EXERCÍCIO DEMOCRÁTICO:
– Eduardo Chiziane, docente universitário
A proposta dos partidos extra parlamentares de revisão da lei 7/91 de 23 de Janeiro que estabelece o quadro jurídico para a formação e actividade dos partidos políticos continua a alimentar acesos debates e desta feita domingo colheu a opinião de Eduardo Chiziane, docente universitário, que afirmou que a revisão é um acessório para a pacificação e reconciliação nacional.
Aquele académico observou ainda que a revisão afigura-se como sendo importante e sempre esteve à ribalta tendo sido ofuscada devido ao recrudescimento das hostilidades militares entre as tropas governamentais e os homens armados da Renamo.
Segundo afirmou, antes mesmo do estágio em que se encontram as conversações para o restabelecimento da paz efectiva no país, a questão da revisão da lei de partidos esteve acesa, quer pelos partidos com assento parlamentar assim como pelos extra parlamentares, que alinharam no mesmo diapasão sobre a pertinência da mexida da legislação.
Nessa ordem de ideias, Eduardo Chiziane entende que logo após os entendimentos na Comissão Mista de preparação do diálogo ao alto nível entre o Presidente da República e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, o passo seguinte deveria ser a reforma da lei de partidos para incorporar os aspectos inerentes à boa convivência entre as lideranças partidárias.
“Todos concordam que se devem criar regras específicas para que a actuação dos partidos seja o mais transparente possível, pelo que a revisão da Lei é um apêndice importante para a própria pacificação do país,disse Chiziane acrescentando que a lei em vigor foi aprovada num contexto de monopartidarismo para em seguida ser ajustada ao Acordo Geral de Paz (AGP).
Debruçando-se sobre os aspectos a serem revistos indicou os relacionados com direitos, garantias e responsabilidades dos líderes dos partidos políticos em relação ao Estado, “isto é, estabelecer equilíbrio no exercício da actividade política entre diferentes actores políticos”.
Segundo Chiziane, é necessário incorporar na lei mecanismos que permitam integralmente a fiscalização da acção governativa para qualquer que seja o partido devidamente registado, nomeadamente, o estatuto do líder da oposição com direitos e deveres específicos.
“A questão da institucionalização do estatuto do líder da oposição é muito importante porque é preciso não esquecer que a política funciona com alternância, como o que está a acontecer na governação municipal nas cidades da Beira, Quelimane, Nampula e Gurué. Então, isso gera incerteza para quem está no poder e depois passa à oposição, pelo que são necessárias garantias para responder aos casos de intimidação a alguns dirigentes políticos”,explicou acrescentado que o estatuto já existe sendo necessário a sua integração na lei de partidos.
A outra questão que deve ser clarificada na revisão segundo aquele académico, prende-se com o desempenho dos partidos políticos e neste capítulo considera ser importante a introdução de mecanismos de monitoria e da sua inserção.
Através desses mecanismos, segundo a nossa fonte, poderá se minimizar a proliferação de partidos que só se fazem sentir nos períodos eleitorais, beneficiando de fundos públicos que depois não os justificam.
“A revisão da legislação pode introduzir uma espécie de avaliação do desempenho dos partidos políticos. Sabe-se que eles são avaliados através do voto, mas também tem implicações financeiras. Portanto, dependendo dos assentos que um partido obtiver, o orçamento baixa ou aumenta e a representatividade parlamentar não é suficiente, é preciso introduzir mecanismos para o controle efectivo dos partidos fora do parlamento para que também tenham alguma inserção no xadrez político”,disse Chiziane.
DIREITOS E RESPONSABILIDADES DOS PARTIDOS
No concernente aos direitos, Eduardo Chiziane defendeu o estabelecimento de garantias específicas para que as formações políticas com ou sem assento parlamentar consigam desenvolver cabalmente as actividades políticas, sobretudo, a fiscalização do governo central, provincial assim como as autarquias locais.
“Precisamos de estabelecer critérios concretos para o exercício da actividade política que vão desde o período pré eleitoral, durante as eleições, decurso do mandato e sobretudo no fim onde a tensão política começa a exacerbar-se, pelo que é importante que o quadro jurídico defina claramente as condições legais, estruturais e políticas para o exercício da actividade dos partidos políticos”,explicou Chiziane.
No concernente à responsabilização, Chiziane é de opinião de que as lideranças dos partidos têm responsabilidades acrescidas sob o ponto de vista da moral pública, razão pela qual devem pautar pela transparência e decoro no exercício das suas actividades.
