Governo e Renamo esgotam debate sobre governação de seis províncias
-Discute-se, amanhã, cessação de hostilidades militares
O debate do primeiro ponto, atinente a governação das seis províncias que a Renamo alega ter ganho, esgotou sexta-feira passada ao nível da Comissão Mista encarregue para preparação do encontro, ao mais alto nível, entre o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, na busca de paz ao pais.
Governo e Renamo, com mediadores pelo meio, endossam agora a “bola” à Assembleia da República que deverá, brevemente, receber uma propositura com o conteúdo acordado entre as partes.
Competirá portanto ao Parlamento estudar a propositura no quadro da legislação pertinente, debatendo, acomodar ou não as pretensões da Renamo, o maior partido na oposição no país.
Por aquilo que pudemos constatar, as partes discutiram a matéria em ambiente aparentemente descontraído. O texto acordado em torno do primeiro ponto da agenda, deverá ser monitorizado pela equipa de mediação, reflectindo os entendimentos alcançados.
Para já não foi revelado o teor das cedências feitas pelas partes, tendo o deputado da Renamo José Manteigasavançado, em nome de toda equipa negocial, dito que tudo gravita em torno do processo de descentralização administrativa no país.
Os entendimentos alcançados encerram uma maratona negocial que durou toda a semana passada, tendo os mediadores promovido encontros, em separado, tanto com a equipa do Governo como da Renamo.
Refira-se que o Governo sempre defendeu que a escolha de governadores provinciais pelo partido que teve vantagem em determinada (s) província (s) carecia de uma reforma na Constituição da República e na Lei Eleitoral.
Defende ainda que não faz sentido a Renamo exigir governar onde teve “vantagem” nas últimas eleições gerais, em 2014, pois não eram, efectivamente, provinciais, não tendo, por isso, cobertas por legislação pertinente.
O Executivo sublinhou que há haver alterações na lei, e ao que tudo indica haverá, as mesmas só se aplicariam para as próximas eleições gerais, obedecendo-se ao princípio de não retroactividade das leis, uma das mais relevantes e antigas garantias promanadas do constitucionalismo em todo o mundo. Trata-se de um princípio geral de Direito que todo mundo civilizado respeita que impede que normas recém-editadas atinjam actos jurídicos já consolidados, abalando a segurança dos cidadãos.
Ou seja: dispõe os efeitos da lei para o futuro. Ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se, sempre, que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Ora, a Renamo quer ignorar tudo isto, pois sublinha que quer governar imediatamente nas seis províncias onde “ganhou”, esbarrando-se, a partida, com o preceituado por uma Constituição e Lei Eleitoral que ela própria aprovou em parceria com a Frelimo.
A “batata quente” passou para a Assembleia da República, não se sabendo se reunir-se-á em sessão ordinária ou extraordinária, tendo em conta a urgência que o assunto impõe.
O Parlamento moçambicano, tem a espinhosa missão de entre atropelar ou não a lei, buscar elementos de consenso que não firam a estabilidade de um país que busca soluções ”ad hoc” em função de conjunturas pós-eleitorais arquitectados por um partido teimosamente armado e com representação parlamentar, caso único em todo o mundo.
Não se vislumbram sessões fáceis na Assembleia da República, devendo, ao que tudo indica, prevalecer o aprumo político das forças representadas, nomeadamente a Frelimo, a Renamo e o MDM, que terão a última palavra a dizer, esgrimindo-se no terreno da legalidade, do compromisso com a paz e de uma descentralização escrupulosamente estudada, alicerçada no primado do legislado.
SEGUNDO PONTO: CESSAÇÃO DAS HOSTILIDADES
Esgotado o primeiro ponto, aprofunda-se, a partir de amanhâ, segunda-feira, o debate em torno da cessação das hostilidades militares, sobretudo nas províncias da zona centro.
Trata-se de um ponto vital, sensível e que na semana que ontem terminou espevitou troca de mimos de parte a parte. A Renamo, com o seu líder cercado, em círculos concêntricos na serra da Gorongoza, em Sofala, endereçou uma carta ao Presidente da República, solicitando trégua unilateral e recuo das forças governamentais.
Afonso Dhlakama sublinha que o recuo das forças do Governo consubstanciaria espécie de pré-condição para eventual cessar-fogono país.
A resposta foi dada por Jacinto Veloso, que ao nível da Comissão mista chefia a equipa governamental. Com mandato legítimo do estadista moçambicano, Veloso não mostrou sinais de interesse de recuo das Forças de Defesa e Segurança no cerco a Gorongoza.
Veloso explicou que um cessar-fogo não passa de cessar-fogo. “Cada um pára os tiros e permanece onde está”.
Incomodada com a resposta, a Renamo intensificou ataques esporádicos, em grupos errantes, tendo como alvo civis, infraestruturas de interesse social, desestabilizando semana passada algumas regiões das províncias de Zambézia e Manica.
A opção belicista da “perdiz” não poupou jornalistas da Televisão de Moçambique e da Rádio Moçambique, atacados no distrito de Báruè, em Manica, numa missão de reportagem.
Perante este cenário inusitado, a Comissão Mista admite que nada de substancial emergiu do diálogo em curso, havendo necessidade, urgente, de os mediadores partirem para Gorongoza para um encontro com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama.
Não foi ainda revelado a agenda do encontro com Dhlakama, mas tudo indica que os mediadores tentam, a todo custo, evitar a radicalização de posições de parte a parte e a busca de paz sem mais delongas.
Segundo José Manteigas, que falou sexta-feira em nome de toda equipa negocial, deverão ser criados mecanismos de segurança para que esse encontro com o líder da “perdiz” ocorra em breve.
Manteigas garantiu que a Comissão Mista vai discutir e preparar um documento que traga balizas para avanço das duas propostas já afloradas, nomeadamente a descentralização e a cessação das hostilidades militares.
Em banho-maria permanece ainda o debate de outros dois pontos igualmente “quentes”: a composição das Forças de Defesa e Segurança, bem como o desarmamento da Renamo.
O último ponto destaca-se como fundamental para eliminação, em definitivo, de focos de tensão militar nos momentos que se seguem a confrontação político-eleitoral no país.
Recorde-se que o mesmo foi discutido, sem sucesso, em rondas sucessivas, no Centro de Conferências Joaquim Chissano. A Renamo exigia assunção de posições de comando e chefia na Polícia e nas Forças Armadas.
Paradoxalmente, a mesma Renamo se recusava a enviar a lista contendo os nomes dos elementos a incorporar tanto na Polícia como nas Forças Armadas.
Texto de Bento Venâncio
bento.venancio@snoticicas.co.mz
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JORNAL DOMINGO - 14.08.2016
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