A negociadora que entregou o seu irmão
Irmã advogada do suspeito pela morte de família brasileira o convenceu a voltar à Espanha
Madri
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Confiante na inocência do seu irmão, Hanna Nogueira Gouveia havia lhe recomendado que retornasse o quanto antes ao Brasil depois da morte de quatro parentes em circunstâncias trágicas e misteriosas numa pequena cidade da Espanha: “Ele podia ser o próximo da família a ser assassinado”, pensou. Mas, quando viu as provas contra o jovem, o convenceu a retornar ao país europeu, mesmo que isso significasse ser algemado ainda dentro do avião, como aconteceu na última quarta-feira. “Nas prisões do Brasil não havia garantias à integridade física dele”, disse. A irmã de Patrick Nogueira Gouveia, de 20 anos, único suspeito de ter degolado e esquartejado um casal de brasileiros e seus dois filhos num chalé de Pioz (Castela-La Mancha), foi quem negociou a entrega do irmão desde o começo, primeiro com as autoridades brasileiras, e depois com a Guarda Civil espanhola. Sua única condição era que houvesse garantias à integridade física do suspeito.
Foi ela quem procurou o conhecido advogado Eduardo de Araújo Cavalcanti, que assumiu o caso achando que seria “uma coisa simples”, até se deparar com uma carta rogatória de um juiz espanhol solicitando a extradição de Patrick pelo quadruplo assassinato de seus familiares. Ele é acusado de ter matado a facadas seu tio Marcos Campos, a mulher dele, Janaína, ambos de 39 anos, e os dois filhos do casal, de 1 e 4 anos.
Cavalcanti aguardava Patrick quando este chegou ao Brasil, em 22 de setembro, dois dias depois de agentes da Guarda Civil encontrarem os corpos das vítimas em sacos plásticos, dentro do chalé de Pioz. Sua irmã havia se encarregado de contratar o advogado que o levou para depor à polícia brasileira. Declarou-se inocente. E ficou em liberdade.
A viagem de Hanna
Mas a insistência dos investigadores da Guarda Civil e do juiz espanhol, junto com as provas colhidas no local do crime (uma pegada, uma gota de suor com seu DNA, um telefone celular que apontava sua presença na casa em 17 de agosto, suposto dia do crime...), terminou por semear as dúvidas na sua própria família – de classe média, cujos pais haviam bancado o sonho de Gouveia de tentar ser jogador de futebol na Espanha.
A Constituição do Brasil proíbe a extradição de cidadãos do país, mas um juiz se comprometeu a abrir um processo penal na Justiça brasileira. Foi então que Hanna veio à Espanha, viu uma boa parte do processo, conversou com os investigadores e com o juiz e retornou ao Brasil para convencer o seu irmão a se entregar.
“Ele não teria sobrevivido numa prisão brasileira”, disse Walfran Campos, irmão de uma das vítimas, após ficar sabendo do retorno de Patrick à Espanha. “Para garantir sua vida os pais dele teriam tido que pagar muito dinheiro aos carcereiros. No fim de semana passado degolaram 10 de repente numa penitenciária. E lá não perdoam quem mata crianças.” Patrick Nogueira deverá depor a partir das 14h desta sexta-feira (hora de Brasília) ao juiz do Tribunal de Instrução número 1 de Guadalajara, sede da província onde fica Pioz.
Prisão provisória
A Promotoria Provincial de Guadalajara pedirá a prisão provisória de Gouveia. A investigação da Guarda Civil, em coordenação com o tribunal de instrução local, determinou “sem dúvida nenhuma” que o rapaz assassinou e esquartejou o casal e seus filhos.
Os promotores partem do princípio de que Gouveia será acusado pelo duplo homicídio de Marcos e Janaína, podendo ser condenado à prisão perpétua com direito a revisão posterior da pena.
Patrick Nogueira retorna à cena do crime para reconstruir seu quádruplo assassinato
Patrick Nogueira Gouveia voltou na quarta-feira ao lugar onde cometeu o crime. Ele havia estado apenas uma vez naquela casa de Pioz (Guadalajara). Foi no dia 17 de agosto, quando matou — de acordo com sua confissão — a facadas seus tios e seus primos pequenos. Na manhã do dia 18 esquartejou os adultos e colocou todos em sacos de plástico, como um assassino de aluguel qualquer.
Ao cruzar a soleira da porta de entrada, acompanhado pelo juiz, a promotora, o funcionário do tribunal, os advogados e membros da Guarda Civil, Patrick foi direto para a cozinha da casa, situada ao entrar, no começo do corredor, à esquerda, e cuja janela dá para o jardim com piscina do chalé.
Então lembrou que ficou um momento fora com a mulher do seu tio Marcos Campos, Janaína, e com as duas crianças de quatro e um ano. Ele tinha comprado uma pizza para comer antes de sair de Alcalá de Henares, onde dividia um apartamento de estudantes desde que algumas semanas antes seus tios o tinham “deixado largado” em Torrejón para ir para essa nova casa.