Ainda sobre o decoro, o nosso entrevistado entende ser crucial que as lideranças incutam nos seus apoiantes e partidários que não são inimigos mas sim adversários políticos, devendo por isso pautar pelo civismo.
Para ele, a questão de bom relacionamento pode ser regrada por um código de conduta ou mesmo por via de um artigo na Lei em que qualquer grupo que transpor ou violar poderá ser sancionado com uma suspensão ou dissolução dependendo da gravidade das ofensas.
Ainda no capítulo da responsabilização, Chiziane entende ser urgente o estabelecimento na Lei de mecanismo do controlo do uso dos fundos do Estado quer durante a campanha eleitoral e no período pós eleições para os partidos que conseguirem assento parlamentar, provincial e municipal.
“O que acontece é que o nível de prestação de contas e de sancionamento tem sido fracos, pelo que é necessário que esta questão fique bastante firme na Lei, onde a punição pode ir desde a não atribuição de fundo como forma de pressionar os partidos a justificar o erário público”,explicou.
NÃO AO PORTE DE ARMAS
Para o nosso entrevistado na revisão da Lei é necessário reforçar, entre outros aspectos, os mecanismos da proibição do porte e recurso de armas por parte dos partidos para alterar a ordem constitucional e alcançar o poder.
Acrescentou ainda que mais do que isso é necessário prever mecanismos de sancionar aquelas formações políticas que ciclicamente violam as normas constituições, com a sua suspensão ou banimento do cenário político nacional.
“Portanto, dizer que é preciso reforçar questões de não recurso à violência ou porte de armas por parte dos partidos políticos já está na Lei, ou seja, a solução jurídica nem sempre poderá ser viável para resolver o porte de armas pela Renamo, o que é necessário é encontrar formas de chamar à razão este partido para se desarmar, conformar-se com a legislação e encontrar-se uma solução definitiva para as suas reivindicações”,disse Eduardo Chiziane, sublinhando que nas negociações em curso deve-se encontrar uma forma de solucionar este problema.
No seu entender, a Renamo a continuar a manter o seu braço armado dando continuidade a sua génese, não está a respeitar a ordem constitucional e não faz sentido a desculpa de se revisitar o AGP no concernente à integração dos militares da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança (FDS).
“ Na verdade, as autoridades não têm sido muito implacáveis em relação a Renamo, refiro-me aos próprios tribunais que deviam entrar numa lógica de ilegalização deste partido mas não o fazem porque quer os órgãos judiciais, o governo e outras instituições de justiça entendem que o assunto deve ser resolvido de forma política e neste caso, no diálogo em curso na Comissão Mista”,afirmou Chiziane reiterando que o governo e as instituições legais, “não estão a adoptar medidas consentâneas à actuação da Renamo, porque não pretendem afastar este partido da arena política nacional”.
Questionado sobre a razão por que os órgãos de administração da justiça ainda não aplicaram a Lei, o nosso entrevistado respondeu que nem sempre a solução jurídica afigura-se como sendo viável em política.
Nesse contexto, a nossa fonte indicou que muitas vezes opta-se por soluções políticas como foi aquando da aprovação da Lei que regeu as eleições gerais de 2014 que são o mote das revindicações da Renamo.
“O que pretendo dizer é que se está a dar claramente um tratamento político a questão de a Renamo continuar armada porque a Lei é clara nesse aspecto. Ou seja, está-se a passar por cima da legislação no que diz respeito aos direitos e deveres dos partidos políticos ao tentar-se encontrar uma fundamentação histórica para se tolerar o porte e o recurso às armas para fazer chantagem ao governo”,disse Chiziane.
Acrescentou que a melhor saída para o problema seria aplicar uma engenharia em que se encontre a acomodação das revindicações da Renamo. “Negociar é a melhor forma, guerra não resolve os problemas, até porque diz o velho ditado, quando os elefantes lutam, o capim é que sofre, neste caso o povo moçambicano”.
Para Chiziane, está-se à procura de uma solução política e não jurídica do problema. “Portanto, o caso moçambicano é sui géneres em que um partido tem assento parlamentar e mantêm homens armados no mato para combater o governo que paga os salários dos seus deputados”.
Segundo Chiziane, estamos perante uma situação que roça o Estado do direito e tudo isso vem desde a assinatura do AGP e realização das primeiras eleições gerais quando se admitiu que aquele partido continuasse armado.
De acordo com o nosso entrevistado são essas armas que a Renamo usa para lograr dividendos políticos apontando entre outros aspectos a Lei eleitoral e a cessação das hostilidades militares, sendo que agora está-se à procura de alcançar o poder com recurso à violência.
