Por João Mosca
Nos últimos tempos existe a publicidade/propaganda governamental transmitida em cadeias de televisão com o “slogan” “Moçambique avança”. Depois de umas imagens com alguém referindo alguma melhoria em algum aspecto da sua vida, termina-se com “Moçambique avança”. Todos nos recordamos de que a economia da Pérola do Índico “ia bem”. Sim, ia bem para um grupo muito restrito de pessoas ligadas ao poder.
Os que questionavam, duvidavam ou mesmo contrariavam que “ia bem”, eram apelidados de vários adjectivos por pessoas sobre as quais, hoje, recaem sérias dúvidas de práticas de corrupção de alto nível. Já não existem dúvidas quanto à prática de ilegalidades constitucionais, falta de transparência na gestão governativa, uso de recursos do Estado para utilizações/opções económicas de oportunidade questionável e para aquisição de armamento em preparação da guerra e da repressão de cidadãos.
Hoje, existe o desplante desavergonhado com a afirmação de que “Moçambique avança”. Duvido que algum cidadão moçambicano acredite nisso, inclusivamente os que aparecem nos “spots” publicitários. E, mais grave, da própria elite governamental e partidária. Estamos habituados à mentira como filosofia e instrumento do poder, encoberto por “slogans” vazios. Por favor, senhores governantes, não mintam. Se o fizerem, que sejam, pelo menos, inteligentes. Se “desconseguem” ser inteligentes, que sejam, no mínimo, espertos.
Com a inflação a mais de 22% (será muito superior, pois a forma de cálculo é enganosa, no sentido de não reflectir a inflação real do conjunto da economia e do território nacional), o metical com uma desvalorização de mais de 100% em 12 meses (não me reporto à taxa de câmbio do Banco de Moçambique, que ninguém segue e acredita), com taxas de juro de mais de 30% (que nada tem a ver com a taxa de referência do Banco de Moçambique), com as dificuldades de realizar pagamentos ao exterior, com a falência diária de dezenas de empresas, incluindo de um banco, com dificuldades de realizar pagamentos aos funcionários, com a paralisação de obras de investimento público e privado, com atrasos do Estado no pagamento às empresas por serviços prestados, com o desemprego a crescer, com a classificação de Moçambique como lixo pelas empresas de “rating” internacional, com a perda de posições do país em classificações internacionais como o da competitividade internacional e do Índice de Desenvolvimento Humanos… e muito mais…, o Governo de Moçambique gasta dinheiro em propaganda enganosa com a afirmação de que Moçambique avança.
Avança em quê?
E o mais grave não é porquê Moçambique (não)avança. O grave é que o Governo de Mo- çambique anda no faz de conta. Anda a reboque dos jogos de (des)equilíbrio da Frelimo, tentando esconder os responsáveis, sabendo que existe um acordo de cavalheiros com o FMI para a não divulgação dos responsáveis pelas ilegalidades, falta de transparência e corrupção, que pode atingir o grau de bandidagem internacional.
O Governo de Moçambique, numa atitude cínica, faz uma solicitação de meio perdão para que o FMI avan- çasse com algum financiamento enquanto se realiza a auditoria, o que demonstra claramente que não compreendeu a gravidade da dívida, dos seus procedimentos e das ilegalidades cometidas. Pensa-se que o FMI é maleável a situações não transparentes, sobretudo quando as suas regras foram agredidas por Moçambique. É demasiada a coincidência da sequência da deslocação a Washington – reunião com o FMI – reunião com membros do Governo americano – reunião com as multinacionais do petróleo e gás – demissão do ministro dos Recursos Naturais – assinatura do acordo com as petroleiras pela ENI sem ministro em funções.
Se outrora se falou sobre a indicação externa de um primeiro-ministro, agora porquê não se especule com a demissão externa de um ministro da República?
É com isso, diz alguém do Governo, que se pagarão as dívidas ocultas em pouco tempo. E, assim,… Moçambique avança. Não sendo suficientes as dívidas ocultas, saltam mais outras escondidas, como as da LAM e Aeroportos de Moçambique.
E o que falta de dívidas das empresas públicas?
O surgimento de uma suposta dívida de 900 milhões de dólares merece a resposta do Governo, solicitando que as fontes apresentem provas. As dívidas da Ematum, também conhecidas a partir de fora, não tinham provas, eram do foro privado, e assim a Frelimo evitou, numa primeira tentativa, a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito. Não se fala que, afinal, a dívida oculta não chega a representar 20% do total da dívida do Estado. E sobre os 80%, não se fala.
