Será sanha por um pedaço da nossa história?!
A autoria do texto que se segue é atribuída a Elísio Macamo (busto à esquerda, nas imagens). Decidi partilhar o texto aqui, porque tem coisas que me incomodam, quiçá por mau entendimento. O meu comentário, algo extenso, vai a seguir ao texto partilhado. Peço a tua opinião.
------ INÍCIO DE TEXTO PARTILHADO ------
Ídolos
Você ganha a verdadeira dimensão do problema dum país e começa a perceber porque não pode estar em paz, quando você vê por todo o lado gente insuspeita, sensata e até pacata a morrer de saudades dum passado que nos trouxe até onde estamos. Gente que fecha a mente aos ensinamentos da história e se agarra a uma versão do passado que outra função não tem do que fustigar a sua indignação pelo que não está bem hoje.
Doi profundamente ver a exaltação dum período da história em que a diferença de opinião era razão de exclusão do convívio patriótico, em que se aceitava a morte de milhares e milhares de compatriotas como o preço a pagar pelas preferências ideológicas dum grupo sem que essas pessoas tivessem tido a oportunidade de decidir se queriam ou não pagar esse preço, em que uma lei podia ser promulgada espontaneamente ao som dum assobio arrogante, em que a punição por crimes económicos (ou de guerra) era, como nos tempos medievais europeus, execução em praça pública, em que se obrigava crianças de escola a ficar horas e horas fechadas num comício a ouvir as lucubrações dum indivíduo, em que o discurso bonito sobre o bem-estar do povo não via nenhuma incongruência na existência de lojas especiais para "dirigentes" que deviam ser, segundo a ideologia oficial, os primeiros nos sacrifícios e os últimos nos benefícios, enquanto o povo minguava, em que, enfim, não havia liberdade de expressão, de religião, de pensamento, de associação, de quase nada.
Quando alguém hoje me diz que é por um Moçambique democrático, respeitador dos direitos humanos e pela boa governação, mas tem saudades dum tempo em que Moçambique não quis ser isso, tenho dificuldades de o tomar a sério. Muitas mesmo. Mas percebo. Doutro modo, não haveria como explicar porque vivemos na confusão. Vem das nossas mentes.
------ FIM DE TEXTO PARTILHADO ------
A seguir vai o meu comentário, extenso.
Eu tenho de dificuldades de compreender a sanha do Elísio Macamo com um pedaço da sua própria história. Samora Machel foi o fundador da primeira república no território que o mundo hoje conhece como "República de Moçambique". Durante 11 anos, Samora Machel dirigiu essa primeira república moçambicana, que entretanto se metamorfoseou para hoje ser "República de Moçambique". No tempo de Samora Machel como seu presidente, esta terra chama-se "República Popular de Moçambique". Foi com este nome que Moçambique nasceu como país e os cidadãos começaram a ter nacionalidade própria, original.
Que eu saiba, todas as repúblicas ou reinos que existem no mundo contemporâneo tiveram cada uma as suas metamorfoses. Algumas começaram por serem feudos; outras, impérios; outras ainda, reinos (e algumas continuam reinos neste momento que estou a escrever); e hoje são repúblicas constitucionais, democráticas, socialistas, federativas, etc. Qualquer uma dessas repúblicas teve momentos tenebrosos. Não celebram esses momentos da sua história por terem sido tenebrosos? Bem, acho que nem por isso.
Então por que Moçambique não iria celebrar a sua história na íntegra? Celebrar a vida e obra de Samora Machel não é considera-lo imaculado; não é dizer que ele foi um Santo. Mesmo os "santos" canonizados não foram esses "Santos". Homem algum neste mundo não comete nenhuma atrocidade; Homem nenhum neste Universo poder ser um verdadeiro Santo. Na minha opinião, celebrar a vida e obra de Samora Machel não é pregar que ele foi ídiolo; não é idolatrá-lo. Celebrar a vida e obra de Samora Machel é simplesmente enaltecer o que ele fez, ou foi, e que o povo se sente bem recordando e quer ver perpetuado como bom exemplo de vida.
Qual é o problema em atribuir-se ao Aeroporto Internacional de Maputo um nome que tenha a ver com um período tenebroso da história da república moçambicana? "Aeroporto Internacional Samora Machel – AISM" não seria um bom nome porquê? Porque na república dirigida por Samora Machel não havia liberdade? Quando, por exemplo, os norte-americanos celebram hoje os 240 anos história da história da sua república subtraem o tempo em que a escravatura era legal em todos os estados que compõem aquela república?
Enfim, o que é que Elísio Macamo quer que os moçambicanos entendam com os argumentos que ele cisma em arrolar contra a parte da sua e nossa história colectiva que corresponde ao período em que Samora Machel foi Presidente de Moçambique? Eu pergunto porque ainda não entendo. Quem sabe, talvez uma explicação pudesse ajudar-me a compreender o ponto que o Elísio Macamo está fazendo com o seu argumento contra as boas recordações dos primeiros 11 anos da república moçambicana, porque ninguém está a dizer que foi tudo bonito?! Chego até a pensar que o Elísio Macamo é obcecado pela liberdade. Só que em Moçambique as pessoas hoje não têm fome da liberdade, mas sim da justiça. O discurso de Samora Machel nesse tempo que Elísio Macamo chama "tenebroso" da nossa história está alinhado com a necessidade dos moçambicanos de matar essa fome pela justiça. Isso explica que Samora Machel seja hoje querido ou idolatrado, apesar de tudo. Afinal o que é preciso para agradar um povo? É ir ao encontro das suas necessidades. Eu até acho que o discurso de Samora Machel deveria ensinar pessoas como Elísio Macamo e aos nossos políticos sobre as verdadeiras necessidades dos moçambicanos. Desde a independência desde país (Moçambique) que a fundamental preocupação da maioria dos moçambicanos NUNCA foi a liberdade, mas sim a justiça. Então façamos justiças combatendo veementemente a corrupção, pois é a corrupção que priva as pessoas da justiça!
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PS: Eu não vejo mérito nos argumentos de Elísio Macamo contra a petição para a atribuição do nome de Samora Machel ao Aeroporto Internacional de Maputo. Por isso, eu assinei a petição. Assinei-a porque não vejo mal nenhum em que o Aeroporto Internacional de Maputo seja chamado "Aeroporto Internacional Samora Machel", se esta for vontade de um número significativo de pessoas. Até porque a iniciativa nem é do Governo de Moçambique, mas sim de uma organização da sociedade civil, nomeadamente o "Parlamento Juvenil". O nome de Samora Machel não só está ligado a coisas más, qual a privação da liberdade que o Elísio Macamo defende com algum equívoco; o nome de Samora Machel também está ligado a boas coisas, qual o seu discurso contra a corrupção que constitui um verdadeiro entrave à liberdade e justiça plenas em Moçambique. Eu sou da opinião de que Samora Machel cometeu injustiças inadvertidamente, lutando pela justiça plena para os moçambicanos. São as boas intenções de Samora Machel que o povo celebra, sem equívocos.
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