Na óptica daquele académico já é tempo de se encontrar uma solução definitiva para este problema em que o partido de Afonso Dhlakama recorre a violência para fazer valer as suas intenções.
“Ela recorre a violência alegando que o AGP não foi devidamente cumprido no capítulo da integração das suas forças nas FDS. Isso deveria ser exigido pacificamente e não por via da força das armas. O problema é que sendo a sua origem militar, tem crença de que os seus problemas só podem ser solucionados com recurso violência, ou seja, a falta da dimensão militar iria prejudicá-la sob o ponto de vista da sua popularidade”,disse Chiziane.
Num outro momento, o nosso entrevistado afirmou que a Renamo tem estado a reivindicar a questão da despartidarização do Estado, assunto que faz sentido tendo em conta a realidade nas instituições públicas.
Para ele, sob o ponto de vista legal está preconizado a despartidarização mas na prática ainda é uma miragem. “ No âmbito da pacificação e reconciliação nacional é necessário apontar todos os tabus, os problemas de modo a ter diagnóstico neutral e sem rodeios para radiografar Moçambique sob o ponto de vista da construção da democracia”.
RENAMO E AS SOLUÇÕES
FORA DO PARLAMENTO
Num outro momento, Eduardo Chiziane falou do diálogo político em curso, sobretudo, dos pontos em debate na Comissão Mista tendo afirmado que a exigência da Renamo da governação das seis províncias é difícil de ser implementada por um lado devido às questões jurídico-legais e por outro políticas, razão pela qual defende um debate inclusivo com todos actores políticos.
“Essa questão da governação das seis províncias é extremamente problemática porque como se sabe a eleição em causa não tinha como objectivo os governadores provinciais, ou seja, que aquele partido que ficasse em primeiro lugar num determinado círculo eleitoral, nomearia o governador nessa província. O nosso sistema do estado unitário colide com essa pretensão. Enfim, não me parece fácil acomodar esse desejo”,explicou Chiziane.
Sobre se tal pretensão não seria acomodada através de uma revisão constitucional tal como alega a Renamo, Chiziane pronunciou-se nos seguintes termos: “ Sob o ponto de vista político até pode ser possível, mas juridicamente é extremamente complexo acomodar essa pretensão”.
Ainda segundo a nossa fonte, mesmo sob o ponto de vista da construção do Estado democrático é problemática a proposta por no seu entender consubstanciar uma regionalização ou ao divisionismo dos moçambicanos.
“A Renamo está a reivindicar as províncias da região Centro e Norte, portanto, uma atitude exagerada porque nem se quer ganhou em todas as províncias onde reclama, portanto, está a induzir às pessoas desatentas a pensarem que é representativa nessas zonas, o que não é verdade. Na minha óptica era preferível exigir a repetição das eleições e não a nomeação dos governadores provinciais”,disse Chiziane para quem a ser aceite a reivindicação pode trazer problemas a médio e longo prazo.
Face à relutância da Renamo nessa exigência, a nossa fonte apela as partes em conversações a encontrar uma fórmula eficaz e consensual para ultrapassar as diferenças. “ Parece que o posicionamento da Renamo é inflexível o que torna a situação delicada apesar de o governo ter condições de refutar essa situação, tem pautado pela discussão para se ter consenso no sentido de se encontrar o melhor mecanismo de partilha do poder”.
Questionado sobre se haveria espaço suficiente para se mexer a Constituição da República no sentido de acomodar essa pretensão até Novembro próximo, a nossa fonte referiu-se nos seguintes termos:“Essa questão é altamente problemática porque não tem sido fácil atender as revindicações da Renamo ou conviver com ela num contexto de radicalização da posição”.
Para Chiziane não é possível acomodar juridicamente a exigência da Renamo deixando uma hipótese política. “ O direito está como está e foi objecto da aprovação. Se você quiser mudar aprova novas leis para o futuro e não para situações passadas”.
No seu entender é possível uma solução política onde poderá haver surpresas no sentido de restaurar a paz no país. “Portanto, a Renamo habituou-se que sempre com estas metodologias, força das armas, consegue alcançar os seus objectivos. Eles encontraram uma forma para contornar a sede do debate político onde não conseguem passar os seus projectos”.
Acrescentou que todos os projectos ou propostas de leis que não consegue fazer passar na Assembleia da República, opta por via paralelas, neste caso diálogo político com governo. “Eles privilegiam órgãos fora do Parlamento, neste caso, comissões mistas, grupos de diálogo e outras plataformas para lograr os seus intentos”.
Texto de Domingos Nhaúle
domingos.nhaule@snoticicas.co.mz
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