terça-feira, 29 de novembro de 2016

A direita tranquila


François Fillon em França, tal como a continuação de Merkel na Alemanha ou a liderança de Theresa May no Reino Unido, poderão ser o último reduto contra os extremismos baseados no medo da globalização
No rescaldo das eleições americanas encontramo-nos tão submersos com opiniões acerca do populismo, nacionalismo, racismo e outras derivas mais ou menos autoritárias, retrógradas e iliberais que corremos o risco de não atentar nas alternativas pragmáticas, mas firmes, conservadoras mas plurais, populares, mas não demagógicas, como a simbolizada por François Fillon que acaba de ganhar as primárias do centro-direita em França.
No seu discurso, após a clara e surpreendente vitória do passado domingo, François Fillon afirmou que “alcancei uma vitória de fundo baseada em convicções. Há três anos que traço o meu caminho ouvindo os franceses, com o meu projeto e com os meus valores. A minha iniciativa foi compreendida, a França não suporta o seu abandono. A França quer a verdade e a França quer atos”.
Olhemos então para a proposta de Fillon, que já aparece denominada como “a direita tranquila”, para aquilatarmos da sua novidade, assim como da sua valia eleitoral, no ciclo de consultas democráticas que terão lugar nos tempos mais próximos.
Fillon caracteriza-se a si próprio como defensor da verdade perante os franceses. Liberal na economia, conservador nas questões sociais. Liberal na política interna, conservador nos assuntos europeus e internacionais. Defende um conservadorismo renovado, adaptado à modernidade, onde a liberdade se conjuga com a tradição. Apresenta-se como uma força tranquila, à frente de uma direita tranquila.
Admirador de Charles De Gaulle, liberal clássico, propõe-se reduzir a tradicional burocracia francesa, aumentar a competitividade da economia, introduzir rigor nas contas do Estado, reduzir o número de funcionários públicos, aumentar o tempo de trabalho, introduzir quotas para os imigrantes, a partir do modelo de sucesso australiano, bem como defender uma agenda patriótica em torno dos valores do cristianismo e da família tradicional.
A revista Le Point, por exemplo, apelida-o de “l’incroyable monsieur Fillon”, tal o grau de surpresa que a sua vitória nas primárias do centro direita acabou por causar. Outra revista, L´Express, afirma estarmos com Fillon perante o regresso ”d’un désir de droite”. Já para o jornal Financial Times, a emergência de Fillon como líder do centro-direita, mostra que os votantes conservadores em França estão preparados para rechaçar o avanço da moda populista encabeçada, quer pela extrema-direita, quer pela extrema-esquerda.
Com Fillon, poderemos estar perante o regresso a um centro vital de cunho marcadamente conservador cheio de força e energia para estancar a irracionalidade das escolhas emotivas, cujo desfecho será inevitavelmente menos liberdade e menos prosperidade para todos. Ou seja, este centro conservador representa uma nova “direita tranquila” que acaba de brotar na paisagem política francesa.
Curiosamente, em Portugal, a crer nas últimas sondagens, a solução governativa apoiada na extrema-esquerda e assentando num “populismo brando”, tem conseguido estancar qualquer veleidade maior de um populismo ou nacionalismo mais radical.
Ao contrário, portanto, da tendência crescente em muitos países por essa Europa fora, de que a França poderá ser atualmente o melhor exemplo, a excecionalidade portuguesa talvez se explique por muitas razões, mas a razão preponderante poderá estar, sobretudo, na nossa vacina recente face ao “autoritarismo” do pré 25 de Abril, associada a uma direita que, nos últimos quarenta anos, nunca se quis assumir como tal.
Infelizmente, sempre nos faltou uma “direita tranquila” capaz de defender o interesse patriótico e nacional para lá dos interesses de grupo ou de classe.
Mas voltemos a Fillon e à sua proposta para governar a França.
Parece, então, assentar num programa e numa personalidade como a do antigo primeiro-ministro, o antídoto francês e consequentemente europeu, para evitar a onda populista e demagógica que ameaça alastrar por uma boa parte do mundo.
A grande incógnita será se a França, histórica nação da “rua” e das “revoluções” em defesa do centralismo público de raiz bonapartista, estará preparada para a nova revolução no coração do Estado, diminuindo a sua dimensão e a sua despesa, mas recuperando a sua força em defesa da república e dos valores tradicionais face aos seus inimigos demagógicos que a podem voltar a encaminhar para o “terror” (período pós revolução francesa de 1789).
Será que o seu programa, a sua visão, de uma direita tranquila, poderá trazer François Fillon para o cimo do cenário político francês, ajudando a equilibrar e estabilizar a Europa em torno de soluções razoáveis, à margem da demagogia, do populismo e do nacionalismo ressurgentes?
Paradoxalmente ou não, a alternativa François Fillon em França, tal como a continuação de Angela Merkel, na Alemanha, ou ainda a liderança de Theresa May no Reino Unido poderão ser o último reduto contra os extremismos baseados no medo da globalização, contra o poder difuso da multidão ou o relativismo moral multiculturalista que têm fraturado a sociedade europeia.
Se tal vier a acontecer em França, pode ser que François Fillon consiga romper com a célebre afirmação de Marx de que os indivíduos fazem a história, mas não em circunstâncias por eles escolhidas. Neste caso Fillon escolheu as suas circunstâncias, para lá de todas as expectativas, da comunicação, das redes sociais e dos seus próprios adversários…
Professor universitário

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