Qual a constituição dessa dívida, com quem e por quem foi contraída, qual a aplicação e qual a legalidade das mesmas, parece não constituir preocupa- ção do Governo. Nesses tempos, em que as ocultas estavam ainda escondidas, essas dívidas eram boas, porque promoviam o desenvolvimento. Mesmo já depois de conhecidas as ocultas, um dirigente da Frelimo, em banja “a la” Grupo Dinamizador, afirma analfabeticamente (em termos económicos) que a dívida está a desenvolver Moçambique.
Enquanto o FMI e os doadores não desbloqueiam financiamentos e donativos, conhecem- -se mais negócios que levam os parceiros a suspender e mandar averiguar, como é o caso da aquisição de aviões pela LAM, da suspensão do financiamento da barragem Moamba-Major. Entretanto, o Governo procura dar saltos para a frente esperando que indianos e chineses sejam a salvação. Quando o investimento cai em cerca de 80%, eis que alguns ministérios arquitectam reuniões nacionais para incentivar o investimento (sobretudo externo), com mais propaganda acerca das potencialidades, oportunidades e receptividade do Governo, porque, afinal,… Moçambique avança.
E também não há provas de quem anda a assassinar cidadãos. Carlos Cardoso, Siba-Siba Macuácua, Gilles Cistac, José Jaime Macuane, Jeremias Pondeca, juízes e tantos cidadãos conhecidos e desconhecidos, são abatidos e… no Moçambique que avança, não há provas.
Também não há provas de quem matou Mondlane, Samora, Kankhomba, Filipe Magaia. Com ou sem provas, o Estado é o primeiro e único responsável pela segurança dos cidadãos, e a polícia e o sistema jurídico, responsáveis pela investigação eficaz que leve à descoberta dos assassinos e seus mandantes. Ao Estado se podem pedir responsabilidades e, sem qualquer dúvida, se pode afirmar ser um Estado frágil com instituições incompetentes.
Não há provas de dívidas e seus actores, não há provas de assassinatos, de raptos,… e Moçambique avança. Não há provas porque, a havê-las, porventura seriam reveladoras da podridão do regime que tem raízes no seu ADN. A Frelimo não discute os problemas do povo e do país, porque, possivelmente, muitas contas teriam de ser prestadas e responsabilidades apontadas e assumidas. E isso poderia ter consequências no partido que dizia que “une organiza o povo moçambicano”.
E enquanto Moçambique avança, as reuniões de quadros da Frelimo e do Comité Central, dedicam-se à discussão de questiúnculas partidárias, sem que os grandes problemas da pátria amada sejam discutidos. A fome e a pobreza, a crise económica e a guerra, os assassinatos e os raptos, a imagem do país, parecem coisas de extraterrestres ou, sendo terrestres, são coisas menores, de antipatriotas. E assim a Frelimo se revela cada vez mais encerrada em si própria.
A Frelimo parece que tem medo de discutir os problemas da nação. Que povo representa esta Frelimo, mesmo que, admitamos, tenha ganho as eleições?
O povo desapareceu dos discursos, das acções e da política e dos objectivos do desenvolvimento. O rei, não parece, mas, tudo indica que vai mesmo nu. E o povo sabe cada vez mais disso. E este Governo, não obstante ser constituído por alguns membros que merecem respeito (até provas em contrário), vai gerindo a mentira, o faz de conta e o cinismo na gestão da dívida, dos assassinatos, nas negociações para a paz, nas relações de fachada com a sociedade civil, no reforço camuflado da estratégia do “to pidir”.
Tudo isso e muito menos justificaria, em qualquer circunstância normal não moçambicana, a demissão do Governo. E se não se demitisse, certamente que o povo os teria empurrado para as páginas cinzentas da história.
Moçambique avança para onde, digníssimo Governo de Moçambique? O Governo não sabe, pois não?
Acredito que não, porque as barreiras “ocultas” da Frelimo escondem as razões de um Governo e de um Estado, que, embora tenha pessoas competentes e de boa vontade, se torna incompetente na resolução dos principais problemas do país e dos moçambicanos. E sobre isto também não há provas. Mentira, ocultação, incompetência, eis a trilogia do modo actual de governar.
Canal de Moçambique
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