Como quem se lembra de uma receita de cozinha, disse em castelhano: “Janaína colocou a sobra da pizza no forno e matei-a aqui, porque em seguida ficou caída no chão, coberta de sangue”, relatou. Perguntado insistentemente pelo juiz e a promotora, disse não se lembrar como: “Acho que foi com a faca”, respondeu. “Lembro-me que depois havia os corpos ensanguentados das crianças por cima do corpo da mãe, na cozinha”. Assim. Sem mais detalhes.
“Ouvi o portão”
Depois ele esperou “muito tempo” que o tio Marcos chegasse do trabalho. “Ouvi o portão, sabia que estava chegando, abri a porta e o matei ao entrar”. Ele disse que não tinha certeza se Marcos chegou a ver a mulher e os filhos mortos.
Depois reconheceu um saco de plástico que havia ficado na sala, bem em frente à cozinha. Ali, supostamente — de acordo com os restos de sangue encontrados — despedaçou os corpos dos adultos e colocou todos em seis dos sacos que havia comprado. Limpou o sangue, mas também não se lembrou como. Tomou uma ducha no banheiro, a porta seguinte do corredor à esquerda, contíguo à cozinha. E foi dormir no quarto em frente, com duas camas. “Mas não dormi a noite toda”, disse. Levantou-se para tomar o primeiro ônibus de volta para Alcalá e os deixou lá, até que o cheiro forte levou à descoberta dos corpos em 18 de setembro.
Patrick Nogueira Gouveia, tão frio quanto em seus depoimentos aos investigadores e posteriormente ao juiz, conseguiu sair da casa sem dar mais explicações do que as já dadas. “Senti um ódio incontrolável, algo me dizia que eu tinha de matá-los”. Voltou à prisão de Alcalá Meco, onde permanecerá até que seja decidido, depois da perícia obrigatória, se será internado em um estabelecimento psiquiátrico ou receberá um tratamento para “comportamento psicopático, absolutamente desprovido de empatia, mas perfeitamente consciente do bem e do mal, como demonstram sua tentativa de esconder seus rastros e sua memória mais que seletiva”, apontaram os investigadores.
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Patrick Nogueira Gouveia diz que matou seus tios, de 39 anos, e seus dois primos pequenos, de 1 e 4 anos, “na entrada do chalé” em que viviam, no conjunto habitacional de Pioz, na região de Guadalajara, na Espanha. Cravou uma faca no pescoço deles, rompendo com precisão a artéria aorta e a jugular. Em pouco tempo perderam muito sangue. Conta que primeiro matou a mulher de seu tio, Janaina Santos Américo. Depois as crianças. E depois esperou seu tio, Marcos Campos, chegar do trabalho. Não lhe deu tempo para reagir. Todos morreram da mesma forma, “mais típica de um assassino profissional do que de um rapaz de 20 anos”, segundo os investigadores. Por último, usando uma das facas maiores de um “jogo de chef” que havia na casa, cortou os corpos dos adultos e colocou-os em seis sacos plásticos. Empilhou-os na sala da casa, ainda sem mobília porque havia apenas um mês que a jovem família brasileira, proveniente de João Pessoa, Paraíba, tinha se mudado para lá.
Patrick passou a noite toda de 17 de agosto e a madrugada de 18 limpando os restos de sangue, invisíveis a olho nu, mas perceptíveis com o reagente usado pela polícia científica. Tinha tomado um ônibus de Alcalá de Henares (município da Espanha), onde procurou um apartamento para dividir com dois estudantes, depois que seus tios decidiram “deixá-lo largado” em Torrejón, onde viveu com eles por alguns meses de 2016. Às 6:55 da manhã de 18 de agosto tomou o ônibus de volta para Alcalá, onde continuaria sua vida normal, de treinos e exercícios, até que alguém descobriu os corpos e seus planos foram frustrados.
Tinha chegado à Espanha, estimulado por seu tio Walfran Campos, irmão de Marcos, para tentar se tornar um jogador de futebol de elite. Entrou na equipe de futebol de Torrejón e se inscreveu na academia. No entanto, apesar de treinar diariamente, em cinco meses não tinha nenhum amigo. “Todas as relações dele se baseavam no benefício que obtinha delas; na verdade, estava sozinho, e sua única conexão era a família”, relata uma fonte da investigação. Todos se lembram dele como uma pessoa introvertida, que “ficava na dele”.
Os corpos foram encontrados em 18 de setembro passado, depois que um vizinho chamou a Guarda Civil (a polícia espanhola) de Horche, uma cidade próxima, reclamando do forte odor. Teria início nesse momento uma investigação que terminaria por resolver um dos crimes mais apavorantes da história recente da Espanha.
“Senti um ódio incontrolável; eu precisava matá-los.” Mas por quê? “Não sei, uma coisa entra na minha cabeça, me ajudem a tirar isso da cabeça”, declarou o acusado no fim de semana aos investigadores e a um juiz da cidade de Guadalajara, sede da província onde fica Pioz.
