seria bom esperar que ela tivesse idade para melhor decidir? Ou melhor se a ideia é mostrar que as crianças podem ser felizes e saudáveis, mesmo com HIV, não seria ideal trazer uma mãe a contar a história da filha, sem necessariamente expor a imagem de tal filha? Ou então porque não entrevistar uma rapariga que já tenha 18 anos e que nasceu com HIV?
Estas questões despertam um monte de reflexões sobre os direitos humanos no geral e das crianças em particular, tendo em conta que ela não decidiu pessoalmente.
A Juliana é apenas uma criança que deve crescer e optar pelas suas escolhas. Por isso, os pais e adultos devem assegurar este desiderato. A dignidade de qualquer pessoa deve ser assegurada e os adultos não devem de forma alguma pautar por decisões que coloquem em questão a inserção social das crianças.
Cada um pode revelar em público o seu estado de saúde, sem que ninguém o faça por si. Até que ponto, o direito que os adultos têm sobre as crianças os permite transpor a sua dignidade? Até que ponto, a comunicação de massas pode deixar de ser reflexiva diante de situações em que pode se ganhar dinheiro?
Esta constatação chama atenção aos pais a pensarem antes de expor os seus filhos a qualquer situação. Assim, como as instituições, como a Fundação Clarice Machanguana a reflectirem sobre os danos que podem causar a moral da sociedade, antes de expor crianças. O facto dos representantes legais das crianças consentirem não reflecte a sua própria opinião.

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