sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Cartas ao Presidente da República (29)

"Dá a entender que o comando governamental, e quiçá do partido, é bicéfalo"


Eureka por Laurindos Macuácua

Tudo bem, Presidente?
Hoje resolvi dizer-lhe isto: o povo moçambicano está desapontado com todos os políticos ineficazes, que não resolvem os seus problemas, inclusive o Presidente Nyusi.
O povo moçambicano está cansado de ouvir o Presidente que só é Presidente graças ao seu voto a dizer que na sua cabeça só cabe a palavra paz, paz e paz, enquanto no terreno manda soar as Kalashnikovs.
Há aqui uma questão que o Presidente ainda não me respondeu. Vou insistir até onde puder: afinal quem manda na Frelimo?
É que na minha cabeça, e nas dos demais moçambicanos, não cabe que o Presidente que elegemos diga reiteradamente que só quer a paz, quando, por outro lado e sorrateiramente, manda as Forças de Defesa e Segurança atacar o mais directo interlocutor para a paz em Moçambique.
Dá a entender que o comando governamental, e quiçá do partido, é bicéfalo.
Enquanto o Presidente apregoa que é pela paz, um outro dirigente manda soltar o exército subserviente ao partido no poder- para que no terreno gore todas as tentativas com vista ao alcance da paz, pela via do diálogo.
Vem tudo isto à propósito das recentes declarações do líder da Renamo. Afonso Dhlakama acusou o exército de ter tentado atacar no último Sábado o local onde se iria encontrar com uma delegação de mediadores das negociações, inviabilizando a reunião secreta.
Dhlakama disse que, a pedido do Presidente Nyusi, se iria encontrar com Mario Raffaelli e Jonathan Powel, representante do ex-Primeiro-ministro britânico Tony Blair nas negociações de paz, algures em Gorongosa, mas uma movimentação do exército no local da reunião e confrontos com o braço armado da Renamo inviabilizaram o encontro.
Há aqui alguém que é falso. E essa pessoa, de certeza, não é Afonso Dhlakama- pelo menos desta vez. O que aguça mais a minha inquietação é o facto de Angelo Romano, representante da União Europeia na equipa de mediação internacional no
actual processo negocial de paz em Moçambique, se ter fechado em copas quando questionado se houve ou não essa tentativa de emboscada denunciada por Dhlakama.
Não há quem não sabe que quem cala consente!
Os moçambicanos estão cansados de ouvir sempre o mesmo estribilho de que quem quer a guerra é a Renamo. A Frelimo, afinal, o que quer? Paz é que não! E começo já a duvidar das suas palavras, Presidente, de que na sua cabeça só cabe a palavra paz.
É que o rearmamento das Forças de Defesa e Segurança não é de hoje.
Data de 2012 quando, à socapa, foram feitos empréstimos que fazem com que a economia moçambicana agonize. Maior bolo dos dois mil milhões de dólares ocultados da comunidade internacional foi canalizado à Ematum, Proindicus e MAM, todas empresas de segurança, o que dá a entender que nessa altura a via militar não havia sido colocada de lado.
E nessa altura, o ministro da Defesa e Segurança era Filipe Nyusi, ora Presidente da República. Obviamente que participou de tudo e sabe muito bem dessa agenda de guerra contra a Renamo.
Duvido muito que as negociações em curso possam ter sucesso. Não acredito num acordo de paz eficaz. Se estivéssemos em 2019, ano eleitoral, tudo seria diferente. Até sabem recensear Dhlakama no mato mesmo depois do prazo para o efeito ter-se esgotado.
A Frelimo está numa situação dilemática. Quer a paz e ao mesmo tempo move uma guerra não declarada. E isto só pode acentuar a desorganização e estagnação do partido, devido à falta de foco.
Quais é que são as soluções para esta economia em agonia? Qual é a principal mensagem da Frelimo, que é o Governo, para que se vença esta crise? Nós não elegemos um Presidente só para inaugurar um centro de abastecimento de água do FIPAG, no Intaka, ou um hospital provincial na Zambézia. Não queremos um corta-fitas.
Queremos um Presidente que saiba liderar, exemplarmente, este povo.
Pelo rumo que as coisas estão a tomar, creio eu que em 2019 se vai quintuplicar o número de eleitores que depois de votar, guarnecerá o seu voto para ter a certeza que foi para o candidato escolhido. Até porque, para simplificar, isto devia ser de lei. No pacote eleitoral incluir-se-ia mantas para que os eleitores possam, confortavelmente, agasalhar-se quando a ocasião o exigir, enquanto vigiam, noite adentro, o destino do seu voto.
DN – 28.10.2016

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