Duas armas diferentes para matar
Patrick, que reconhece o crime quádruplo cometido com frieza, não responde a nenhuma pergunta concreta sobre como praticou os assassinatos. O que fez com as armas usadas? Supostamente, usou uma para matá-los, e outra para cortar os corpos. Onde conseguiu os sacos e a fita adesiva com a qual os lacrou? Também não diz nada sobre o que fez com tudo que usou para limpar a cena do crime. Limita-se a contar que levou os celulares das vítimas e alguns bens da família.
Por muito pouco, questão de uma hora, não foi capturado pela Guarda Civil no dia em que voou para o Brasil, em 22 de setembro, dois dias depois de os corpos serem encontrados. Fez escala em Portugal, onde também não chegaram a tempo de prendê-lo. Já no Brasil, foi possível observar pelas câmeras de segurança que seu pai, com quem tinha previsto uma viagem pela Europa no fim de outubro e meados de novembro, o esperava no aeroporto. Havia antecipado uma passagem de volta prevista para 16 de novembro, quando os dois planejavam chegar juntos ao Brasil.
“Não sei nada do meu filho”, mentiu o pai aos investigadores que lhe telefonaram. Apenas quatro dias haviam transcorrido desde a descoberta dos corpos, e os holofotes já estavam voltados para “um quinto membro da família”, que parecia fugir. Foi o que disse Patrick a seus pais e à sua irmã Hanna, advogada. “Eu tinha medo de ser o próximo”, mentiu, pedindo que o protegessem.
"Senti um ódio incontrolável", disse Patrick a um juiz após ser preso
Seu DNA foi encontrado no jogo de facas profissional, que permanecia completo na cozinha da família. “É normal, eles conviveram durante meses”, argumentaram Patrick e seus familiares no Brasil no transcurso de uma investigação que ia ficando cada vez mais séria e já descartava completamente a hipótese inicial de um “ajuste de contas” cometido por “matadores profissionais”. O DNA dele também estava nos nós das sacolas que continham os corpos e na fita isolante, e ainda em algumas gotas de suor no chão. Além disso, seu celular indicava sua presença em Pioz na tarde de 17 de agosto e na manhã seguinte. A partir desse dia, ninguém mais apareceu para recolher o pão que o padeiro deixava diariamente na grade do imóvel, e que foi quem deu o telefone de Marcos aos investigadores. Eram coincidências demais para que ele pudesse se declarar inocente.
Tratamento contra alcoolismo
Seu tio Marcos sabia da brutal agressão que Patrick havia cometido contra um professor aos 16 anos, num colégio da Paraíba, e que havia passado por tratamento contra alcoolismo. Começou a se sentir incomodado com o tratamento que o sobrinho dispensava à sua mulher e aos seus filhos. Chegou inclusive a comentar com colegas de trabalho que Patrick estava “obcecado por Janaína”. A convivência se desgastava a cada dia. Patrick passava muito tempo fechado no seu quarto. Até que a família decidiu se mudar sem ele. “Isso o enfureceu”, disseram fontes da investigação, apesar de durante os interrogatórios ele ter “negado que estivesse obcecado pela tia”. É o único motivo possível, mas ele nega.
Depois de ele passar quase um mês trancado na casa de seus pais na Paraíba, e após se declarar inocente à polícia local, na presença de um advogado, sua irmã viajou para a Espanha a fim de conhecer as provas contra Patrick. Diante da contundência dos indícios, ela voltou ao Brasil e convenceu o irmão a se entregar na Espanha. “Numa prisão brasileira ele não sobreviveria nem um mês.”
Voo monitorado
Patrick pegou um avião na noite de terça-feira da semana passada. Apesar de ser alvo de um mandado internacional de prisão, a Polícia Federal brasileira permitiu que ele embarcasse, não se sabe se propositalmente ou por uma falha no controle de passaportes. Só a irmã dele sabia dos planos. Ele disse aos pais que iria à Espanha “para esclarecer as coisas”. Viajou por 10 horas como um passageiro comum, mas sabendo que iria se entregar. Depois que o avião decolou, a Guarda Civil foi informada da sua viagem e, temendo algum incidente a bordo, monitorou esse voo até seu pouso em Madri. Lá, ao pé da escada do avião, foi algemado aquele que, nos dois lados do Atlântico, já é conhecido como “o assassino de Pioz”.
Desde sexta-feira, quando prestou depoimento a um juiz, dorme numa prisão espanhola. Mas tudo indica que acabará numa ala psiquiátrica, em tratamento. Ser um “psicopata de manual”, como o definem os investigadores, não o torna inimputável. “Os psicopatas sabem o que fazem. Por isso buscam destruir seus rastros, fugir e, como Patrick, têm uma memória seletiva em suas declarações”, diz uma das fontes.
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